Amanda Olegário – Acadêmica do 3° semestre de RI na UNAMA

No dia 28 de maio de 2023, Recep Tayyip Erdogan, de 69 anos, conquistou seu terceiro mandato como presidente da Turquia em uma eleição acirrada no segundo turno contra o líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu. Com essa conquista, Erdogan, que já está no poder há 20 anos, governando desde 2003 como primeiro-ministro e, posteriormente, tornando-se o primeiro presidente eleito por voto direto em 2014, terá o direito de governar a Turquia por mais cinco anos.
Recep Erdogan lidera o AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento) enquanto Kemal Kilicdaroglu, candidato derrotado do CHP (Partido Republicano do Povo), lidera a Aliança Nacional, uma coalizão formada por seis partidos, incluindo uma facção dissidente do AKP, partido governista, conhecido como a legenda secular da elite de Istambul. O discurso do candidato derrotado centrava-se na valorização e defesa dos hábitos culturais modernos da Turquia, visando conquistar os votos nacionalistas, incluindo os mais extremistas. No entanto, ele não conseguiu alcançar esse objetivo.
No primeiro turno, o terceiro colocado, Sinan Ogan, da Aliança Ancestral (ATA), representava essencialmente o mesmo espectro político de direita aliado a Erdogan, mas com uma inclinação para a restauração do sistema parlamentar. No segundo turno, Ogan e as lideranças políticas alinhadas a ele declararam apoio ao candidato da Aliança do Povo (Erdogan), garantindo-lhe uma vantagem maior no segundo turno e aumentando a diferença em 3 milhões de votos. Além disso, a coalizão governista conquistou maior parte das cadeiras do parlamento sem a necessidade de apoio adicional para governar com maioria.
No campo das relações internacionais, a importância de acompanharmos as eleições turcas se dá em razão da posição central que a Turquia e o presidente Erdogan ocupam na política da região da Eurásia e, consequentemente, no contexto do Sistema Internacional como um todo. Com base nisso, podemos analisar esse cenário a partir do autor Michel Foucault e da teoria pós-moderna, uma vez que Erdogan se utilizou de artifícios políticos para construir e legitimar um discurso dominante o qual pudesse ajudá-lo a ascender ao poder, ou seja, ele se apropriou de um saber-poder para usar como base da consolidação e manutenção de seu poder como presidente.
Porém, não existe discurso dominante sem que haja uma resistência a qual critica o detentor do saber-poder vigente, com o objetivo de desmitificar saberes considerados naturalizados e descontruir a realidade, como as alianças minoritárias vinculadas à esquerda curda têm feito, mesmo quando a elite kemalista negou a possibilidade de existir um Estado Curdo dentro do território turco (BEAKLINI, 2023), e também vale mencionar o segundo colocado nas eleições Kemal Kilicdaroglu que tem criado uma resistência ao governo a partir de um discurso que prega a luta pela democracia e do seu descontentamento ao declarar que as eleições foram injustas, pois todos os meios do Estado foram para um partido político (CNN BRASIL, 2023).
Ao delinear como o atual presidente turco consolidou seu poder absoluto sobre o regime político da Turquia, o autor Diogo Moreira (2020) explicita que Erdogan utilizou diversos instrumentos políticos para alcançar esse objetivo, explorando a conjuntura favorável e implementando medidas para se estabelecer no poder, além de ter realizado o rompimento com a ideologia kemalista, a qual tem sido a base do desenvolvimento da Turquia como Estado soberano.
Para conquistar o apoio popular, ele recorreu a instrumentos populistas, nacionalistas e religiosos, ganhando apoio sólido e leal da base conservadora e muçulmana de eleitores e estabelecendo-se como uma figura central de autoridade na Turquia. Ademais, ele baseou seu governo, inicialmente, no descontentamento da população com as elites políticas, prometendo modernização e cumprindo essas promessas por meio de negociações com a União Europeia e projetos de infraestrutura fortes. Isso levou a um crescimento e estabilidade econômica e ganhou credibilidade no Ocidente, além de diminuir o índice de extrema pobreza no país, formando uma base interna de característica religiosa, conservadora e rural.
No entanto, a consolidação do poder também envolveu o silenciamento de críticos e dissidentes, como evidenciado pelos protestos no Parque Gezi e pela repressão após a tentativa de golpe de Estado em 2016. Erdogan utilizou o discurso populista, a restrição da liberdade de expressão e a manipulação das instituições para reforçar seu poder. É valido mencionar que, no ano de 2015, ele realizou reformas constitucionais para aumentar seus poderes, se tornar o governante plenipotenciário e extinguir qualquer formação de alianças de oposição ao seu governo, como a eliminação do cargo de primeiro-ministro, destituição do parlamento e prisão de opositores. Essas ações têm levado a um declínio democrático na Turquia, transformando gradualmente o governo eleito em um regime autoritário e sendo alvo de críticas fora do país. Com isso, Erdogan construiu sua própria ideologia política baseada em autoritarismo e dominação, estabelecendo uma nova identidade nacional e desmantelando a hegemonia kemalista.
Com a mudança do sistema político em 2015 e a derrota do golpe de Estado em 2016, o autor Bruno Beaklini (2023) explicita que a política turca se tornou complexa, uma vez que Erdogan adotou uma postura agressiva nacionalmente, violando a soberania da Síria e dominando áreas curdas ao longo da fronteira. Simultaneamente, sua relação com Israel mudou, aumentando a tensão com o aparato militar israelense e expandindo sua presença no Oriente Médio através de alianças estratégicas com o Catar e uma melhor relação com o Irã.
No cenário europeu, a Turquia se tornou um problema para a aliança ocidental, embora ainda seja membro da OTAN. Com o conflito entre Rússia e Ucrânia, a situação mudou drasticamente, com a marinha turca assumindo o controle dos estreitos de Bósforo e Dardanelos, além de exercer domínio naval no Mar Egeu. Erdogan desempenha um papel importante como intermediário, influenciando os preços globais de fertilizantes russos e grãos ucranianos.
Erdogan tem a possibilidade de tomar duas decisões polêmicas e urgentes: romper relações com Israel, aumentando a pressão contra a ocupação israelense na Palestina, e, consequentemente, deixar a OTAN, expandindo a dimensão multilateral de sua política externa, enquanto no âmbito doméstico, os aliados de Erdogan ligados às antigas juntas militares não apoiam essa posição, mas após uma nova vitória eleitoral, a possibilidade disso ocorrer é factível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BBC NEWS BRASIL. Por que Erdogan é um presidente que divide a Turquia, 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-36801330.
BEAKLINI, Bruno. Quais são os impactos da vitória de Erdogan na Turquia, 2023. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2023/05/31/quais-sao-os-impactos-da-vitoria-de-erdogan-na-turquia.
CNN BRASIL. Há 20 anos no poder, Tayyip Erdogan é reeleito presidente da Turquia, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ha-20-anos-no-poder-tayyip-erdogan-e-reeleito-presidente-da-turquia/.
INTERNACIONAL DA AMAZÔNIA. Pensamentos Internacionalistas – Teoria Pós-Moderna: Foucault e Der Derian. Disponível em: https://internacionaldaamazonia.com/2022/11/24/pensamentos-internacionalistas-teoria-pos-moderna-foucault-e-der-derian/.
MOREIRA, Diogo. A escalada de Erdogan ao poder absoluto na Turquia, 2020. Disponível em: http://www.observatoriopolitico.pt/wp-content/uploads/2020/07/WP_94_DM.pdf.