
Keity Silva de Oliveira – acadêmica do 6º semestre de Relações Internacionais da UNAMA
No dia 02 de maio deste ano, o Writes Guild of America (WGA), sindicato de roteiristas nos Estados Unidos, anunciou o início da greve nacional de 11 mil trabalhadores que constituem 98% dos membros votantes. Em julho, atores e atrizes do cinema e da TV, representados pelo sindicato Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists (SAG-AFTRA), somaram-se à greve, constituindo uma das maiores paralisações da história de Hollywood. A mobilização está sendo feita em prol de melhores salários, maior participação nos lucros da popularidade dos streamings e o uso indevido de inteligência artificial no processo artístico (PAIVA, 2023).
A obra “O Manifesto Comunista” (1848), escrita por Karl Marx e Friedrich Engels, surge com a asserção de que a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes. Para os autores, a sociedade capitalista é dividida em duas grandes classes sociais, a burguesia e o proletariado, no qual o que difere uma classe da outra é a posse dos meios de produção. A burguesia é a classe que detém os meios de produção e o proletariado é a classe que não possui, detendo apenas sua força de trabalho.
Nessa perspectiva, a existência de uma classe possuidora e uma classe despossuída dos meios de produção gera uma relação desbalanceada, permitindo que a classe burguesa consiga dominar a classe não detentora, gerando um antagonismo entre os grupos e posteriormente, a luta de classes.
Relacionando com a atualidade, é importante frisar que a greve de roteiristas e atores foi determinada após negociações frustradas com o Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), que representa os grandes estúdios, incluindo Netflix, Amazon, Disney e Paramount. As pautas da greve giram em torno do aumento de salários, a renegociação sobre residuais, que são os pagamentos de direitos autorais feitos aos atores sempre que a obra é comercializada, e também a regulamentação do uso da inteligência artificial pelos estúdios (Paiva, 2023).
Apesar dos sindicatos representam grandes nomes da indústria de Hollywood, salários milionários estão longe de ser a realidade da maioria no sindicato. O streaming mudou a forma de ser fazer e consumir audiovisual, porém, os contratos dos trabalhadores não acompanharam essas mudanças. Segundo dados levantados pelo The Guardian, em 2023, as receitas dos estúdios subiram quase 40% nos últimos 10 anos, enquanto o salário médio dos roteiristas caiu 4% (Jamin, 2023).
Além disso, o uso de IA em produções tem se tornado cada vez mais frequente, no qual abre-se uma discussão sobre o direito de uso de imagem, substituição por IA e precarização nas relações de trabalho. Estúdios estão trazendo propostas de digitalização de feições e vozes de artistas, o que permite que as produções usem a imagem para títulos futuros, sem autorização e pagamento ao trabalhador (Pacete, 2023).
Eugênio Trivinho discute sobre o fenômeno da Dromocracia Cibercultural, que define o estado atual da sociedade, calcada na lógica da velocidade, no que concerne a sua relação de uso excessivo e decorrente dependência dos meios tecnológicos. Nessa perspectiva, têm-se a dromoaptidão, conceito cunhado por Paul Virilio e analisada por Trivinho. O conceito pode ser observado em diversos ângulos da realidade social, econômica e política que apresenta os dromoaptos, “a elite cibercultural” e os dromoinaptos, caracterizados como “uma massa de segregados” que não são incluídos na Cibercultura (TRIVINHO, 2007).
Sob esta perspectiva, o conceito de Dromocracia Cibercultural pode ser observado no uso desenfreado da tecnologia atualmente, principalmente no que se refere aos atos de substituição de pessoas por máquinas com o intuito de diminuir os custos trabalhistas, fomentando assim o aumento nas taxas de desemprego. A exigência feita pelos sindicatos se tornou não apenas uma reivindicação, mas uma questão de sobrevivência para os trabalhadores que são tratados de maneira inferior por uma indústria capitalista que visa apenas o lucro sem precedentes.
Na visão marxista, a greve é o fenômeno social que melhor representa a luta de classes e se tornou a forma de reinvindicação mais usada pelos trabalhadores que adquirem maior consciência de classe, pois com as paralisações, os trabalhadores passaram a se reconhecer como iguais e em oposição à outra classe. Para Marx e Engels, elas não representam apenas uma ação de reinvindicação de melhores salários, mas também, servem para mostrar a exploração deles pela sociedade capitalista (Campos, 2016).
O WGA e o SAG-AFTRA continuam fazendo maratonas de negociações durante o mês de setembro com o objetivo de dar um fim à greve, porém, os resultados ainda parecem incertos, o que pode ainda gerar reverberações globais na indústria audiovisual. Há a possibilidade dos diretores, representados pela Directors Guild of America, também entrarem em greve caso as negociações não estejam bem caminhadas ao longo das próximas semanas.
Numa sociedade capitalista extremamente globalizada, o ato da greve dos roteiristas e posteriormente dos atores se constitui como um importante instrumento de resistência contra a instrumentalização dos direitos trabalhistas. À medida que as greves persistem, seus efeitos se espalham profundamente em prol de transformações amplas e significativas para a comunidade artística. Parafraseando Marx, “aos trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”, pois somente com a luta por reinvindicação de direitos, é provocado a formação da consciência de classe que contribui para o início de uma revolução em que cesse a exploração do homem pelo homem.
REFERÊNCIAS
CAMPOS, Nicole. A greve sob a ótica Marxista. Jusbrasil. Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-greve-sob-a-otica-marxista/339228033 > Acesso em: 21 de setembro de 2023.
JAMIN, Michael. Thousands of TV and film writers are striking. Here’s why we had to. The Guardian. Publicado em: 03 de maio de 2023. Disponível em: < https://www.theguardian.com/commentisfree/2023/may/03/why-hollywood-writers-are-striking > Acesso em: 22 de setembro de 2023.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto comunista. BOD GmbH DE, 1998. Acesso em: 21 de setembro de 2023.
PACETE, Luiz Gustavo. Entenda o impacto da IA na greve de roteiristas e atores de Hollywood. Forbes. Publicado em: 14 de julho de 2023. Disponível em: < https://forbes.com.br/forbes-tech/2023/07/entenda-o-impacto-da-ia-na-greve-de-roteiristas-e-atores-de-hollywood/ > Acesso em: 22 de setembro de 2023.
PAIVA, Pedro. Atores e roteiristas dos EUA entram em greve: ‘A maioria de nós não é celebridade’. Brasil de Fato. Publicado em: 26 de julho de 2023. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2023/07/26/atores-e-roteiristas-dos-eua-entram-em-greve-a-maioria-de-nos-nao-e-celebridade > Acesso em: 21 de setembro de 2023.
TRIVINHO, Eugênio. A Dromocracia Cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007. Acesso em: 22 de setembro de 2023.
