
Juliany de Lima Vidal – acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais da Unama
A democracia, do grego demos que significa povo e kratos que significa poder, surgiu na Grécia Antiga e é compreendida como “governo do povo”. Porém, o que se observa é que desde seus primórdios, a democracia era exercida de forma restrita, visto que em Atenas, cidade-estado considerada o berço da democracia, somente os homens maiores de idade e filhos de pai e mãe atenienses podiam participar das tomadas de decisões, que eram realizadas de forma direta, com a participação desses indivíduos em assembleias. Outros grupos como as mulheres, estrangeiros e escravizados eram excluídos desse processo.
Séculos se passaram e mudanças sociais e históricas fizeram surgir novas necessidades em uma conjuntura em que a democracia direta não era mais suficiente para suprir as demandas de Estados de grandes extensões territoriais e de grande número populacional (ZANETTI, 2013). Por isso, foram desenvolvidos novos tipos de democracia: o indireto ou representativo, cujo aspecto principal consiste no fato do povo eleger um representante através do voto; e o semidireto ou participativo, que se configura como um regime que mescla elementos das democracias direta e indireta, visto que além de haver eleições em que a população escolhe seus representantes, os indivíduos também devem participar da tomada de decisões.
É notório que houve muitos avanços na construção do regime democrático ocorridos ao longo da história em vários países do mundo. No Brasil, por exemplo, a conquista do sufrágio universal, isto é, o direito ao voto e a participação de todos os cidadãos, sem distinção entre cor, gênero e classe social, veio a ser garantido no artigo 14º da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988, cap. IV, art. 14).
As ideias sufragistas surgiram no século XVIII com o Iluminismo e ao longo dos séculos seguintes, vários movimentos irromperam em busca de firmar os direitos políticos dos indivíduos. Nesse contexto, destaca-se o movimento sufragista feminino, que ganhou força a partir do século XIX e exerceu grande impacto no mundo inteiro, cujo objetivo era a “reivindicação pela participação ativa das mulheres na política, concedendo a elas o direito de votarem e de serem votadas” (CASTRO, 2021).
A partir de então, a democracia se consolidou como a forma de governo mais adotada entre os Estados, e passou a ser entendida como “indispensável para a construção e consolidação de direitos e, também, para a formulação e execução de políticas públicas” (CORTE, Tiago; CORTE, Thaís, 2018).
Apesar de todas essas transformações, na contemporaneidade, observa-se que em várias partes do mundo, a democracia ainda experimenta a influência de fatores que a ameaçam, sendo que na maioria das vezes, essa investida começa de forma lenta, de forma que para muitas pessoas, é um processo imperceptível (LEVITSKY et al., 2018).
Nessa ótica, destaca-se que, tal qual ocorria na Grécia Antiga, ainda hoje existem grupos sociais que sofrem com a falta de representatividade política e dessa forma, são invisibilizados e marginalizados, o que vai contra os valores democráticos. Dentre esses grupos compreendem-se as mulheres, pessoas da comunidade LGBTQIAP+, pretos, indígenas, quilombolas, pessoas que possuem algum tipo de deficiência e entre outras minorias. Isso pode ser observado a partir de dados apontados pelo Tribunal Superior Eleitoral, que revelou que nas eleições brasileiras de 2018, o percentual de candidaturas foi de 68,4% de homens e 52,4% de pessoas brancas (NETO, 2020). Nesse cenário, é possível fazer uma correlação com o pensamento do sociólogo Manuel Castells (2018), que afirma que a precária representatividade está diretamente relacionada com a crise de legitimidade política, ou seja, quando os cidadãos não se veem mais representados pelos candidatos eleitos, o que compromete a confiança nos políticos e nos partidos, e portanto, contribui para a crise da democracia.
Além disso, destaca-se que questionamentos sobre a legitimidade de instituições democráticas, como o Poder Judiciário e o sistema eleitoral, é outra das formas de ameaça contra a democracia, uma vez que afetam a confiança da população na veracidade desta (MEIRELLES, 2021). Exemplos concretos disso, são os atos de vandalismo de 6 de janeiro de 2021, na invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, e em 8 de janeiro de 2023, com o ataque à Praça dos Três Poderes, no Brasil. Os atos de vandalismo e depredação do patrimônio público foram realizados por apoiadores dos ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro, que contestavam o resultado das eleições democraticamente realizadas.
Diante do exposto, conclui-se que apesar do conceito de democracia ter se ampliado ao longo do tempo e hoje ser considerado um instrumento de integração social, é imprescindível que os cidadãos estejam vigilantes acerca da manutenção dos valores democráticos e a preservação da democracia, para que as ameaças contra a mesma sejam mitigadas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 set. 2023.
CASTELLS, Manuel. Ruptura: A crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. 11-28 p.
CASTRO, Isis Gabriella De. Movimento Sufragista: o que foi e qual o impacto no Brasil? Politize, 2021. Disponível em: https://www.politize.com.br/movimento-sufragista-o-que-foi-e-qual-o-impacto-no-brasil/. Acesso em: 08 set. 2023.
CORTE, Tiago Dalla; CORTE, Thaís Dalla. A democracia no século XXI: crise, conceito e qualidade. Revista Passagens, 2018. Disponível em: https://www.historia.uff.br/revistapassagens/artigos/v10n2a22018.pdf. Acesso em: 08 set. 2023.
LEVITSKY, Steven et al. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
MEIRELLES, Jovana. A democracia está ameaçada? Entenda. Politize, 2021. Disponível em: https://www.politize.com.br/democracia-ameacada/. Acesso em: 08 set. 2023.
NETO, Wilson Feitosa De Brito. Democracia representativa, vício e crise de representatividade: a distância entre representantes e representados. Revista Âmbito Jurídico, 2020. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/democracia-representativa-vicio-e-crise-de-representatividade-a-distancia-entre-representantes-e-representados/. Acesso em: 08 set. 2023.
ZANETTI, Bruno Marco. Democracia. Revista Científica Semana Acadêmica, 2013. Disponível em: https://semanaacademica.org.br/artigo/democracia. Acesso em: 08 set. 2023.
