
Keity Oliveira e Lara Lima (acadêmicas do 6º semestre de RI da UNAMA)
A Zona Franca de Manaus é definida pelo Decreto-Lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, em seu artigo 1º, como “uma área de livre comércio de importação, exportação e incentivos fiscais” (Brasil, 1967). Nesse sentido, estabeleceu-se na Amazônia, um centro composto por polos econômicos, dotados de condições econômicas que permitissem seu desenvolvimento em face dos fatores locais e da grande distância que se encontravam os centros consumidores de seus produtos.
No entanto, a riqueza gerada pelo modelo industrial que se encontra até os dias atuais em vigência, contrasta com os problemas sociais enfrentados no Amazonas, com uma capital populosa e inchada, e um interior do Estado ainda carente de políticas públicas de desenvolvimento, capazes de suprir a necessidade econômica e que levem em conta, a conjuntura da região e das populações locais.
A criação das Zonas Francas pelos Estados nacionais, que tinham como principal expoente os modelos dos Estados Unidos a partir dos anos 1930 (conhecidas como Foreing Trade Zones), foi a alternativa encontrada para promover uma industrialização voltada à exportação, incentivada com isenções fiscais, na busca por novos mercados aos produtos acabados (Leocádio, 2016). Com a ampliação da influência das empresas multinacionais no sistema econômico internacional, as zonas francas se tornaram opções de instalações de suas filiais em vários países, ao mesmo tempo em que inspiraram outros a adotarem o modelo com pequenas alterações.
Nessa perspectiva, o Brasil é considerado o primeiro país a criar um modelo de zona franca diferente do modelo tradicional dos Estados Unidos, porque ao criar a Zona Franca de Manaus (ZFM), no Estado do Amazonas, definiu que esta seria voltada a atender o mercado interno. Diferentemente do modelo estadunidense, a ZFM foi instalada em território amazônico, com sérios entraves logísticos e distante da costa marítima e do grande mercado consumidor interno.
Em primeiro plano, a modernização do aparelho estatal, associada à sua crescente intervenção na economia e no território, se acelerou e se tornou contínuo com o processo de ocupação da Amazônia durante o período militar no país. A fase inicial do planejamento regional (1930-1960) correspondeu à implantação do “Estado Novo” por Getúlio Vargas, no entanto, as ações efetivas começaram a ocorrer somente no governo de Juscelino Kubitschek com a implantação das rodovias Belém-Brasília e Brasília-Acre, em 1958 (Becker, 2001).
Dessa forma, a implantação das duas rodovias acentuou a migração que já se efetuava em direção a Amazônia, crescendo a população regional de 1 para 5 milhões entre 1950-60, de modo acelerado desde então. A partir de 1966-85, o Estado iniciou um novo e ordenado ciclo de devassamento amazônico com a modernização de instituições como o Banco da Amazônia (BASA) e a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Ainda na década de 1960, é criada a Zona Franca de Manaus, enclave industrial em meio à economia extrativista e próximo a fronteira norte (Becker, 2001).
Porém, o projeto geopolítico se apoiou, sobretudo, em estratégias territoriais que implementaram a ocupação regional. Henri Lefebvre conceituou essa estratégia nacional como “a produção do espaço” pelo Estado (Lefebvre, 1978). Segundo o autor, após a construção do território pelo Estado, este passa a produzir um espaço político para exercer o controle social, constituído de normas, leis e hierarquias.
Para a sua consolidação, impõe sobre o território uma malha de duplo controle – técnico e político – constituída de diversos tipos de conexão e redes, capazes de controlar fluxos e estoques, tendo as cidades como base logística para a ação. Essa malha, conhecida por “malha programada” (Becker, 2001) foi implantada entre 1965-85, na Amazônia, visando completar a apropriação física e o controle do território.
A ZFM foi criada no contexto da política da Industrialização de Substituição de Importações (ISI) e se transformou em estratégia de ocupação da região sob o mote de “integrar para não entregar” da Operação Amazônia contra eventual intervenção internacional. Aprovada oficialmente pelo Decreto nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, foi apontada pelo governo federal como alternativa de integração econômica regional, dada a desigualdade em nível de desenvolvimento entre as regiões Norte e Sudeste, sobretudo após o declínio do comércio de borracha.
Passados 56 anos desde a sua criação, a ZFM propiciou desenvolvimento econômico, sobretudo para Manaus, que passou a ser uma das capitais com maior renda per capta do país. A concentração do Polo Industrial em Manaus (PIM) causou um boom urbano na cidade com sua população de 300 mil habitantes, na década de 1970, para mais de 2 milhões, em 2015, (Leocádio, 2016) segundo estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Esse crescimento urbano, resultado da migração de pessoas vindas de estados vizinhos, contribuiu para o estrangulamento no planejamento da capital que cresceu de forma desordenada, com ocupações irregulares demandantes de serviços públicos como saneamento básico, distribuição de água e de energia.
A política industrial da ZFM beneficia cerca de 500 firmas e seu faturamento está concentrado em grandes multinacionais como a LG, Samsung, Harley-Davidson e Michelin. Apesar de mais de 80 mil pessoas serem diretamente empregadas no PIM, no ano de 2019, apenas cerca de 5% do faturamento dessas indústrias era repassado aos trabalhadores (Schutze e Bines, 2022). Além de não beneficiar de forma relevante seus empregados, a ZFM se apresenta como uma competição desleal para todo o país pela isenção do Imposto sobre produtos industrializados e a redução do imposto de importação concebidas na ZFM, que faz com que as mercadorias produzidas do PIM em outras regiões sejam comparativamente muito caras, logo, inviáveis.
