Keity Oliveira e Lara Lima (acadêmicas do 6º semestre de RI da UNAMA)

Conhecer e proteger alguém usando apenas os rastros deixados pelo caminho – arcos, flechas, artefatos, vestígios de alimentos e itens de acampamentos provisórios – é a forma que trabalham indigenistas que se ocupam da defesa de povos em isolamento voluntário (Bond, 2023), como Bruno Pereira, que esteve à frente da Coordenação-Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato pela FUNAI e foi morto em junho de 2022, junto com o jornalista britânico Dom Phillips, correspondente do The Guardian, por denunciarem crimes socioambientais praticados no Amazonas (Bond, 2023).

A denominação “isolados” é usada de forma jurídico-administrativo pelo Estado brasileiro para denominar os grupos que vivem de maneira autônoma. Segundo estudiosos, esses povos mantinham relações com outros povos indígenas e com sociedades no passado e, por algum motivo, decidiram isolar-se (Pajolla, 2022).

Na área de estudos voltados para os povos originários, são conhecidos como povos “sem contato”, “em situação de isolamento voluntário”, “autônomos” ou “livres”, sendo testemunhas da presença originária dos indígenas no Estado e sobreviventes da violência dos colonizadores, que se reproduz até os dias atuais.

Os povos indígenas isolados localizam-se na Amazônia, no Gran Chaco paraguaio e em diferentes partes do mundo. A Amazônia brasileira abriga o maior número de povos isolados conhecidos no planeta, contabilizando oficialmente 114 registros da presença desses grupos no país, sendo 28 deles confirmados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).  

O genocídio provocado pela colonização pode ser um dos principais fatores que explica a busca desses povos de viverem longe da sociedade não indígena, já que o processo quase dizimou a população indígena, tendo provocado a morte de 70% deles (Castro; Ricardo; Gongora, 2019). Nessa perspectiva, o isolamento também pode ser motivado pela recusa em manter uma ponte com o Estado e a existir em conformidade com a lógica do lucro que permeia a Amazônia e seus recursos naturais.

No ano de 1500, a população indígena era de aproximadamente 3 milhões de habitantes, segundo a FUNAI. Desde então, a população vem crescendo e chegou a atingir 897 mil pessoas, de acordo com o censo do IBGE realizado em 2010 (Pajolla, 2022). Por conta da invasão violenta e do contágio de doenças trazidas pelos colonizadores, alguns povos adotaram o isolamento como estratégica de sobrevivência, refugiando-se, principalmente, em áreas mais remotas com extensas porções de vegetação.

Pouco se sabe sobre a rotina vivenciada pelos povos, já que as tentativas de contato com esses grupos são marcadas por ataques contra os invasores e provocam um isolamento maior dos mesmos, que evitam o contato se escondendo nas profundezas da floresta. A única coisa que se tem certeza é de que eles desejam permanecerem isolados.

Determinadas ONG’s trabalham com o intuito de fazerem o monitoramento dessas comunidades para sua proteção contra atividades ilícitas que provocam a degradação de seus territórios. Segundo a ONG Survival, alguns grupos não possuem moradia fixa e têm o hábito de circular permanentemente pelo território, sobrevivendo da caça e da coleta de alimentos. Outros são mais sedentários e se alimentam através da agricultura, cultivando mandioca e outros vegetais preparados na floresta (Pajolla, 2022).

Desde o período colonial até o regime militar de 1964, o planejamento estatal, articulado a interesses econômicos privados do Estado, envolveu a ocupação forçada dos territórios indígenas, além da expulsão, aldeamento e aculturamento dessas pessoas. Esse conjunto de práticas e ideias que as fundamentam foram chamadas de política integracionista, que deixou de ter influência sob o indigenismo brasileiro a partir da década de 1980 (Pajolla, 2022).

