
Railson Silva (acadêmico do 6º semestre de RI da UNAMA)
O final do século XX foi palco de profundas transformações multifacetadas ao redor do globo, visto que, nesse período, foram ocasionadas múltiplas realidades que se demonstraram pertinentes à importância da descolonização da África e da Ásia como sendo um conglomerado de momentos marcantes e fulcrais para as Relações Internacionais. Diante desse contexto de descolonização, os estudos pós-coloniais foram ganhando mais espaço nas rodas de discussões, nas quais surgiram uma série de estudos e análises voltadas ao novo cenário emergente (HALLIDAY, 1994). Nesse viés, Achille Mbembe é uma referência acadêmica no estudo do pós-colonialismo, pois ele configura-se enquanto um teórico e pensador das grandes questões da história e da política africana.
A teoria Pós-Colonial envolve em seu âmago as críticas aos pressupostos epistemológicos em que se assenta o discurso da Modernidade e, portanto, da superioridade europeia. Partindo dessa premissa, o professor Achille Mbembe elabora seus trabalhos voltados para uma discussão da história e política do continente africano a partir de uma visão pós-colonial, estudando temas como poder e violência. Além de Crítica da Razão Negra, entre seus livros mais conhecidos também estão: Políticas da Inimizade e Necropolítica.
A obra Crítica da Razão Negra (2014), é uma importante contribuição para o estudo crítico ao eurocentrismo, nele o autor busca desenvolver reflexões a respeito do termo “negro” e como as formas de sua definição são componentes das manifestações do racismo contemporâneo. Para o pensador, a “razão negra” é um conceito que carrega muitas ambiguidades, sendo usada para relacionar a diversas coisas, entre elas: “imagens do saber; um modelo de exploração e depredação; um paradigma da submissão e das modalidades da sua superação, e, por fim, um complexo psiconírico.” (MBEMBE, 2014).
Ao se analisar o mundo contemporâneo a partir da experiência negra, Mbembe (2014) argumenta que a visão sobre o negro que se tem no mundo atualmente tem origem na construção do sistema colonial e escravista. Dessa forma, na história da humanidade, o termo “negro” se remetia as condições impostas às pessoas de origem africana na expansão capitalista, que mais tarde veio adquirir uma institucionalização como forma de existência reconstruída (MBEMBE, 2016). Segundo ele, o nome “Negro” assinala:
“uma série de experiências históricas desoladoras, a realidade de uma vida vazia; o assombramento, para milhões de pessoas apanhadas nas redes da dominação de raça, de verem funcionar os seus corpos e pensamentos a partir de fora, e de terem sido transformadas em espectadores de qualquer coisa que era e não era a sua própria vida” (MBEMBE, 2014)
Historicamente, a concepção de negro e raça são figuras centrais do discurso eurocêntrico, visto que tal discurso tem ditado a formação de identidades. E para Mbembe (2016), tal fato não pode ser levado mais a frente, assim “para adentrar as formas de erradicação de uma desigualdade social com bases raciais, é preciso entender como o ser negro foi inventado para significar exclusão e degradação, entre outros aspectos negativos.” (FERREIRA, 2018).
Ademais, outra obra de extrema relevância que pensador desenvolve é a “Necropolítica” (2011) que dialoga com a “Crítica da razão negra”. Nela, o autor traz a ideia de que discurso é um instrumento de poder, na qual se inspirou no pensamento do filósofo Michael Foucault. Assim, Mbembe, ao elaborar sua obra, buscou relacionar o poder e o discurso de Fourcaul ao que ele chama de um racismo de Estado presente nas sociedades contemporâneas, que estimulou políticas de morte (necropolítica).
Para o autor, a necropolítica, com base no biopoder e suas tecnologias de controlar a população, é o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Ele traz esse termo com propósito de dizer que há estruturas com a finalidade de provocar a destruição de alguns grupos, em paralelo com a elaboração de discursos que legitimam certos atos de crueldade, além de promover inimizades entre grupos, ao instaurar regimes de medo, insegurança e precariedade (MBEMBE, 2011).
As noções desenvolvidas pelo autor, com base na “necropolítica” ajudam a compreender que, por vezes, certos Estados adotam em sua organização a política da morte, como formar de legitimar certos discursos com intuito de dizer que é para a segurança da maioria. Sob essa ótica, o autor traz a questão do racismo e que a partir do mesmo se desenvolve o poder de ditar quem deve viver e quem deve morrer, numa política de Estado que se pauta em um exercício contínuo de letalidade:
[…] racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder, “este velho direito soberano de matar”. Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição da morte e tornas possíveis as funções assassinas do Estado. Segundo Foucault, essa é “a condição para aceitabilidade do fazer morrer” (2018, p. 18).
Em suma, o professor Achille Mbemben é um imprescindível contribuinte para a linha pós-colonial das RI, visto que traz reflexões sobre o contexto mundial contemporâneo com base nas ideias foucaultianas para analisar problemáticas de regiões periféricas e, como que ainda hoje, demonstra a ocorrência e a realização de genocídios que seguem os padrões chamados por ele de “tardo coloniais”. Assim, as considerações levantadas pelo pensador devem ser ponto de partida nas análises conjunturais com o objetivo de fortalecer a criação de possiblidades de resistência ao poder constituído.
Referências:
FERREIRA, Sibelle de Jesus. A razão negra e os direitos humanos: as políticas internacionais contra a discriminação racial. 2017. 52 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Relações Internacionais)—Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
Halliday, Fred. Rethinking International Relations. Palgrave Macmillan, 1994.
Mbembe, A. Crítica da Razão Negra. Lisboa: Antígona. 2014
MBEMBE, Achille. Crítica de la razón negra: ensayo sobre el racismo contemporáneo. NED Ediciones, 2016.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo. 2011
