Peter Wesley Mendes Barauna – acadêmico do 8° Semestre de Relações Internacionais da Unama

No dia 20 de Novembro é celebrado o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a data marca o legado de Zumbi dos Palmares para resistência da população negra ao longo das décadas e contesta os discursos dominantes impostos sobre essas populações. Nesse sentido, o Dia da Consciência Negra, nos dias atuais, faz refletir sobre a luta, os ganhos e as dificuldades da população negra brasileira sob as grandes transformações políticas que o Brasil vem sofrendo.


Celebrada e proposta pela primeira vez 1971 pelo grupo de estudantes e militantes negros de Porto Alegre, Grupo Palmares, a data busca contestar o 13 de maio, Abolição da Escravatura, que apagava o protagonismo de negros e negras na luta pela liberdade (SILVA, 2022; ZORZI, 2022). Além disso, o grupo via na figura do herói nacional, Zumbi dos Palmares, como verdadeiro símbolo de resistência e luta contra a escravidão, e inspiração para luta contra o preconceito e valorização negra.


Na visão do grupo, o 13 de maio representava uma liberdade “dada” pela Princesa Isabel, apagando todo histórico de luta e resistência negra pela liberdade. Além disso, o processo da abolição refletia em uma decisão da burguesia por motivos capitalistas e por pressões externas, acompanhado por falta de políticas de inclusão do negro na sociedade como cidadão livre, e políticas que acentuavam ainda mais a exclusão deles, como políticas de embranquecimento da população e imigração de mão de obra de colonos europeus (SILVA, 2022; ZORZI, 2022).


Após muitos anos de empenho pelo grupo desde 1971, a data foi sancionada no dia nove de janeiro de 2003, pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, colocando como data comemorativa o Dia Nacional da Consciência Negra. Anos mais tarde, a presidenta Dilma Roussef sanciona o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra reafirmando a origem da data e seu valor simbólico (SILVA, 2022).


Sob a perspectiva da disciplina de Relações Internacionais, o debate racial está dentro do que Yosef Lapid (1989) chama de terceiro debate das RI, na qual se aprofunda para além dos estudos da visão tradicional, realista e liberal, e marca o surgimento de teorias como a decolonial, a crítica e a pós-colonial que se colocam a discutir a categoria de raça nas RI (QUADROS, 2019). Para essas teorias, a raça está na formação e funcionamento do sistema mundial e molda as visões e práticas da política internacional, consequentemente levando a uma ordem global injusta (QUADROS, 2019, SILVA, 2021, VICENT, 2018).


A raça é entendida como termo não estático e dentro do seu processo, opera a partir de características biológicas e étnicos-culturais, ligando seu sentido ao contexto histórico e provocando processos de contingência, conflito, poder e decisão. Já o racismo, é a prática de discriminação com base na raça, se manifestando por meio de práticas que conferem vantagens e desvantagens a determinado grupo racial, sendo não somente ao nível individual, como também estrutural, podendo moldar a organização das sociedades e os seus aspectos individuais e institucionais, provocando tensões que envolvem riqueza e pobreza, a violência, conflitos internos, desigualdades sociais, até mesmo as relações entre países (QUADROS, 2019, SILVA, 2021, VICENT, 2018).


Passados 52 anos desde a primeira comemoração do Dia da Consciência Negra, em 1971, a população negra vem tendo perdas e ganhos para seu povo. Segundo a Rede Observatório de Segurança, a violência vem sendo um “eixo estruturador das relações sociais do Brasil (RAMOS, 2023, p. 18)”, a população negra são os maiores alvos das ações policiais e mesmo em lugares onde a população negra não é maioria, essa parcela da população é a que mais sofre.


Além disto, outras formas ainda mais complexas de exclusão a partir da raça surgem quando aplicadas a diversas realidades, a exemplo disso, a acessibilidade física e social e a direitos por pessoas negras com algum tipo de deficiência aprofundam ainda mais a exclusão dessa gente (MINORITY RIGHTS BOOK INTERNACIONAL, 2023). Por outro exemplo, a própria realidade da cibercultura também acentua formas comportamento racistas como o caso da deputada Renata Souza (Psol-RJ) em 2023, ao denunciar uma imagem gerada por inteligência artificial, que associou a imagem da mulher negra e da favela com uma arma (BEATRIZ, 2023).


Para além dos problemas, o povo negro vem ocupando cada vez mais espaços na qual vem batalhando por anos. Em 2020, houve o aumento de negros nas universidades, graças a Lei de Cotas de 2012 (ALMEIDA, 2022; COSTA, 2020; SOUZA, 2022). Já em 2022, as Eleições marcaram o aumento de candidatos autodeclarados negros, e o número emblemático aumento de 8,94% de deputados pretos e pardos eleitos, como o caso da travesti preta eleita, Erika Hilton, sendo a vereadora mulher mais votada do Brasil em 2020 e sendo a nona candidata mais votada do estado de São Paulo em 2022. (LINO, 2022; SOUZA, 2022; TSE, 2022).


