
Camila Neris Magalhães – Acadêmica do 6° semestre de Relações Internacionais da Unama.
No dia 30 de Agosto, militares depuseram o presidente do Gabão. A ação ocorreu após divulgação do resultado das eleições que elegeram Ali Bongo para governar o país pelo seu terceiro mandato. Trata-se do quinto país da região do Sahel africano a passar por um golpe de Estado organizado pelos militares nos últimos anos (HAIDARA, 2023). Apesar de diferentes contextos domésticos, os golpes têm em comum o fato de serem ex-colônias francesas e possuírem apoio popular. Esta tendência pode significar o início de uma nova configuração política no continente africano, empenhado no rompimento com seu passado colonial.
O controle francês sobre o Gabão ocorreu até 1960, quando se iniciou uma transição pacífica e negociada para a democracia. Em 1967, Omar Bongo tornou-se presidente e governou o país por 47 anos, até 2009 quando faleceu. No mesmo ano, seu filho Ali Bongo ganhou as eleições presidenciais e até então está no poder através de eleições. No entanto, desde 2019 a oposição acusa o presidente de desvio de dinheiro e de corromper o sistema eleitoral, de modo que nesse mesmo ano aconteceu a primeira tentativa de deposição.
O descontentamento com o político aumento em 2023, quando a lei sobre limitação de mandatos e quantidade de anos de cada mandato foi alterada, permitindo que Ali Bongo se elegesse novamente, as frentes opositoras uniram-se novamente para concentrar os votos em um único candidato, que obteve grande apoio da população. A tomada do poder pelos militares do alto escalão aconteceu após
Este cenário tem sido recorrente na África – mais de 13 golpes de Estado desde 2020 – , especialmente em ex-colônias francesas. Níger, Mali, Burkina Faso, Guiné e agora Gabão vivenciaram recentemente esta mudança política, são países que compartilham de configurações sociais e políticas semelhantes: “instituições frágeis, pobreza, insegurança alimentar, deslocamento populacional, crime transnacional e insurgência jihadista, dentre outros” (Archibald & Murray, 2023).
Além disso, ainda utilizam como moeda o franco CFA, o Communauté Financière Africaine, herança do passado colonial e que pode ser vista como uma ferramenta de neocolonialismo, uma vez que as decisões sobre valorização e desvalorização da moeda dos países precisa ser avaliada pela França, de modo que a “Françafrique” se perpetua até os dias atuais.
A françafrique pode ser entendida como um mecanismo neocolonial arquitetado pela França para se manter como metrópole na relação com a região, ele se ampara em pilares político, econômico e securitário (Verschave, 2000 apud Oliveira & Lima, 2022). No âmbito político, essa estratégia se traduziu na proximidade pessoal entre líderes africanos e franceses, e na cooptação da elite dos países. Já na área econômica, há a forte presença de corporações francesas que se instalaram para acessar seus recursos naturais e com a CFA para direcionar o fluxo de capital.
Não menos importante é o fator securitário, com a presença de tropas francesas por todo o sahel africano. Essa demarcação de território é essencial não só para garantir que os recursos desses países sejam extraídos como também para apoiar por meio da força líderes que estejam alinhados com os interesses da França (DE OLIVEIRA, LIMA, 2022). Nos últimos anos, a insurgência jihadista tem sido utilizada como justificativa para o aumento do número de soldados e operações militares francesas.
O Gabão é rico em reservas de petróleo, produzindo cerca de 200 mil barris por dia, mas que um terço da população vive na pobreza. O governo deposto agia conforme interesses internacionais e não para atender as demandas do povo. Um fator importante para compreender a virada de comportamento desses países está na mudança do papel que a África passou a desempenhar no sistema internacional, cada vez mais fundamental com seus recursos em um contexto de escassez mundial, fortalecimento das relações sul-sul e surgimento de novos parceiros internacionais que permitem traçar uma política externa alinhada às necessidades internas.
Desta forma, a reconfiguração pela qual passa o Gabão e parte do continente africano representa sua vontade de pôr fim às dinâmicas de colonialidade e de fato poder exercer sua soberania e independência.
REFERÊNCIAS:
ARCHIBALD, S Henry, MURRAY, Elizabeth. What to know about Gabons coup. United States Institute for Peace. Publicado em 31 de agosto de 2023. Disponível em : <https://www.usip.org/publications/2023/08/what-know-about-gabons-coup > Acesso em 10 de set de 2023.
DE OLIVEIRA, Guilherme Ziebell; LIMA, Thiago Bernardo. Toujours pareil: as relações neocoloniais franco-africanas no século XXI. Brazilian Journal of International Relations, v. 11, n. 1, p. 139-165.
HAIDARA, Boubacar. Golpe atrás de golpe no Sahel. ISP Journal. Disponível em: <https://www.ips-journal.eu/topics/democracy-and-society/a-coup-after-coup-in-the-sahel-6976/ >. Acesso em 10 de set de 2023.
