Keity Oliveira e Lara Lima (acadêmicas do 6º semestre de RI da UNAMA)

Os grandes projetos desenvolvimentistas têm sido implantados em diversas épocas na Amazônia. No entanto, a partir do século XX, no Estado do Pará, observa-se um agravamento deste fenômeno, o qual faz parte de uma rede maior de produção e reprodução capitalista que gera impactos e conflitos ambientais (Farias, 2023). Nesse viés, o município de Barcarena, no Pará, também conhecido como “Chernobyl na Amazônia” tem se tornado conhecido por ser um sítio de exploração ambiental em decorrência dos inúmeros acidentes ocorridos na área industrial e portuária, e da acumulação de conflitos que iniciaram com a implantação dos projetos de desenvolvimento no final da década de 1970, o que tem gerado inúmeros fatores de risco para a região e sua população.

O munícipio de Barcarena se constitui como um território estratégico, marcado pela confluência entre verticalidades e horizontalidades (Santos, 2005) na Amazônia paraense, com economia de “fronteira do capital natural” ligada diretamente aos mercados globais (Becker, 2005). A região é chamada de “zona de sacrifício”, definição utilizada pelos movimentos de justiça ambiental para designar locais em que se observa uma superposição de empreendimentos e instalações responsáveis por danos e riscos ambientais (Farias, 2023).

O local possui o crescimento populacional acelerado e desorganizado como característica marcante, motivado pela implantação sem adequação de projetos industriais da área portuária para a exportação. A industrialização está presente desde a década de 70 na região, o que a transformou com o passar dos anos, em um grande polo industrial com várias fábricas instaladas ao seu redor, sendo a produção do caulim, a sua principal atividade.

Em outubro de 1985, é inaugurada a fábrica da empresa Alumínio Brasileiro S/A – ALBRAS, para a produção de alumínio primário em Barcarena. Em 1995, a fábrica da Alumina do Norte do Brasil S/A – ALUNORTE começa a funcionar, produzindo alumina, matéria-prima do alumínio.

O complexo ALBRAS/ALUNORTE resultou da associação da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD com a Nippon Amazon Aluminiun Company LTDA – NAAC, um consórcio formado por empresas e pelo governo japonês (Nascimento e Silva, 2021). No viés da história socioeconômica da Amazônia, a empresa se destaca por ser um empreendimento de suma relevância no planejamento e desenvolvimento da região, no entanto, também é a responsável por inúmeros impactos socioambientais ao longo dos anos em Barcarena.

Em 2010, após a privatização da Vale do Rio Doce, o Grupo norueguês Norsk Hydro, tornou-se o dono da maior parte das ações da Alunorte, o que deu a Hydro o comando não somente da bauxita, mas a administração de uma das maiores refinarias de alumina do mundo que atua em Barcarena.

No entanto, a trajetória da Alunorte é marcada por desastres socioambientais, com pelo menos três episódios de despejos irregulares de rejeitos tóxicos não tratados no meio ambiente nos anos de 2009, 2014 e 2018, segundo dados do MPPA e MPF (Neto, 2021). O material, conhecido como lama vermelha, é fruto do processamento industrial da bauxita para a extração de alumina e para sua extração, é exigido que haja um “ataque” de soda cáustica (Neto, 2021).

Um dos casos de maior repercussão internacional envolvendo a Hydro foi o despejo de rejeitos tóxicos em 2018. À época, a força das chuvas fez com que as comunidades ribeirinhas, no entorno da mineradora, fossem inundadas por águas avermelhadas, contaminadas com bauxita. O Instituto Evandro Chagas (IEC), acionado pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual, coletou amostras de água para testes e comprovou que as águas haviam sido contaminadas pelo vazamento de barragens da Hydro Alunorte, o que ocasionou também a exposição das vítimas a resíduos tóxicos, que podem causar inúmeros problemas de saúde, dentre eles a incidência de câncer e Alzheimer (Carneiro, 2021).

Um ano após a constatação do crime ambiental, a empresa segue negando que tenha ocorrido um vazamento, protelando assim, a atenção aos atingidos que seguem sofrendo as consequências do desastre ambiental até os dias de hoje.

Além da Hydro, estão instaladas também em Barcarena, duas fábricas de beneficiamento de caulim da francesa Imerys Rio Capim Caulim (IRCC), que chegou em julho de 2010, quando comprou as ações da empresa Pará Pigmentos, também pertencente a estatal da Companhia Vale do Rio. Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), a Imerys possui 12 barragens de rejeitos em Barcarena (Neto, 2021).

Apesar de serem classificadas com “risco baixo”, em 2007, a principal bacia da mineradora rompeu, espalhando rejeitos que atingiram os poços da população de Vila do Conde e chegou aos igarapés e rios da região, alcançando até a bacia do Marajó.

O caulim não é considerado tóxico, mas o rejeito de seu processamento industrial contém metais como ferro, alumínio, zinco e cádmio, que se acumulam no organismo e podem causar doenças degenerativas, deficiências hepáticas e problemas no sistema imunológico. Dessa forma, o rompimento das barragens torna-se um fator de extrema preocupação para a saúde das pessoas que moram entorno delas. A pesquisadora Simone Pereira, da Universidade Federal do Pará (UFPA), em entrevista à Amazônia Real, afirma que Barcarena é uma cidade pintada de lama vermelha, no qual:

“[…] é um lugar extremamente perigoso para bichos, para plantas e para pessoas. Você pode tomar a água mineral, comprar comida produzida em outros locais, mas não pode deixar de respirar o ar contaminado dali. E todo mundo compartilha daquele ar.” (Neto, 2021)

O grupo Cainquiama, representado por caboclos, indígenas e quilombolas da Amazônia em Barcarena, move atualmente cinco ações contra a Hydro no Brasil e uma na corte holandesa, exigindo reparações socioambientais, exames toxicológicos e indenizações por danos morais e materiais à população.