Além da política, na indústria midiática brasileira, o protagonismo negro vem cada vez mais ocupando mais espaços em filmes, novelas, series, música e moda (ROCHA, 2023). Além disso, no mundo dos gamers, espaço dominado por machismo e branquitude, cada vez mais vem crescendo a participação de pessoas negras, sendo mais da metade dos gamers pretos ou pardos e sendo protagonizado por mulheres negras nos populares e-sports (HILDEBRAND, 2023; MOURA, 2021; OLIVEIRA, 2022;


Finalizando, o Dia da Consciência Negra traz-nos a reflexão da luta da população negra ao longo dos anos de acordo com a sua historiecidade. Essa data marca a reflexão da luta que já ocorreu, desde o antes, Zumbi dos Palmares, passando pelo agora, ocupação de espaços, e indo para o que pode vir, com ciberespaço e seus desdobramentos.

REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Pauline. Negros e pardos em universidades federais passam de 41% para 52% em dez anos. CNN. Rio de Janeiro, 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/negros-e-pardos-em-universidades-federais-passam-de-41-para-52-em-dez-anos/. Acesso em: 17 nov. 2023.


BEATRIZ, Adyel. Quem dita as regras: o risco de inteligências artificiais aos direitos humanos. Rede Observatório de Segurança. 2023. Disponível em: http://observatorioseguranca.com.br/quem-dita-as-regras-o-risco-de-inteligencias-artificiais-aos-direitos-humanos/. Acesso em: 18 nov. 2023.


COSTA, Gilberto. Cresce total de negros em universidades, mas acesso é desigual. Agência Brasil. Brasília, 2020. Disponível em: read://https_agenciabrasil.ebc.com.br/?url=https%3A%2F%2Fagenciabrasil.ebc.
com.br%2Fgeral%2Fnoticia%2F2020-11%2Fcresce-total-de-negros-em-universidades-mas-acesso-e-desigual. Acesso em: 17 nov. 2023.


HILDEBRAND, Yuri. Mais da metade dos gamers no Brasil são pretos ou pardos, aponta pesquisa. Techtudo. 2023. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2023/03/mais-da-metade-dos-gamers-no-brasil-sao-pretos-ou-pardos-aponta-pesquisa-edjogos.ghtml. Acesso em: 18 nov. 2023.


MINORITY RIGHTS GROUP INTERNATIONAL. relatório A Situação das Pessoas Negras com Deficiência no Brasil. 2023.


MOURA, Eduardo; MALTA, Jairo. Negros são maioria entre os gamers no Brasil, mas não veem o seu reflexo nas telas. Folha de São Paulo. 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/04/negros-sao-maioria-entre-os-gamers-no-brasil-mas-nao-veem-o-seu-reflexo-nas-telas.shtml. Acesso em: 18 nov. 2023.


LAPID, Yosef.Yosef. The Third Debate: On the Prospects of International Theory in a The Third Debate: On the Prospects of International Theory in a PostPost–Positivist EraPositivist Era.. Oxford University Press, 1989.


LINO, Nathalia. Travesti preta e luta por nome social: Erika Hilton agora chega a Brasília. UOL. 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/03/sao-paulo-elege-a-primeira-travesti-deputada-federal-conheca-erika-hilton.htm. Acesso em: 18 nov. 2023


OLIVEIRA, Beatriz de. Sete jogadoras negras que se destacam nos eSports. Estadão. 2022. Disponível em: https://expresso.estadao.com.br/naperifa/sete-jogadoras-negras-que-fazem-sucesso-nos-games/. Acesso em: 18 nov. 2023.


QUADROS, Mariana Félix de. Descolonizando as Relações Internacionais: a raça e o racismo como categoria de análise. 18, N. 1,p. 39 – 57, JAN/JUL 2019.


RAMOS, Silvia; et. al. Pele alvo [livro eletrônico]: a bala não erra o negro. Rio de Janeiro, 2023.


ROCHA, Halitane. O Brasil está descobrindo a potência do protagonismo negro nas telas . Mundo Negro. 2023. Disponível em: https://mundonegro.inf.br/o-brasil-
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SOUZA, Murilo. Número de deputados pretos e pardos aumenta 8,94%, mas é menor que o esperado. Agência Câmara de Notícias. 2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/911743-numero-de-deputados-pretos-e-pardos-aumenta-894-mas-e-menor-que-o-esperado/. Acesso em: 18 nov. 2023.


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