
Railson Silva (acadêmico do 5º semestre de RI da UNAMA)
Durante o final do século XX, devido à grande crise epistemológica, o campo de pensamento das relações internacionais foi mudando substancialmente, mergulhando em diferentes teorias na qual se divergiam nos pontos de vista. Dessa forma, se viu necessário uma reestruturação das premissas que dão base e alimentam os processos de conhecimento em RI (REZENDE, 2010).
Nesse contexto, sofrendo grande influência desse período, nasce a teoria pós- estruturalista/pós-moderna trazendo uma releitura dos papeis dos discursos na construção social da realidade internacional. Sendo assim, com impacto da virada linguística, Michael Shapiro (1984) apresenta questões a respeito do papel da representação, da linguagem e dos discursos nos processos de construção social das RI.
Ademais, a virada epistemológica representou um marco para várias vertentes de pensamento na qual os críticos pós-estruturalistas/pós-modernistas começaram a ganhar espaço e, incentivados pelo ocorrido, começaram a dar atenção especial aos processos de significação e no reconhecimento do papel da linguagem na construção da realidade internacional (REZENDE, 2010). Logo, Shapiro, influenciado pelos principais críticos da vertente, transita por múltiplas áreas e tradições e propõe-se a investigar as diversos formas de produção que baseiam a “escrita” do texto em Relações Internacionais, além de identificar como suas representações são mediadas e estruturadas por discursos dominantes historicamente construídos (DER DERIAN; SHAPIRO, 1989).
Nesse viés, Shapiro (1989), coloca em ênfase a crítica sobre estética que é reproduzida na produção de conhecimento nas relações internacionais e se preocupa com o rompimento das relações de dominação que sufocam e impedem uma verdadeira emancipação humana. Dessa forma, Shapiro argumenta e reconhece que para uma boa compressão dos acontecimentos internacionais é necessária uma interpretação das narrativas dominantes. Dessa maneira, o crítico buscar privilegiar o papel da linguagem na representação e construção de narrativas nas relações internacionais.
Nessa perspectiva, Michael Shapiro na obra Violent Cartographies (1997) traz o conceito das “Cartografias Violentas” ao problematizar as práticas textual-discursivas com base na estética do “espaço” em RI. As cartografias violentas, segundo o autor, são construções sociais imaginarias geográficos que, ao serem relacionadas as questões de identidade-diferença, criam antagonismo que movem e orientam políticas de defesa e segurança de viés discriminatório no âmbito internacional.
Assim, a existência de grupos que se encontram “fora da gramática” dos principais discursos do Estado-nação desafia o imaginário político do Estado-nação (Shapiro, 2008). Para o autor, a adesão dos discursos hegemônicos ou no alinhamento nacional na mesma, tende a deixar muitos sujeitos políticos nas sobras ou invisíveis por não serem desejados no estado-nação.
Seguindo essa lógica, Shapiro também refletiu sobre o fenômeno da guerra, na qual percebeu que o modelo epistemológico, racionalista e positivista, dominava a produção do saber sobre a guerra. Sendo assim, o crítico revela como as interpretações específicas sobre identidade e espaço permitiram a articulação e hegemonização de determinados objetos nos discursos sobre a guerra em RI (REZENDE, 2010).
O Estado-nação passou a ser mais importante para a formação de identidades políticas. Assim durante o século XX, no contexto da Guerra Fria, os Estados reforçaram-se não só como produtores de identidade, mas também como máquinas burocráticas, desenvolvendo a tensão amigo-inimigo, logo, para Shapiro, isso é uma chave para compreender a política e a guerra como forma de política definitiva e fundamental.
Sob essa ótica, Shapiro (2009), na obra Geopolítica cinematográfica traz a questão que existe uma relação direta entre cinema e a Geo/biopolítica da guerra, porque “a forma como experimentamos a história da guerra está inexoravelmente ligada às formas que ela assume nas representações midiáticas” (SHAPIRO, 2009: 16 apud REZENDE, 2010).
Logo, o cinema desempenha um papel político crucial como mediador do imaginário coletivo. O autor enfatiza que o cinema não é apenas uma simples ficcionalização que pode eventualmente servir de meio de propaganda para defender determinados interesses, mas é constituído por um conjunto de dispositivos de observação, perfeitamente organizados e sistematizados que, em determinadas circunstâncias, podem contribuir, do potencial epistêmico da estética, elementos extremamente valiosos para a análise política.
Nesse sentido, argumenta Shapiro, o cinema, quando visto criticamente, como prática de “resistência a modos dominantes de representação do mundo” (2009: 5), “propaga a generosidade e desafia os episódios de violência promovidos por políticas oficiais de guerra e outros modos de coerção e abjeção” (SHAPIRO, 2009: 4 apud REZENDE, 2010)
Para Shapiro, a resistência a todas essas geografias de inimizade é crucial, distanciando-se dos imaginários geopolíticos que levam à guerra e à injustiça. Nesse sentido, entende-se que os festivais de cinema podem representar oportunidades para criticar a violência sistêmica e defender a paz da criação de novos imaginários.
Em suma, Michael Shapiro é um importante crítico pós-estruturalista que leva a reflexão sobre os discursos mainstream das relações internacionais. O autor defende a prática de “interpretações de resistência”, cujo objetivo seria a produção de narrativas que contestem os modos das representações dominantes. Dessa forma, tal processo desmistificaria, assim, as gramáticas, narrativas, retóricas, figuras, estilos, vocabulários e campos semânticos implicados na produção da estética dominante em RI. Assim, segundo o autor, pensar significa, acima de tudo, resistir aos modos predominantes de representação do mundo.
Referências:
DER DERIAN, J.; SHAPIRO, M. (Ed.). International/Intertextual Relations: Postmodern Readings in World Politics. Lexington: Lexington Books, 1989.
RESENDE, Erica Simone Almeida. A crítica pós-moderna/pós-estruturalista nas relações internacionais. Boa Vista: Editora da UFRR, 2010.
SHAPIRO, M. Language and Politics. New York: New York University Press, 1984
SHAPIRO, M. Violent Cartographies: Mapping Cultures of War. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997
SHAPIRO, Michael J. How does the Nation-State Work? In: EDKINS, Jenny; ZEHFUSS, Maja (orgs.). Global Politics-A New Introduction, London & New York: Routledge, 2008,
SHAPIRO, M. Cinematics Geopolitics. London: Routledge, 2009
