Enzo Di Lucca Souza (Academico do 2° Semestre de RI da UNAMA)

A dinâmica geopolítica do Oriente Médio há muito é definida por um complexo arranjo de interesses políticos, econômicos e culturais. Nesse delicado cenário, uma peça fundamental se destaca, impulsionando e influenciando todas as outras: a riqueza das fontes energéticas na região, com destaque para o petróleo.

Desde a segunda revolução industrial em meados do século XIX, a posse das reservas petrolíferas se tornaram o elemento dominante no pensamento econômico (KLARE, 2001). Haja vista que, o petróleo havia se tornado, indiscutivelmente, a principal fonte de energia para a industrialização de todas as nações, especialmente das grandes potências. Em função de sua importância contumaz, desde a descoberta da primeira fonte petrolífera na Pérsia, (atual Irã) em 1909, pelos britânicos, uma verdadeira corrida pelo ‘ouro negro’ se iniciou na região. A disputa pelo controle da produção do petróleo, desde então, tem sido o principal fator motivador de conflitos, guerras e inúmeras intervenções estrangeiras no Oriente Médio.

Umas das mais notáveis intervenções, que demostra como as fontes energéticas assumem um papel central na composição geopolítica contemporânea do Oriente Médio, foi a deposição, via golpe de Estado, do premier iraniano Mohammed Mossadegh, em 1953. Mas antes de adentrarmos no golpe que derrubou Mossadegh, faz-se necessária a contextualização de seu período histórico e os interesses dos atores estrangeiros que o derrubaram.

Na década de 1950, o primeiro-ministro iraniano Mohammed Mossadegh, influenciado por uma onda de desenvolvimentismo e nacionalismo (FURNO, 2020) a qual varria o Oriente Médio, nacionalizou o petróleo iraniano, rompendo com o monopólio da Anglo-Iranian Oil Company, empresa britânica que explorava as reservas petrolíferas da região, desde seu descobrimento em 1909. Isso desencadeou uma série de represálias econômicas do Reino Unido e dos Estados Unidos, que, em 1953, arquitetaram uma operação clandestina para derrubar o governo de Mohammed Mossadegh e instalar o governo militar de Fazlollah Zahedi, restaurando a influência britânica no país.

O golpe que derrubou o líder democraticamente eleito do Irã em 1953, a curto prazo, assegurou a influência ocidental sobre as reservas de petróleo do país; entretanto, a longo prazo desencadeou uma série de acontecimentos que culminariam na Revolução Islâmica de 1979 (HASANQUE, 2018), resultando na fundação da República Islâmica do Irã, país notoriamente antiocidental que existe até os dias de hoje.

Para compreender a ação extrema tomada pelos britânicos e estadunidense em 1953, podemos analisar os acontecimentos no Irã sob a perspectiva do teórico Michael T. Klare, professor de Estudos de Paz e Segurança Mundial de Hampshire College, em seu livro “Resource Wars: The New Landscape of Global Conflict”. Em sua obra, Klare explora como a competição por recursos naturais finitos, como o petróleo, pode levar a conflitos internacionais e ao uso da força. Ele argumenta que, à medida que os recursos se tornam cada vez mais escassos e a demanda por eles cresce, estados e atores não estatais podem recorrer à força para garantir o acesso a esses recursos vitais. Klare também analisa como as potências globais buscam estabelecer influência e controle sobre regiões ricas em recursos, o que pode resultar em confrontos geopolíticos, conflitos armados, ou, no caso do Irã, em um golpe de Estado.

Sob essa perspectiva, também é possível compreender as motivações por trás de outros conflitos no Oriente Médio, em que as fontes de energia desempenham um papel central. Podemos considerar o caso do Iraque, por exemplo, como um Estado que, na Guerra do Golfo, em 1991, usou a força para obter controle sobre uma região rica em recursos energéticos, o Kuwait. Além disso, podemos analisar como o país Iraquiano se tornou vítima do uso da força, quando os Estados Unidos o invadiram em 2003, com o mesmo objetivo, embora sob a frágil e contestável justificativa de “libertar o povo iraquiano” do governo de Saddam Hussein.

Em última análise, pode-se afirmar, sob a ótica de Michael T. Klare, que enquanto houver dependência e demanda por fontes energéticas não-renováveis, como o petróleo, a tendência é uma escalada inevitável no número e na intensidade de conflitos no Oriente Médio, motivados pela busca do controle desses recursos, uma vez que, com o tempo e a intensa exploração, eles se tornarão cada vez mais escassos.

Referências:

FURNO, Juliane.  Petróleo iraniano já motivou golpe de Estado orquestrado pelos EUA. Brasil de Fato, 2020.

Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/01/14/petroleo-iraniano-ja-motivou-golpe-de-estado-orquestrado-pelos-eua

HASAN, Mehdi. PELA CULATRA: GOLPE ORQUESTRADO PELA CIA LEVOU À ASCENSÃO DOS AIATOLÁS NO IRÃ. The Intercept Brasil, 2018.

Disponível em: https://www.intercept.com.br/2018/02/13/pela-culatra-golpe-cia-levou-a-aiatolas-no-ira/

KLARE, Michael T. Resource Wars: The New Landscape of Global Conflict, 2001.

Os conflitos alimentados pela disputa por petróleo no mundo, BBC News Brasil, 2015.

Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151203_conflitos_mundiais_petroleo_lgb_gch.amp