Keity Oliveira e Lara Lima (acadêmicas do 6º semestre de RI da UNAMA)

O racismo ambiental, termo cunhado nos anos de 1980, pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr, liderança do movimento dos direitos civis da população negra nos Estados Unidos, é uma forma de desigualdade socioambiental que afeta, sobretudo, as comunidades marginalizadas, como pessoas negras, indígenas e pobres. Essas comunidades sofrem os impactos negativos da degradação ambiental e da falta de acesso a recursos naturais e serviços ambientais em um grau mais elevado que populações mais privilegiadas que usufruem de uma maior proteção ambiental.

O racismo ambiental pode se manifestar de diferentes formas, como por exemplo, a localização de lixões e aterros sanitários próximos a comunidades de baixa renda e compostas majoritariamente por pessoas marginalizadas, na poluição do ar em bairros mais pobres, na falta de acesso à água potável e saneamento básico em comunidades rurais e periféricas, entre outros. No contexto da Amazônia, o racismo ambiental se perpetua cotidianamente entre as comunidades amazônidas, sobretudo através de ações estatais que desconsideram sua interação com a natureza.

Em primeiro plano, as populações negras, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, entre outros, denunciam há anos a violação de seus direitos. Na Amazônia, há um destaque para as populações tradicionais, no que diz respeito aos grandes empreendimentos implantados na região amazônica, que causam a perda dos territórios e das vidas dos povos que lutam por eles. Devido a vulnerabilidade social desses grupos, esses cenários vêm se tornando cada vez mais frequentes.

Em 1980, surge o Movimento de Justiça Ambiental nos EUA, que observou a questão da distribuição dos benefícios e males da produção de mercadorias, percebendo assim que os benefícios são para os brancos de alta e média renda, enquanto os males, como resíduos poluentes, se concentram nas áreas onde habitam comunidades pobres e negras.  Deste modo, o movimento levantou a hipótese de que se tratava de uma prática discriminatória (Acselrad, 2020).

Dessa forma, afirmou-se a desigualdade ambiental, e o movimento exigiu medidas que tornassem a situação mais justa, o que permitiu a abertura de debates sobre essa temática que é de fundamental importância. O movimento veio para o Brasil em 1988, para se unir com o movimento negro brasileiro, objetivando evitar as injustiças ambientais sobre as comunidades negras e indígenas.

Segundo o pensador Henri Acselrad (2020), profundo conhecedor da temática ambiental brasileira, ao manifestar-se uma condição de desigualdade ambiental que afeta diretamente a população não-branca, somos direcionados a dois níveis. O primeiro nível é o da observação empírica e o segundo é o da percepção e expressão dos próprios sujeitos sociais. 

No caso do Brasil, no plano empírico, vemos as crescentes evidências da convergência entre as práticas relacionadas ao racismo estrutural e as práticas que produzem desigualdades ambientais, como ausência de saneamento básico, assentamentos urbanos precários e risco de desastres, etc (Acselrad, 2020).

Nesse sentido, as populações negras e indígenas sofreram discriminação a séculos, não tendo de forma justa direito a saúde, educação, terra, entre outros. Esses fatores convergiram do modo como os cidadãos descendentes de escravos e as populações indígenas habitam nas áreas desvalorizadas pelo mercado imobiliário, onde se vê falta de saneamento, má qualidade do ar, habitação situada perto de áreas de risco como barragens de rejeitos e outros.

Por sua vez, as comunidades tradicionais que moram na floresta amazônica também sofrem com o racismo ambiental, no qual são constantemente despossuídas de suas terras, das águas, da floresta e do seu ambiente, devido a invasão do agronegócio, grilagem, mineração, garimpeiros, madeireiros, etc. As comunidades tradicionais que vivem transitando entre a cidade e a floresta, ou que moram somente na cidade, também estão localizados em áreas desvalorizadas e precarizadas (Acselrad, 2020).

Na Amazônia, temos grandes projetos de empreendimentos que fomentam o racismo ambiental. Somente no Pará, temos exemplos como Belo Monte, Tucuruí, a Transamazônica, a extração de bauxita em Oriximiná, garimpo ilegal, dentre outros.

Grande parte de desses projetos se concentram em terras indígenas (TIs) ou próximas a elas, exclusivamente o garimpo ilegal, que é proibido pela Constituição Federal e causa impactos imensos nos direitos das comunidades tradicionais (Tapajós e Castro, 2023).

Em pesquisa realizada pela WWF-Brasil em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e o Iepé (Instituto de Pesquisa e Formação Indígena), mostram como os impactos ambientais refletem diretamente na natureza e na saúde humana, e na vida dos povos indígenas, como também das populações tradicionais da Amazônia e dos indivíduos que vivem nas cidades próximas à floresta.

Um dos exemplos citados é o do consumo de peixes em seis estados brasileiros, sendo estes Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, que sofrem com a contaminação de mercúrio, acima de 21,3%, que passa o limite de segurança estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A pesquisa foi realizada por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Greenpeace, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil (Oliveira, 2023).

Ademais, segundo estudo realizado pelo MapBiomas em 2022, entre 2010 e 2021 no Brasil, o garimpo aumentou 625% em TIs e as terras indígenas mais afetadas foram as dos Kayapó (11,5 mil hectares), dos Munduruku (4,7 mil hectares) e dos Yanomami (1,5 mil hectares).  Conforme um levantamento feito pela HAY (Hutukara Associação Yanomami), em conjunto com o ISA (Instituto Socioambiental), é evidenciado como a presença dos garimpeiros cresceu em 54%, somente em 2022, na TI Yanomami (Tapajós e Castro, 2023). 