A ação que conta com o apoio de 40 mil pessoas da região, clama não somente por justiça contra a mineradora, mas também chama atenção do Estado do Pará para que promova o cancelamento das licenças concedidas às mineradoras nas áreas descritas como de preservação ambiental e a fiscalização do reflorestamento e recuperação de recursos ambientais nas áreas degradadas.

Portanto, é necessário frisar a importância dos órgãos públicos municipais, estaduais e o governo federal de priorizar a população de Barcarena, ao invés de visar apenas o lucro. Sandra Amorim, do Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM) vem lutando há anos contra a poluição ambiental em Barcarena e salvaguarda que a população civil não deve aceitar calada os crimes causados pelas empresas, ressaltando também o descaso que a sociedade vive e como são afetados cotidianamente de diversas formas pelos impactos ambientais causados pelas indústrias que atuam na região (Catarina, 2020).

Os moradores locais vivem em constantes lutas e denúncias para que o município possa ser visto como um lugar habitado por pessoas que vivem da pesca e da agricultura que necessitam terem direitos à água potável e uma vida digna e, não apenas ser visto como uma mina de minério que gera ganhos exorbitantes para as multinacionais.

Diante a temática exposta, recomendamos dois documentários sobre o tema. O primeiro se chama “Tinha Gosto de Perfume: Barcarena e os crimes ambientais impunes” (2018), uma realização do Brasil de Fato que mostra o cotidiano da população ribeirinha do interior do Pará que sobrevive há décadas lutando contra os impactos de constantes mudanças. O filme está disponível para ser assistido no Youtube, através do link a seguir:

< https://www.youtube.com/watch?v=5Y-veie86O0&ab_channel=BrasildeFato >

O segundo se chama “Vozes que Resistem” (2020), produzido pelo Amazônia Real. O mini-documentário retrata Maria do Socorro Costa da Silva, mais conhecida como Socorro do Burajuba, nome da comunidade quilombola que vive e que é a presidenta da Associação de Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama). No vídeo, Socorro do Burajuba relata as ameaças que enfrenta desde 2016, quando começou a denunciar os crimes socioambientais contra as populações tradicionais de Barcarena. Está disponível para ser assistido no Youtube, através do link a seguir:

< https://www.youtube.com/watch?v=_MPFfSahvpY&ab_channel=Amaz%C3%B4niaReal >

Também destacamos o trabalho feito pelo Observatório da Mineração, fundado em 2015 pelo jornalista Maurício Angelo. É um centro de jornalismo investigativo, análise crítica, pesquisa e mentoria sobre a mineração, as violações socioambientais, a crise climática e transição energética, as relações políticas e o lobby do setor mineral. Para mais informações sobre, acesse: 

Site: < https://observatoriodamineracao.com.br/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/obsmineracao/ >

Facebook: < https://www.facebook.com/observatoriodamineracao >

Twitter: < https://twitter.com/obsmineracao >

Por fim, observa-se a agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, uma organização sem fins lucrativos criada pelas jornalistas Kátia Brasil e Elaíze Farias em 2023, em Manaus. Sua linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos com foco em jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. Para mais informações, acesse:

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REFERÊNCIAS

BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 53, 2005. Acesso em: 05 de agosto de 2023.

CARNEIRO, Taymã. Contaminação de rios em Barcarena, no PA, que afeta 40 mil pessoas vira processo internacional na Holanda. G1 Globo. Publicado em: 09 de fevereiro de 2021. Disponível em: < https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/02/09/acao-coletiva-leva-caso-hydro-no-para-a-justica-holandesa.ghtml > Acesso em: 05 de agosto de 2023.

FARIAS, André Luís Assunção de. Impactos e conflitos socioambientais de grandes projetos na Amazônia: até quando Barcarena/PA será uma zona de sacrifício? Interthesis: Revista Internacional Interdisciplinar, v. 20, n. 1, p. 2, 2023. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view/90583 > Acesso em: 05 de agosto de 2023.

NASCIMENTO, Paulo. A. M. do; SILVA, Hilton P. Saúde ambiental e impactos da mineração em Barcarena, Pará, Brasil: o caso da comunidade Bom Futuro. São Paulo: Editora Científica Digital, 2021. Acesso em: 05 de agosto de 2023.

NETO, Cícero Pedrosa. Barcarena, uma Chernobyl na Amazônia. Amazônia Real, Manaus, 2021. Disponível em: < https://ds.saudeindigena.icict.fiocruz.br/handle/bvs/5772 > Acesso em: 05 de agosto de 2023.  

SANTOS, M. O retorno do território. OSAL: observatório social de América Latina, [s.I.], ano 6, n. 16, p. 250-251, 2005. Acesso em: 05 de agosto de 2023.

CATARINA, Barbosa. “Zona de sacrifício”: dois anos após crime, Barcarena sofre com rejeitos da mineração. BdF 20 anos. Publicado em: 17 de fevereiro de 2020. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2020/02/17/zona-de-sacrificio-dois-anos-apos-crime-barcarena-sofre-com-rejeitos-da-mineracao > Acesso em: 05 de Agosto de 2023