Keity Oliveira e Lara Victoria (acadêmicas do 5º semestre de RI da UNAMA)

A religiosidade é um fenômeno inerente a todo ser humano e está presente nas inúmeras culturas existentes, manifestando-se na vida do homem ao longo de sua história. Para Durkheim (1996), a religião é um aspecto essencial e permanente na existência humana, no qual se observa através dela, as maneiras e os contextos as quais os homens se relacionam com o cosmos, o universo. Na Amazônia, a pluralidade de manifestações religiosas faz dela um Éthos brasileiro, ou seja, possui um conjunto de costumes e hábitos, que possui praticantes diversos que compartilham suas experiências individualmente ou coletivamente e nesse caso, suas experiências com o sagrado.

O Brasil apresenta, em relação às práticas sócio religiosas, diferentes matrizes como a Católica, Protestante, Afro-brasileira, Espírita e as religiões praticadas pelos povos originários, ribeirinhos e quilombolas, que mantém uma forte base estruturada na ancestralidade e no culto espiritual das energias emanadas da natureza.

Ao longo do processo de ocupação das terras brasileiras por parte da coroa portuguesa, a formação política e econômica do país caminhou junto com o processo de miscigenação com a população originária e a população negra escravizada. Esses povos, que dispunham de suas dimensões existenciais atreladas às formas harmônicas com os recursos naturais e ancestrais de diferentes divinizados, continuam presentes no cerne da relação entre os homens e a natureza (SILVA ET AL, 2020).

Dessa forma, o contato dos povos com as expressões de religiosidade, representaram e continuam representando forte elemento de resistência aos processos políticos, econômicos e sociais de imposição subalterna das identidades étnicas que são impostas, muitas vezes, pela violência física e segregação espacial (SILVA ET AL, 2020).

O legado deixado pela escravidão africana no Brasil é marcado pela diversidade afro-religiosa, no qual pode-se dividir as religiões de matriz africana em três grupos: brasileiras, como a umbanda; afro-brasileiras, como o candomblé e afrodescendentes, que ainda que sejam originários do Brasil, reivindicam processos organizatórios das religiões do continente africano, como o ketu e o jêje (OLIVEIRA, 2022).

Em Belém, no Estado do Pará, existe um grande histórico de praticantes de religiões afro-brasileiras, característica que se mostra evidente pela presença de 1.189 casas de religiões de matriz africana, em Belém e munícipios da região. São templos de umbanda, candomblé, tambor de mina e pajelança, dentre outras manifestações que compõem o panteão afroamazônico e que juntam seres espirituais na esfera sobrenatural e terrena com uma grande ligação com os fenômenos naturais (SARRAF, 2019).

Apesar de ser considerada uma cidade afroreligiosa, Belém, assim as outras regiões do país, também sofre com preconceito, perseguição e discriminação aos praticantes, mesmo com o princípio de laicização do Estado, o qual se observa a perpetuação do modelo colonialista que assolou o território.

Em relação aos povos indígenas, há o adepto em grande parte das comunidades do chamado “xamanismo”, termo empregado para designar um sistema ritual dos mais antigos da humanidade, partilhado por povos que se estendem desde a Ásia até o extremo da América. O “xamã”, derivado da palavra çaman, designa os seus especialistas rituais, sendo análogo a “pajé”.

É classificado como um certa organização ou configuração de mundo, não se configurando exatamente como religião ou crença, mas sim, como uma mediação diplomática entre os xamãs amazônicos e humanos viventes à multidão de espíritos, almas mortas e animais que constituem as cosmologias indígenas (CESARINO, 2009).

O xamanismo está diretamente relacionado com a medicina popular e os saberes utilizados pelos povos tradicionais, constituindo-se como uma vivência simbólica multifacetada. Davi Kopenawa, do povo Yanomami, é um exemplo de vivência do xamanismo que ecoa não somente no cuidado planetário, mas também, na preservação das florestas e da biodiversidade na Amazônia, a casa comum dos povos originários.

