
Yasmin Garcia- acadêmica do 8° semestre de RI da UNAMA.
Relações Internacionais, desde sempre, demonstrou-se como uma área multidisciplinar, englobando assuntos como política, economia, sociologia e cultura. No século XX, quando as discussões a respeito desse campo começaram, coincidentemente – ou não -, o mundo estava passando por uma “revolução tecnológica e informatização dos meios de comunicação social”. (FERREIRA, 2019)
Análogo a isso, Zanella e Junior (2016) defendem que o cinema, como a sétima das artes, acaba tendo um apelo artístico e estético, fazendo com que o público-alvo se identifique com as obras produzidas, já que elas são, segundo os autores, capazes de representar as manifestações humanas, em diferentes circunstâncias.
A massificação das artes faz do cinema um instrumento político, eficiente para o convencimento da opinião pública. (JUNIOR; ZANELLA, 2016) Relacionando-se a isso, o posicionamento dos países Aliados e do Eixo em fazer propagandas políticas através dos recursos midiáticos, durante a Segunda Guerra Mundial, pode ser visto como a concretização da tese.
Com a chegada de Franklin Roosevelt ao governo dos Estados Unidos, estratégias diferentes foram adotadas para conseguir apoio dos países da América Latina – que, até então, possuíam um crescente sentimento de antiamericanismo, devido à política imperialista de Theodor Roosevelt. (MORAES, 2008) Sob esse viés, a Política de Boa Vizinhança foi implementada, visando uma união pan-americana, para substituir a Alemanha no comércio e recuperar os efeitos da Crise de 1929 – quando a credibilidade norte-americana foi questionada. (LIMA; SILVA, S.I)
As primeiras principais metas dessa política eram incentivar a solidariedade hemisférica, o que resultaria na consolidação dos EUA como grande potência. Desta maneira, houve uma relação entre política e propaganda, na qual os meios de comunicação tornaram-se instrumentos do Estado. O Office for Inter-American Affairs (OCIAA) foi originado como um programa de intercâmbio cultural, no qual os responsáveis primordiais eram Jon Davison e Walt Disney, e envolvia áreas como rádio, música, fotografia e cinema. (LIMA; SILVA, S.I.)
A prática dessa política no cinema se deu por meio da Motion Pictures and Producers Division for America (MPPDA), a qual promovia a produção interna de filmes, que seguissem os valores da política de Roosevelt, para estreitar ainda mais os laços entre os países da América. Nessa conjuntura, Roosevelt e Rockefeller ganhavam mais um aliado para a política: Walt Disney tornou-se um dos maiores – senão o maior – divulgadores da América Latina.
Criada em 1923, a Walt Disney Company foi responsável pela criação das primeiras animações sonoras e do primeiro longa-metragem animado (“Branca de Neve e os Sete Anões”, de 1937). Apesar do sucesso evidente dos estúdios, com o advento da Segunda Guerra Mundial o mercado europeu fechou as portas para Walt Disney, devido à influência nazista na região. É nesse contexto que Walt Disney se junta ao presidente norte-americano, contribuindo para a Política de Boa Vizinhança com as animações “Alô, Amigos” (1942), “Der Fuehrer’s Face” (1943) e “Você já foi à Bahia?” (1944).
A primeira, lançada em 1942, faz questão de evidenciar a musicalidade, a natureza e os costumes de países como Chile, Peru, Argentina e Brasil – onde Pato Donald, um turista, conhece Zé Carioca, personagem malandro e faceiro criado especialmente para os brasileiros. Por isso, a busca pelo apelo popular através da obra faz-se explícito em suas diversas características. (FERREIRA, 2007)
Em 1943, a sátira mais explícita ao nazismo chegava às telas: Der Fuehrer’s Face retrata a vida monótona de um soldado e trabalhador nazista – representando também por Pato Donald-, que não tem direito a descanso, à comida boa ou até mesmo a férias de verdade. No final do curta-metragem, o telespectador descobre que tudo não passava de um sonho, e a animação se encerra com o protagonista abraçando uma miniatura da Estátua da Liberdade e agradecendo por ser americano.
Por fim, o longa-metragem de 1944 apresenta o aniversário de Pato Donald, quando ele ganha presentes que o levam para conhecer as aves latinas, o natal do México com o Galo Panchito, e a cultura da Bahia com Zé Carioca, onde o personagem principal se apaixonada por uma baiana que vende doces cantando. Esse filme, assim como o primeiro, supervaloriza a natureza exuberante da Floresta Amazônica, dando atenção também à extração de borracha que ocorria na região. (FERREIRA, 2007)
A relação entre Cinema e RI pode ser percebida sobretudo através da Teoria Crítica, especificamente com as teses de Adorno e Horkheimer sobre a alienação do homem. Alguns conceitos, como Indústria Cultural – quando a cultura se transforma em uma mera mercadoria -, Cultura de Massa – faz com que o homem seja apenas um mero consumidor – e Razão Instrumental – falsa sensação de estar agindo racionalmente, quando, na verdade, é mais um fantoche do capitalismo -, são necessários para o entendimento de que os filmes e propagandas divulgadas durante a política estadunidense ajudaram a formular uma opinião pública específica, contra o comunismo e o facismo, já que não havia consciência crítica, fazendo com que o homem se transportasse para um mundo de fantasia. (ADORNO; HORKHEIMER, 1947; RICIERI; QUEIROZ, 2014)
Portanto, infere-se a importância das animações da Walt Disney Animation Studios para a formação do imaginário popular americano e ocidental durante a Segunda Guerra Mundial, conseguindo mais aliados para os Estados Unidos e “vencendo” a influência nazista na região.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor W. HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento (1947). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.
FERREIRA, Alexandre M. A produção Disney em época de Segunda Guerra Mundial: cinema, história e propaganda. São Leopoldo: ANPUH, 2007.
FERREIRA, Karla T. L. A Indústria Cultural como Ferramenta de Projeção de Poder: um estudo de caso a respeito do uso do Cinema nas Relações Internacionais. Paraná: UNILA, 2019.
LIMA, Jonatas P. SILVA, Guilherme A. N. A Política de Boa Vizinhança e a influência cultural estadunidense na América Latina. Minas Gerais: Universidade Federal de Viçosa.
MORAES, Isaias A. A Política Externa de Boa Vizinhança dos Estados Unidos para América Latina no contexto da Segunda Guerra Mundial. Brasília: Universidade de Brasília, 2008.
RICIERI, João Guilherme B. P. QUEIROZ, Lucas Cabrino E. Perspectiva Adorniana, Indústria Cultural e Cinema. Revista Travessias, 2014.
ZANELLA, Cristine K. JUNIOR, Edson J. O Cinema e a extensão em relações internacionais: métodos, trajetórias e resultados. Revista da Extensão, 2016