Os beneficiados por esse modelo, ou seja, as multinacionais que se concentram em grandes lobbys no estado do Amazonas, combatem qualquer medida que prejudique as operações na ZFM, como as tentativas do governo federal de reduzirem os tributos nacionais e a oposição do lobby da ZFM sob a justificativa de que menores impostos para as firmas brasileiras significariam diminuição das vantagens das empresas na região, que já não pagam esses tributos.
O principal argumento de defesa da ZFM se pauta nas desigualdades regionais e que sem a existência dela, as firmas deixariam de gerar dinamismo econômico na região Norte. Além disso, ainda alegam que a continuidade do modelo é responsável por frear o desmatamento no Amazonas, sob a lógica de que, caso desempregados, os trabalhadores da ZFM estariam desmatamento, justificativa que ignora as altas taxas de queimadas na região em 2023, produtos do desmatamento desenfreado ligado ao território.
Mesmo após mais de 50 anos do modelo, a região de Manaus segue com indicadores socioeconômicos muito inferiores á média nacional, conforme Schutze e Bines (2022). O contraste entre a riqueza gerada pelo modelo industrial de benefícios fiscais contrasta diretamente com os problemas sociais enfrentados no Amazonas, capital populosa e inchada, e ainda carente de políticas públicas de desenvolvimento, capazes de suprir a necessidade econômica e que levem em conta, as características sociais e culturais de sua população.
Em consonância com o que já foi mencionado, é indispensável repensar uma nova reformulação para a ZFM, que englobe as características econômicas, sociais e culturais da sociedade local. Também é necessário haver incentivos de políticas públicas para engendrar um planejamento Urbano, que venha sanar as problemáticas, como o racismo ambiental e conter a crescente violência, que se dá devido à expansão desordenada da cidade.
Diante do tema exposto, recomendamos o documentário “Balbina, o Marco da Destruição” (1990), dirigido por Luiz Fernando Santor e enfoca sobre a construção da usina hidrelétrica Balbina, construída em 1980, em Manaus (AM), e os impactos causados na região. O longa retrata a situação dos ribeirinhos que tiveram seus recursos escassos, devido a poluição do rio e os indígenas que tiveram suas terras tomadas, foram excluídos em guetos e afetados por novas doenças. O documentário está disponível para ser assistido no Youtube, através do link a seguir:
< https://youtu.be/qDbhdWz-xAY?si=NXHCeR9QnOv293vN >
Também recomendamos a leitura do livro “Zona Franca de Manaus: Ame-a ou deixe-a em nome da floresta” (2018), da autora Thaís Brianezi, que aborda um certo tipo de revelação e provocação no título do texto. No livro ela sugere para além de uma defesa plebiscitária, da qual empresários, políticos e demais forças sociais deveriam debater uma verdadeira sustentabilidade econômica, social e ecológica para o modelo da ZFM. Está disponível para a compra no site da Amazon, através dos links a seguir:
< https://www.amazon.com.br/Zona-Franca-Manaus-Ame-deixe/dp/8575127721 >
Por fim, evidencia-se a importância da ONG Mata Viva, Organização não Governamental preocupada com a Amazônia e seus igarapés. Trabalham com o igarapé Água Branca e buscam a conservação das áreas de preservação ambiental no Tarumã, Manaus|AM. Também atuam com ações voltadas para a educação ambiental e preservação do meio ambiente.
Site: < https://mataviva.org/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/SOS.AguaBrancamibex >
Instagram: < https://instagram.com/aguabranca >
REFERÊNCIAS
BRASIL. DECRETO-LEI N° 288, DE 28 DE FEVEREIRO DE 1967. Planalto. 28 de fevereiro de 1967. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0288.htm#:~:text=Del0288&text=DECRETO%2DLEI%20N%C2%BA%20288%2C%20DE%2028%20DE%20FEVEREIRO%20DE%201967.&text=Altera%20as%20disposi%C3%A7%C3%B5es%20da%20Lei,a%20Zona%20Franca%20de%20Manaus. > Acesso em: 10 de dezembro de 2023.
BECKER, Bertha. Revisão das políticas de ocupação da Amazônia: é possível identificar modelos para projetar cenários?. 2001. Disponível em: < https://docs.ufpr.br/~adilar/GEOPOL%C3%8DTICA2019/Geopolitica%20da%20Amazonia/Amaz%C3%B4nia_Pol%C3%ADtica%20de%20ocupa%C3%A7%C3%A3o.pdf > Acesso em: 10 de dezembro de 2023.
LEFEBVRE, Henri. De l’ État. Paris: Antropo, 1978. Acesso em: 10 de dezembro de 2023.
LEOCÁDIO, Ana Cláudia Pereira. Zona Franca de Manaus: realidade e perspectivas diante das transformações do mercado internacional. 2016. 27 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Relações Internacionais) – Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: < https://bdm.unb.br/handle/10483/17669 > Acesso em: 10 de dezembro de 2023.
SCHUTZE, Amanda; BINES, Luiz. O que fazer com a Zona Franca de Manaus?. Nexo. Publicado em: 03 de agosto de 2022. Disponível em: < https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/2022/O-que-fazer-com-a-Zona-Franca-de-Manaus > Acesso em: 10 de dezembro de 2023.
MENDES, Karla. Zona Franca de Manaus: entenda como funciona e quais os impactos para a região. G1. Publicado em: 25 de outubro de 2021. Disponível em: < https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/10/25/zona-franca > Acesso em: 10 de dezembro de 2023.