Além da influência dessas religiosidades, o cristianismo romano foi se expandindo no Brasil, desde o século XVI com o domínio da Igreja Católica e se disseminou principalmente entre os povos indígenas, através dos jesuítas. Posteriormente, o cristianismo se tornou a religião de maior influência no país, inclusive nos Estados que integram a região da Amazônia e difundiu-se amplas manifestações religiosas.

Na Amazônia Oriental, a influência do catolicismo pode ser encontrada em festividades como o Círio de Nazaré, dedicada à Nossa Senhora de Nazaré, considerada não somente como a rainha da Amazônia, mas, também, como padroeira dos paraenses. A santa, tem a sua devoção originalizada numa pequena aldeia de pescadores, em Portugal e foi trazida para o interior do Pará na primeira metade do século XVII. No Círio, é bem comum presenciar religiosos que professam diferentes crenças, como os xamãs, pais e mães de santos, novos convertidos protestantes e religiosos de matriz africana, constituindo um grande festival capaz de reunir pessoas de diferentes religiosidades (PANTOJA & MAUÉS, 2008).

Por fim, há também os movimentos das igrejas pentecostais, iniciados a partir do século XX e que ganham mais força durante as últimas duas décadas. Antes da chegada dos pentecostais, os protestantes já haviam ministrado trabalhos missionários e através do Protestantismo americano e sueco, surgiu o protestantismo pentecostal caboclo amazônico (RODRIGUES & JÚNIOR, 2018), que se desenvolve no cerne da região da Amazônia, conectando seus agentes com a cidade, o rural, os espaços da família, do trabalho, da escola e outros espaços sócio-históricos que ressignificaram as relações e comportamentos sociais de seus simpatizantes.

O pentecostalismo caboclo tem sua principal característica no personagem do caboclo, termo usado erroneamente para distinguir o rural do urbano. Nessa conjuntura, o pentecostalismo caboclo se difundiu com a influência dos povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas, levando a um sincretismo religioso que cada vez mais cresce na região.

Nesse sentido, o Cosmo é o corpo movente na percepção dos ciclos e o tempo possui suas múltiplas faces, permitindo a elucidação dos acontecimentos pela memória do que foi narrado ou não narrado. Assim, as populações se apoderam de culturas, espiritualidades e religiosidades de forma que é possível tecer uma cosmologia que corporifica o campo do sagrado em todo um espaço de tempo (SANTOS, 2020).

Portanto, a pluralidade de expressões religiosas forma os saberes e tradições dos povos amazônidas que utilizam a religião não somente como um instrumento de crenças e fé, mas também, como um instrumento de resistência contra a perpetuação de um sistema colonialista que subalterniza as populações mais vulneráveis em diferentes âmbitos da sociedade.

Ressalta-se com o texto, a importância do dia 21 de janeiro, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, data que assegura a diversidade religiosa. Foi criado em homenagem à uma líder religiosa, a Mãe Gilda, que em 1999, teve seu terreiro invadido e depredado por fundamentalistas religiosos. É um marco na luta da liberdade religiosa e reafirma a importância da diversidade das tradições e crenças na construção cultural e histórica do país.

Diante da temática exposta, recomendamos dois documentários, o primeiro se chama “O que é Sairé?” (2021), do diretor Fábio Barbosa. Retrata os bastidores do rito religioso de uma das mais antigas manifestações populares da Amazônia a partir do olhar dos moradores de Alter do Chão. E busca, de maneira didática, responder a pergunta-título através de imagens de acervo da AD Produtora e com a participação de historiadores e antropólogos que desmitificam elementos da festa, evidenciando a miscelânea cultural. O longa está disponível para ser assistido no Youtube, através do link a seguir:

< https://www.youtube.com/watch?v=Y4kle1X-jLs&ab_channel=Di%C3%A1riodoFB >

O segundo se chama “O Corpo e Os Espíritos” (2019), de Mari Corrêa. O longa narra o encontro da medicina ocidental com o xamanismo praticado no Parque Indígena do Xingu, onde há anos médicos da Escola Paulista realizam um trabalho de formação de agentes de saúde entre os próprios membros da comunidade. além de destacarem a preocupação dos pajés com a falta de crença na pajelança e o consumo compulsivo de remédios entre os indígenas. O documentário foi vencedor do prêmio de Melhor Documentário no Bilan Du Ethnographique, Musée de I’Homme, em Paris. Está disponível para ser assistido no Youtube, através do link a seguir:

