
Maysa Lisboa – acadêmica do 3° semestre de Relações Internacionais da Unama
A aproximação do Brasil com a América Latina é complexa por abranger uma carga histórica, por influencias de fatores políticos, econômicos e ideológicos. Ao decorrer do século XX, o Brasil adotou uma política externa voltada para seus próprios interesses, buscando desenvolvimento interno e expandindo sua influência. No período da Guerra Fria, o país adotou uma postura de neutralidade, evitando alianças militares e blocos ideológicos, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) liderada pelos Estados Unidos.
Durante o período militar, houve um afastamento para com a América latina, que só foi revertido com a redemocratização do país em 1980, nesse momento que houve um redirecionando na política externa brasileira, e ocorreu a criação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) em 1991, uma das principais iniciativas de integração lideradas pelo Brasil em conjunto com outros países da região.
Nos mandatos de Luiz Inácio da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), as relações bilaterais do Brasil com os demais países latinos foram fortalecidas. Essa aproximação deu-se por meio do comércio e da diplomacia, impulsionada pela aproximação ideológica entre os governos. No entanto, durante o governo de Jair Bolsonaro (2018-2022), houve um retorno ao distanciamento, com o Brasil adotando uma política externa mais alinhada aos Estados Unidos e voltada para seus interesses nacionais, resultando em menores atividades nos fóruns e instituições regionais, como a UNASUL (União das Nações Sul-Americanas). As orientações de acordo com os novos posicionamentos internacionais do país, em conjunto de um descarte sistemático de posturas e princípios que haviam guiado a ação diplomática brasileira por longas décadas, como as ações diplomáticas de políticas públicas a serem transfiguradas de acordo com as visões ante estatistas defendidas pelo novo governante.
As ramificações domésticas da política exterior do atual governo brasileiro estiveram sustentadas por um pró-ativismo neofascista e personalista do presidente Bolsonaro, apoiado por um corpo diplomático silenciado que passou a priorizar os critérios técnico-administrativos de suas funções. Sublinha-se o contraste entre a praxis diplomática profissionalizada, marcada por seus atributos de conhecimento, capacidade negociadora, senso de oportunidade e desenvoltura cultural ao longo da história brasileira, e o cotidiano empobrecido de funções burocratizadas, praticadas em Brasília e nas diferentes representações no exterior (Rodrigues, 2019).
No contexto atual do governo de Luiz Inácio da Silva, ficou claro seu objetivo de reaproximação com a América Latina. Em seu discurso, ele enfatizou a responsabilidade do Brasil em promover o crescimento conjunto dos países sul-americanos, fortalecer o Mercosul e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), visando a construção de um continente de paz e tranquilidade. Destaca-se, de modo, a seguinte fala: “O Brasil, como irmão maior dos países da América do Sul, tem que ter a responsabilidade de fazer com que os outros países cresçam junto conosco, para que a gente possa viver em um continente de paz e tranquilidade; e para que a gente nunca mais repita o gesto ignorante de uma guerra entre homens e mulheres e entre nações, como a que ocorreu entre Brasil e Paraguai”, disse o presidente no Paraná, durante cerimônia de posse de Enio Verri na presidência brasileira da hidrelétrica Itaipu Binacional. Durante o discurso, Lula defendeu o aprimoramento das relações entre os países do continente, em especial no sentido de fortalecer o Mercosul e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
A interdependência e a vulnerabilidade nas cooperações sul-sul foram criadas por meio de acordos comerciais, cooperações políticas e ações de atores não estatais, entre outros fatores. Os países latino-americanos estão interligados em termos de fluxos de investimento e desenvolvimento de cadeias produtivas, o que significa que as ações econômicas de um país afetam outros na região. O Brasil, como um ator-chave na região, pode desempenhar um papel central na cooperação política e no fortalecimento das instituições regionais para lidar com desafios compartilhados, como governança regional, segurança, meio ambiente e direitos humanos, por o pais estar envolvido em uma série de interações com outros países, abrangendo desde questões econômicas e políticas até aspectos sociais e culturais.
Os teóricos Joseph Nye e Robert Keohane enfatizam o papel das instituições internacionais, da cooperação e do livre comércio nas relações internacionais. Os teóricos argumentam que a interdependência econômica e a governança global podem levar a uma maior estabilidade e cooperação entre os Estados. Em uma perspectiva liberal, eles analisam as oportunidades econômicas e os incentivos para a cooperação regional, bem como o papel das instituições regionais, como o Mercosul, na promoção da integração e da paz. No entanto, os autores ressaltam, que em situações de interdependência, os ganhos não estariam livres de conflitos distributivos, motivo pelo qual é necessário destacar os ganhos relativos seriam mais apropriados em questão. Pelo mesmo motivo, não se poderia assumir que a interdependência teria como resultado necessário a redução de conflitos no nível internacional. (Keohane & Nye, 1989, p.10)
Atualmente, buscando proteger seus interesses de segurança e poder, o Brasil busca reafirmar sua posição de liderança regional e garantir sua segurança e influência na região em um contexto em que o equilíbrio de poder está mudando, utilizando a teoria do Soft Power do teórico Joseph Nye, sobre a capacidade de influenciar e atrair outros países por meio não coercitivos na cultura, no esporte, na diplomacia e a cooperação em desenvolvimento, configuram-se como elementos-chave que reforçam os laços e a influência do Brasil na região da América Latina, ajudando a promover a cooperação, a compreensão mútua e a construção de uma identidade latino-americana compartilhada.
Referências
Lubiana Junior, I. (2018). A evolução da relação política Brasil x Venezuela: do final do século XX até os dias atuais. (ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO, ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO).
Hirst, M., & Maciel, T. (2021). A política externa do Brasil nos tempos do governo Bolsonaro. DOI: 10.1590/SciELOPreprints.4771.
Rodrigues, Gilberto M. A. (2019). “El Trump del Trópico? Política exterior de ultraderecha en Brasil”, Análisis Carolina, (6).
Lula, Luiz Inácio. “América do Sul só se desenvolverá de forma conjunta, diz Lula”. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2023-03/america-do-sul-so-se-desenvolvera-de-forma-conjunta-diz-lula.
Keohane, R. O., & Nye, J. S. (1977). Poder e Interdependência: A política mundial em transição. Editora da Unesp. Nye, J. S. (2004). Soft Power: The Means to Success in World Politics. PublicAffairs