O marco dessa mudança foi a Constituição Federal de 1988, que reconheceu os direitos dos povos originários, o que impulsionou os objetivos da FUNAI, criada em 1967, que passou a ser pautada no respeito à autonomia e autodeterminação dos povos, inclusive aqueles que optaram pelo isolamento. A mesma detém um departamento dedicado aos povos indígenas isolados, desde 1987, cuja política é fazer contato somente nos casos em que sua sobrevivência está em risco iminente, caso contrário, nenhuma tentativa é feita.

Segundo a advogada Carolina Santana, assessora jurídica do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, existem normativas que levam em consideração peculiaridades dessas populações, como sua vulnerabilidade socioepidemiológica e a sua decisão de adotar um modo de vida com pouca ou nenhuma interação com pessoas que não sejam de seus grupos (Pajolla, 2022).

Porém, não há muitos mecanismos legais direcionados exclusivamente a esses grupos, o que resulta, segundo Santana, em uma vulnerabilidade política que é atrelada ao desenvolvimento predatório do agronegócio nas regiões mais preservadas da Amazônia, o que ameaça a sobrevivência desses povos que vivem, sobretudo, em áreas protegidas na floresta.

A fragilidade jurídico-institucional no Brasil aumenta ainda mais a exposição de povos a terem suas terras invadidas pelo desmatamento, por incêndios criminosos e pela mineração ilegal, principalmente no que se refere aos em isolamento voluntário.

Os dados observados nos principais órgãos ambientais do país, refletem a violação do direito ao uso territorial indígena em curso, o que indica a necessidade de assegurar os direitos fundamentais da população originária.

A Terra Indígena Ituna/Itatá, localizada nos municípios de Senador José Porfírio e Altamira no Pará é considerada uma das áreas com maior população de indígenas em isolamento e é palco de grandes conflitos socioambientais por conta de grileiros e garimpeiros. Em 26 de agosto deste ano, ocorreu a maior operação já realizada pelo IBAMA para retirar gado da TI.

Agentes e policiais da Força Nacional foram mobilizados para retirar um rebanho ilegal de 500 bovinos que estavam na região. Desde 2011, a FUNAI limita o acesso ao território a apenas pessoas autorizadas pelo órgão, porém, a medida foi descumprida por grileiros e entre os anos de 2018 a 2021, Ituna/Itatá esteve entre as três terras indígenas mais desmatadas do Brasil (Martins, 2023).

A operação, batizada de Eraha Tapiro, levou três dias para ser finalizada por conta das dificuldades feitas pelas ações de grileiros que destruíram as pontes capazes de fazerem as caminhonetes de fiscalização avançarem. O ato de destruir pontes é uma estratégia feita pelos grileiros para impedir a retirada de cerca de 5 mil bovinos da TI e sua presença na região afugenta os povos indígenas isolados que vivem ali que se encontram em estado de alta vulnerabilidade pelas violências praticadas pelos invasores.

A primeira viagem da operação retirou apenas 123 animais e é calculado que levará semanas até que os 5 mil bovinos sejam retirados do território indígena pelo IBAMA. Porém, a operação mostra a volta dos órgãos de fiscalização de crimes ambientais na Amazônia, que depois dos quatros anos sem atividade plena durante o governo de Jair Bolsonaro, voltam a exercerem seus papéis na proteção e asseguração do bioma e de seus povos.

Portanto, diante da análise sobre o tema, surge a necessidade de demarcações intensiva e a renovação de Portarias de Restrições do Uso dos territórios indígenas e dos povos isolados. Segundo dados do IPAM, mais de um terço (34%) dos 44 territórios com povos isolados não foram demarcados e é um direito assegurado possuir o território que habitam, no entanto, atualmente, esse direito vem sendo violado, as terras estão sendo usadas por terceiros, o que acaba por ameaçar a vida e a soberania dos povos (Garrido, 2023).