De acordo com o relato da liderança indígena do Alto Rio Negro, Fernando Tukano, na década de 80, antes da demarcação dos territórios, as regiões habitadas por indígenas já era tomada por garimpeiros e que os indígenas acreditavam que viveriam bem, que conseguiram ter dinheiro, casa e comida. Porém, o ouro não passou de uma ilusão e hoje, se tornaram uma parcela da população que mais sofre e que vive em condição de pobreza, devido a destruição das terras.

Auricélia Arapiuns, indígena do Baixo Tapajós, afirma que a presença do mercúrio, que é utilizado pelo garimpo, é uma questão social e ambiental grave, pois a atividade está diretamente ligada com o aumento do desmatamento, à contaminação da água, dos peixes, sedimentação dos rios, a grilagem de terras e o forte crescimento das violências e assassinatos. A aparição dos garimpeiros em terras indígenas também aumenta a proliferação de doenças, como a leishmaniose e malária (Tapajós e Castro, 2023). Situações que identificam o racismo ambiental penetrado no cotidiano dessas populações.  

Nesse sentido, preservar a Amazônia é proteger as comunidades vulneráveis, através da conservação das TIs e dos demais territórios pertencentes aos amazônidas, como benefício mútuo para todos, pois são eles, os principais guardiões da floresta e seus territórios são de suma importância para o controle do desmatamento e das mudanças climáticas.

Portanto, é necessário que haja medidas de enfrentamento ao racismo ambiental na Amazônia, região que está diretamente ligada a populações mais vulneráveis e as transformações ambientais. A ministra Anielle Franco, do ministério de Igualdade Racial, anunciou em agosto, a criação do Comitê de Monitoramento da Amazônia Negra e Combate ao Racismo Ambiental (Planalto, 2023). É esperado que a criação da instância possa propor medidas para a promoção da igualdade racial nos munícipios e estados da Amazônia Legal e para a proteção e protagonismo da região e dos povos que vivem nela.

Diante do tema exposto, recomendamos dois documentários sobre a temática. O primeiro se chama “A Última Floresta”, de 2021, dirigido pelo cineasta Luiz Bolognesi e contou com o apoio do xamã Davi Kopenawa Yanomami. A longa retrata o cotidiano da tribo Yanomami e a luta constante para preservar a floresta de garimpeiros e madeireiros, além de proteger seus territórios. O documentário está disponível para ser assistido na Netflix, através do link a seguir:

< https://www.netflix.com/br/title/81503933?preventIntent=true >

O segundo se chama “Os filhos de Katrina” (2022), dirigido por Edward Buckles e que aborda as consequências do Furacão Katrina, em 2005, em comunidades marginalizadas de Nova Orleans. No longa, o cineasta que tinha 13 anos quando o furacão ocorreu, dá voz aos que foram expulsos de suas casas e abandonados pelo governo da época. Está disponível para ser assistido nos serviços de streaming da Prime Video e HBO Max.

Evidencia-se a importância do Blog Combate Racismo Ambiental, que publica textos sobre o racismo ambiental, injustiças sociais, vulnerabilidade de grupos étnicos e discriminação da raça, dentro outros, para conscientizar a sociedade mundial. Também trabalha em parceria o CECIP e o Projeto Currículo Global que divulgam as mensagens do blog por seis escolas de São Paulo e em outras 35 espalhadas pelo mundo. Para mais informações, acesse:

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Por fim, destaca-se o trabalho feito pelo Instituto Todos Juntos Ninguém Sozinho, que nasceu em 2020 durante a pandemia da Covid-19 ao ajudar famílias que perderam sua renda por não estarem trabalhando ou exercendo atividades remuneradas por conta do confinamento. Mesmo após a pandemia, a organização sem fins lucrativos continua ativa e seus principais objetivos são o combate a fome, a pobreza e o racismo ambiental, contribuindo com o desenvolvimento de chefes de família, seus filhos e jovens através de programas e projetos oferecidos nas comunidades, escolas e espaços físicos e/ou digitais na busca por justiça climática e igualdade racial. Para mais informações, acesse:

Instagram: < https://www.instagram.com/institutotjns/ >

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri. Ambiente, desigualdade e racismo. Por Henri Acselrad. Blog Combate Racismo Ambiental. Publicado em:29 de dezembro de 2020. Disponível em: < https://racismoambiental.net.br/2020/12/29/ambiente-desigualdade-e-racismo-por-henri-acselrad//> Acesso em: 25 de novembro de 2023.

OLIVEIRA, Valéria. Peixes consumidos pela população em 6 estados da Amazônia têm contaminação por mercúrio, indica estudo. G1. Publicado em: 30 de maio de 2023. Disponível em: < https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/05/30/peixes-consumidos-pela-populacao-em-6-estados-da-amazonia-tem-contaminacao-por-mercurio-indica-estudo.ghtml > Acesso em: 25 de novembro de 2023.

PLANALTO. Anielle Franco anuncia monitoramento da Amazônia Negra e enfrentamento ao racismo ambiental. Publicado em: 06 de agosto de 2023. Disponível em: < https://www.gov.br/planalto/pt-br/assuntos/cupula-da-amazonia/mais-noticias/anielle-franco-anuncia-monitoramento-da-amazonia-negra-e-enfrentamento-ao-racismo-ambiental > Acesso em: 27 de novembro de 2023.

TAPAJÓS, Ayla; CASTRO, Fábio. Indígenas alertam sobre os graves impactos do garimpo em seus territórios. WWF-BRASIL. Publicado em: 26 de abril de 2023. Disponível em: < https://www.wwf.org.br/?85520/Indigenas-alertam-sobre-os-graves-impactos-do-garimpo-em-seus-territorios > Acesso em: 25 de novembro de 2023