< https://www.youtube.com/watch?v=mEQ6dPHPylE&ab_channel=PovosInd%C3%ADgenasnoBrasil >

Recomendamos também a leitura do livro “Órun-Àiyé: O Encontro de Dois Mundos” (1997) de José Beniste. A obra discute a cultura nagô-yourubá e sua chegada no Brasil através dos escravos africanos e apresenta o sistema de crença geral, esclarecendo cânticos e as rezas iniciados no candomblé para resgatar as origens e crenças africanas. Está disponível para compra no site da Amazon, através do link a seguir:

< https://www.amazon.com.br/%C3%93run-%C3%80iy%C3%A9-Encontro-Mundos-encontro-mundos/dp/8528606147/ref=sr_1_6?keywords=livros+religiosos+de+matriz+africana&qid=1686009611&sr=8-6 >

Por fim, destacamos o trabalho realizado pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), uma instituição permanente que congrega os Bispos da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil com objetivo de unir os Bispos para que cada um consiga realizar melhor sua missão na diocese que lhe é confiada. É um espaço propício para o estudo, reflexão, debate, oração e discernimento de caminhos para realizar as missões e valores da CNBB. Para mais informações, acesse:

Site institucional: < https://www.cnbb.org.br/ >

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REFERÊNCIAS

CESARINO, Pedro de Niemeyer. Xamanismo. Instituto Socioambiental (ISA). 2009. Disponível em: < https://pib.socioambiental.org/pt/Xamanismo > Acesso em: 05 de maio de 2023.

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Acesso em: 05 de maio de 2023.

OLIVEIRA, Maria Luisa Pereira. Religiões de matriz africana: quais são e por que sofrem preconceito. Politize. Publicado em: 23 de julho de 2022. Disponível em: < https://www.politize.com.br/religioes-de-matriz-africana/#:~:text=As%20matrizes%20africanas%20deram%20origem,varia%C3%A7%C3%A3o%20do%20candombl%C3%A9%20no%20Maranh%C3%A3o. > Acesso em: 05 de maio de 2023.

PANTOJA, Vanda; MAUÉS, Raymundo Heraldo. O Círio de Nazaré na constituição e expressão de uma identidade regional amazônica. 2008. Disponível em: < https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/view/3574. > Acesso em: 04 de junho de 2023.

RODRIGUES, Donizete; JÚNIOR, Manoel Ribeiro de Moraes. A Pentecostalização de Povos Tradicionais na Amazônia: aspectos conceituais para uma antropologia de identidades religiosas. Periódicos PUC-MINAS, 2018. Disponível em: < http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2018v16n50p900. > Acesso em: 04 de junho de 2023.

SANTOS, Maria Roseli Sousa. Os saberes do cotidiano e a expressão do sagrado: um olhar para a religiosidade na Amazônia. Revista Sentidos da Cultura, 2020. Disponível em: < https://periodicos.uepa.br/index.php/sentidos/article/view/3223 > Acesso em: 04 de junho de 2023.

SARRAF, Moisés. A intolerância emerge contra a religião de matriz africana em Belém. Amazônia Real. Publicado em: 09 de janeiro de 2019. Disponível em: < https://amazoniareal.com.br/a-intolerancia-emerge-contra-a-religiao-de-matriz-africana-em-belem/ > Acesso em: 05 de maio de 2023.

SILVA, Reginaldo Conceição da et al. Religiosidade afro-amazônica: condição do bem-viver na Amazônia. Revista Presença Geográfica, v. 7, n. 2, p. 40-59, 2020. Disponível em: < https://periodicos.unir.br/index.php/RPGeo/article/view/5605 > Acesso em: 05 de maio de 2023.