
Thais Vitória Borges (acadêmica do 6º semestre de RI da UNAMA)
A disciplina das Relações Internacionais surge a partir de uma óptica anglo-saxônica — em 1919 com a criação da primeira cadeira de Relações Internacionais na Universidade de Wales no Reino Unido, visão esta que vai guiar os estudos clássicos do campo (SARFATI, 2000). Somente com o chamado terceiro debate das RI, ou debate inter-paradigmático, novas perspectivas e elementos que não focados nas preocupações clássicas das RI – concentrado nas pautas de segurança nacional, diplomacia, regimes comerciais e equilíbrio de poder, – são introduzidos à disciplina, como a questão de gênero e a pós-colonial, enriquecendo assim as discussões do campo.
Expressão que remonta aos anos de 1970, o pós-colonialismo é um modo de revisionismo crítico que parte de uma análise bifocal sobre as relações de poder (pós-)coloniais e concomitantemente desenvolve estratégias normativas para descolonizar as historiografias dominantes. O pós-colonialismo não poder ser compreendido enquanto teoria única em detrimento de sua pluralidade de perspectivas — que vão emergir das diferentes interpretações sobre as condições (pós-)coloniais, estas que divergem em forma a depender dos períodos históricos, assim como dos diferentes locais do globo (WILKENS, 2017). Nesse sentido, o cientista político Sankaran Krishna acrescenta uma nova faceta aos estudos pós-coloniais.
De nacionalidade indiana, o autor trabalha nas áreas de Relações Internacionais, estudos pós-coloniais e economia política com enfoque na Índia e no Sul da Ásia. Seu interesse principal é em analisar como o projeto de construção de nação no Sul da Ásia pós-colonial evidenciou resistências, sejam estas étnicas, regionais e afins. No que concerne aos seus estudos nas RI, seu objetivo primeiro é acerca da epistemologia eurocêntrica da disciplina e seu esquecimento sobre as questões de raça, colonialismo e desigualdade à escala global.
Dentre seus trabalhos, vale ressaltar Globalization and Postcolonialism: Hegemony and Resistance in the Twenty-first Century, dentro do qual, o autor inicia traçando um paralelo entre a Índia do período das Grandes Navegações, esta que era relacionada à riquezas e bens exóticos, com a Índia atual, que junto ao povo indiano se tornou sinônimo de pobreza, superpopulação, miséria e atraso; um espaço longe se ser desejável, um país de terceiro mundo. Krishna instiga o questionamento de como a Índia se transformou no imaginário do mundo ao decorrer desses séculos, destacando que a história desse declínio da Índia no imaginário europeu é também a história das relações entre o Ocidente e o Oriente global (KRISHNA, 2009).
Com isso, Krishna aborda as narrativas da modernização e desenvolvimento, analisando duas visões que pretendem explicar historicamente como se deu esse desenvolvimento: a visão da globalização neoliberal e a pós-colonial. Argumentando que embora a globalização seja um movimento que está transformando o mundo com base no capitalismo de livre mercado concomitantemente a uma ideologia de individualismo e consumismo, o pós-colonialismo articula uma política de resistência à desigualdade e exploração dos seres humanos que está intrínseca à globalização (KRISHNA, 2009).
Dando ênfase que um dos pontos importantes da visão pós-colonial é sua sensibilidade para a questão da dominação cultural: na qual nações economicamente desenvolvidas e dominantes estabeleceram padrões e modelos baseados em suas realidades, que vieram a servir de régua de avaliação para os demais. Tal construção gerou um domínio do Ocidente sobre a produção de conhecimento e cultura — o eurocentrismo, que o autor aponta ser um legado duradouro do colonialismo, sendo assim, paralelamente, a reversão dessa dominação para o pós-colonialismo está indubitavelmente ligado a descolonização cultural. Com isto, percebe-se que as narrativas dominantes que relacionam a modernização com civilização, desenvolvimento e progresso pode ser ao mesmo tempo uma ferramenta de opressão nas mãos das elites sobre os países outrora colonizados (KRISHNA, 2009).
Diante das movimentações do sistema internacional, com maior protagonismo dos paíse do Sul Global, os estudos pós-coloniais vem emergindo dentro das RI, questionando essa lógica de dominação eurocêntrica tanto na epistemologia da disciplina quanto para compreender as dinâmicas internacionais. Nesse quesito, Krishna traz o enfoque nas narrativas eurocêntricas, defendendo que o pós-colonialismo é uma ferramenta de resistência contra a globalização neoliberal e um importante recurso filosófico e político que se opõe ao capitalismo de mercado vigente (KRISHNA, 2009).
Referências:
KRISHNA, Sankaran. Globalization and postcolonialism: Hegemony and resistance in the twenty-first century. Rowman & Littlefield, 2009.
MATA, Inocência. Estudos pós-coloniais: desconstruindo genealogias eurocêntricas. Civitas-Revista de Ciências Sociais, v. 14, p. 27-42, 2020.
SARFATI, Gilberto. Teorias de relações internacionais. Editora Saraiva, 2000.
WILKENS, Jan. Postcolonialism in international relations. In: Oxford Research Encyclopedia of International Studies. 2017.