Diante a temática exposta, recomendamos dois documentários sobre o tema. O primeiro se chama “Vale dos Isolados: o assassinato de Bruno e Dom” (2023), de Sônia Bridi. O documentário mostra os conflitos de terra na Amazônia, no Vale do Javari. O local já teve mais de 60 conflitos e foi onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram brutalmente executados. Está disponível para ser assistido na plataforma de streaming Globoplay, através do link a seguir:

< https://globoplay.globo.com/vale-dos-isolados-o-assassinato-de-bruno-e-dom/ >

O segundo se chama “Índios Isolados: Em Fuga Pela Vida” (2021), dirigido por Leão Serva. O documentário conta os constantes perigos que os indígenas isolados da Amazônia brasileira sofrem e conta também com a entrevista de Beto Marubo, líder indígena do Vale do Javari, a região a qual tem o maior registro de povos isolados no país. O longa está disponível para ser assistido no Youtube, através do link a seguir:

< https://youtu.be/f73N2Kk20Sw >

Evidencia-se a importância do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), que realiza o monitoramento da situação dos povos isolados desde a sua fundação. Eles têm como objetivo promover o reconhecimento das políticas e estratégias dos indígenas voltadas aos povos isolados e promover o bem estar e a qualidade de vida dessas populações. Para mais informações, acesse:

Site: < https://povosisolados.org/sobre-o-opi/#redes >

Instagram: < https://instagram.com/opi.isolados >

X: https://x.com/OPI_Isolados?t=8zhQlJ6FtfmdWuy7rM40NQ&s09 >

Por fim, destaca-se também a organização Survival, um movimento global que luta pelos direitos dos povos indígenas. A organização tem como objetivo publicar informações sobre problemáticas enfrentadas pelos povos indígenas, apoiar projetos que beneficiem a comunidade e pressionar a favor dos direitos dos povos originários em fóruns internacionais como a ONU. Para mais informações, acesse:

Site: < https://www.survivalbrasil.org/sobrenos#about-page-first-about-section >

Facebook: < https://www.facebook.com/SurvivalInternationalBrasil >

Instagram:< https://instagram.com/survival_brasil?igshid=MzRlODBiNWFlZA= >

X: < https://x.com/SurvivalBrasil?t=XgMEBP0nbSWtTXpK3nVWvQ&s=09 >

YouTube: < https://youtube.com/@SurvivalInternationalBrasil?si=_b4AQuyvysLizKnU >

REFERÊNCIAS

BOND, Letycia. Saiba quem são e como vivem os povos isolados. Agência Brasil. Publicado em: 05 de agosto de 2023. Disponível em: < https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-06/saiba-quem-sao-e-como-vivem-os-povos-isolados > Acesso em: 30 de setembro de 2023.

CASTRO, Eduardo Viveiros de; RICARDO, Fany; GONGORA, Majoí Fávero. Cercos e resistências: povos indígenas isolados na Amazônia brasileira. 2019. Acesso em: 30 de setembro de 2023.

GARRIDO, Bibiana Alcântara. Terras indígenas com povos isolados são as mais ameaçadas da Amazônia. IPAM. Publicado em: 11 de janeiro de 2023. Disponível em: < https://ipam.org.br/terras-indigenas-com-povos-isolados-sao-as-mais-ameacadas-da-amazonia/ > Acesso em: 01 de outubro de 2023.

MARTINS, Rafael Moro. Pontes destruídas, incêndios criminosos e ameaças de morte: a batalha do Ibama para fazer cumprir a lei na Amazônia. SUMAÚMA. Publicado em: 06 de setembro de 2023. Disponível em: < https://sumauma.com/batalha-ibama-para-fazer-cumprir-a-lei-na-amazonia/ > Acesso em: 30 de setembro de 2023.

PAJOLLA, Murilo. Quem são os grupos indígenas isolados brasileiros e quais são os direitos deles. Brasil de Fato. Publicado em: 06 de fevereiro de 2022. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2022/02/06/quem-sao-os-grupos-indigenas-isolados-brasileiros-e-quais-sao-os-direitos-deles > Acesso em: 30 de setembro de 2023.