
Tiago Callejon Santos – acadêmico do 8° semestre de Relações Internacionais da UNAMA
O fenômeno da guerra, bem como suas causas, finalidades e suas naturezas são pertencentes a um debate interessante desde que se tem em mente, pois tal realidade sempre se demonstrou intrínseco à natureza própria do homem, subsistindo com ele desde os primórdios de sua própria fundação. Naturalmente, conforme a progressão do tempo, a guerra esteve acompanhada da evolução humana, então presume-se naturalmente que ela progrediu de forma orgânica e, conforme se desenvolvida, começou a se destacar de maneiras e formas distintas.
Uma dessas modalidades da guerra refere-se à Guerra por Procuração, conhecida popularmente como “Proxy Wars”. Segundo Paulino (2021), as Guerras por Procuração são caracterizadas como conflitos armados no qual os grandes Estados utilizam a intermediação de Estados menos desenvolvidos a fim de servirem como intermediadores para a propagação do conflito entre os dois Estados propagadores.
Em termos gerais, portanto, no momento que dois Estados de grande relevância iniciam a conflitar entre si, eles não possuem o desejo de se confrontarem de forma direta, isso se dá por diversos motivos, mas, sobretudo para preservar os recursos que lhes são essenciais em suas estruturas próprias, então eles passam a contatar e utilizar Estados menos desenvolvidos e seus territórios para servirem como intermediadores do conflito, aonde a utilização destes como intermediadores fica conhecida como “´proxies”.
Tal realidade da procuração é oriunda desde meados do século XX, sendo bem mais pertinente ao longo da Guerra Fria. No entanto, mesmo na contemporaneidade, isto é, pós-Guerra Fria e com o advento do Século XXI, esta realidade perpassou em várias localidades durantes diversos espaços de tempo amostral distintos, em todo o globo, como no Oriente Médio, com as guerras civis na Tunísia e Síria, bem como em países africanos, como no Congo, na Segunda Guerra do Congo (OLIVEIRA, 2023).
Um desses espaços amostrais mais recentes é a Guerra Russo-Ucraniana, que teve o seu início em 2022. Em sua própria essência, o conflito entre a Rússia e Ucrânia teve o seu estopim com as aproximações e comunicações da Ucrânia com a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a fim de estabelecer a constituição da própria Ucrânia à OTAN. Naturalmente, isto não era do interesse de Putin e do Kremlin, pois uma vez que a Ucrânia esteja ingressada à OTAN, a Rússia perderia fortemente à sua influência sobre a região do Leste Europeu, sobretudo nos países que compõe à Comunidade dos Estados Independentes (CIS), além de que, segundo Putin, esta decisão política ameaçaria a própria segurança da Rússia (BBC News, 2022).
Ao comentar sobre o conflito, John Mearsheimer, teórico neorrealista das Relações Internacionais, expõe que a invasão russa se deu como uma ferramenta para manutenção da segurança da Rússia, em suas próprias palavras ele afirma que “contrariamente à sabedoria convencional do Ocidente, Moscou não invadiu a Ucrânia para conquistá-la e torná-la parte de uma Grande Rússia. Preocupava-se principalmente em evitar que a Ucrânia se tornasse um baluarte ocidental na fronteira russa. Putin e seus assessores estavam especialmente preocupados com o fato de a Ucrânia eventualmente ingressar na Otan” (MEARSHEIMER, 2022; apud ANTÓNIO, 2022).
Sob esta perspectiva, soma-se a este debate as falas do teórico Joseph Nye (2022), da onde o autor argumenta que o estabelecimento do conflito possui uma ordem perturbadora mais profunda e complexa desde a Segunda Grande Guerra, e que os seus efeitos são decorrentes das instabilidades de governança que se sucedem na região desde 2008, período em que a OTAN estipulou processos formidáveis para instaurar a sua influência na região, fator esse que não agradou à Rússia e que, após estes acontecimentos, passou a tratar destas temáticas de forma mais configurada e estratégica.
Outrossim, compreende-se que a efetivação da guerra, por meio dos ataques e invasões iniciais da Rússia à Ucrânia podem ser compreendidas, ao menos em um grau mínimo de análise, por meio de Buzan e a Escola de Copenhague. Esse arcabouço teórico, isto é, a Escola de Copenhague e o próprio Buzan partem do pressuposto que os Estados possuem ameaças políticas que possam vir a intervir em sua soberania estatal ou que possam vir a intervir nas relações de poder e de política pública e que, portanto, estes corpos estatais estariam hábeis a receberem danos e/ou prejuízos em suas estruturas físicas, em suas ideologias e em suas instituições (TANNO, 2003), tornando o próprio corpo do Estado, neste caso abordado, a Rússia, em um nível de instabilidade organizacional elevado, aproximando os seus setores civis e estatais próximos do caos social e do colapso organizacional.
Deste modo, tem-se, portanto, que a procuração existente na guerra russo-ucraniana urgiu de uma maneira viabilizada por concepções históricas e políticas mais antíguas, ao ponto que, quando chegou em determinada medida, efetivou-se como tal após o clímax da guerra, em 2022, e conforme foi desenvolvendo-se, perdura até hoje como um conflito moderno que, de fato, é categorizado como uma Guerra por Procuração, porém nos moldes modernos, já que a maneira de realizar a Procuração não se demonstra ser tal como era no século XX, na Guerra Fria.
Referências:
Dicionário das Nações: proxy wars ou guerras por procuração. Diário das Nações, 2020; Brasil. Disponível em https://diariodasnacoes.wordpress.com/2020/01/15/dicionario-das-nacoes-proxy-wars-ou-guerras-por-procuracao/
MEARSHEIMER, John. “Playing with Fire in Ukraine”. Foreign Affairs, 17 de agosto de 2022. Disponível em https://www.foreignaffairs.com/ukraine/playing-fire
NYE, Joseph S. Jr.; “What caused the Ukraine War?”. Project Syndicate, 4 de outrubro de 2022. Disponível em https://www.project-syndicate.org/commentary/what-caused-russia-ukraine-war-by-joseph-s-nye-2022-10?barrier=accesspaylog
PAULINO, Julia. Guerra Proxy; Blog de Relações Exteriores. Brasil, 22 de junho de 2021. Disponível em https://relacoesexteriores.com.br/glossario/guerra-proxy/
PAULINO, Luís Antonio. Guerra na Ucrânia e os riscos de uma guerra por procuração. Bonifácio, 09 de setembro de 2022. Disponível em https://bonifacio.net.br/guerra-na-ucrania-e-os-riscos-de-uma-guerra-por-procuracao/
SILVA, António Oliveira e. A Ucrânia é uma proxy war? E o que é, afinal, uma proxy war?. CNN Portugal, 2 de março de 2023. Disponível em https://cnnportugal.iol.pt/guerra/ucrania/a-ucrania-e-uma-proxy-war-e-o-que-e-afinal-uma-proxy-war/20230302/6400f1af0cf2cf9224fb941b
