
Alice Cardoso – 4º semestre
Historicamente o continente africano tem sido um lugar de exploração e de conflitos a séculos, sobretudo devido a intervenção de países ocidentais como França, Inglaterra e Estados Unidos, este ultimo sendo o cerne deste artigo.
Em fevereiro de 2007 o então presidente dos EUA George W. bush criou a AFRICOM (Comando dos Estados Unidos para a África) com o objetivo oficial de construir um ambiente seguro e estável, reduzir conflitos, melhorar a segurança, derrotar o extremismo violento e oferecer apoio aos países do continente em caso de crise. (ADAM e SCHUTZ, 2019) Em 2017 o comandante da AFRICOM, Thomas D. Waldhauser, disse que eles tinham como proposito capacitar os estados visados pelos extremistas para enfrentar tal situação. (DW, 2017)
Todavia, muitos enxergam a iniciativa estadunidense como uma forma de recolonização do continente africano, como A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC em inglês) que se recusou a albergar a sede da AFRICOM, devido a isso a sede oficial fica em Stuttgart na Alemanha. Além disto, analistas tinham receio que a AFRICOM acabasse por transformar a África em um campo de batalha entre os EUA e grupos terroristas, bem como a ameaça de fragilizar a independência do continente.
Os EUA alegam ter uma presença moderada no continente, no entanto diversas evidencias levam a crer o contrário. Segundo as informações divulgadas pelo conselheiro cientifico da AFRICOM, Peter E. Teil, em 2018 haviam 34 bases militares dos Estados Unidos espalhadas pela África com grandes construções ao norte, oeste e no chifre da África. Adam Moore, especialista na atuação americana na África, afirma ainda que os estadunidenses estabeleceram um dos maiores, se não o maior, complexo de drones do mundo em Djibouti e estavam começando a construção de uma base de drones ainda maior em Agadèz no Niger. (THE INTERCEPT, 2018)
O jornalista premiado Nick Turse, que tem mais de uma década de reportagens sobre os movimentos do pentágono na África, expõe em seu livro “Tomorrow’s Battlefield: U.S. Proxy Wars and Secret Ops in Africa” as ligações entre as guerras secretas feitas pela AFRICOM e os diversos conflitos étnicos, religiosos e econômicos nas regiões africanas. Turse mostra em seu livro que nos locais onde se iniciavam operações ditas contra o terrorismo novos grupos extremistas surgiam. (OPERAMUNDI, 2023)
De acordo com o jornal Responsible Statecraft ao menos 15 oficiais apoiados e treinados pelos EUA estavam envolvidos em 12 golpes de estado na África ocidental e no Sahel que vem ocorrendo desde 2008. A tomada de poder ocorrida no Níger, em 26 de julho deste ano, foi realizada pela junta nigeriana chamada Conselho Nacional para Salvaguardar a Pátria, que nomeou 5 oficiais militares treinados nos Estados Unidos para chefiar cinco das oito regiões do Níger divididas pela junta. O Pentágono declarou que as instruções realizadas pela AFRICOM não levam a motins, porém investigações realizadas por um antigo analista do Departamento de Defesa dos EUA indicam o oposto da declaração (THE INTERCEPT, 2023)
A teoria pós-colonial das Relações internacionais argumenta que as experiências coloniais e os processos de descolonização continuam a moldar significativamente as relações internacionais contemporâneas. Ela examina as formas como o colonialismo afetou as estruturas de poder, as identidades culturais, as economias e as instituições ao redor do mundo. (TOLEDO, 2021) Sendo assim, as relações de poder na África continuam a ser regidas por países hegemônicos que exploram o continente africano em busca de benefícios próprios. As recentes ações dos EUA na África podem ser vistas como uma forma de exploração e colonização moderna que acabam por provocar e até mesmo financiar os conflitos no continente.
Seguindo esta ótica de analise a respeito das ações estadunidenses realizadas no continente africano, o dilema de segurança, criado por John Herz, diz que os Estados ao se munirem de artimanhas em prol da sua própria segurança podem como consequência gerar insegurança em outros Estados que por sua vez também buscarão aumentar a sua proteção, causando uma constante e crescente sensação de insegurança no sistema internacional que é anárquico. (HERZ,1950) Neste sentido, as ações estadunidenses ditas como para ajudar o continente africano, mas que servem como uma forma de garantir o domínio da região e por fim a segurança do país nas questões tangentes ao continente, geram insegurança na região e abrem espaço para golpes, derrubadas de poder e o surgimento, ou ressurgimento, de grupos terroristas.
Isto posto, podemos analisar a influencia norte-americana nos conflitos do continente africano a parti da perspectiva pós-colonial e do dilema de segurança, pois as manobras realizadas pelos norte-americanos na África têm caráter neocolonial e problemáticas de segurança que geram as insurreições e os confrontos vistos atualmente.
Referências: ADAM, Gabriel; SCHUTZ, Nathaly. Relações EUA-África: os 10 anos de estabelecimento do Africom (2007-2018). Revista Brasileira de Estudos de Defesa, V.6, N. 2, P. 185-204, 2020.
HERZ, J. H. Idealist Internationalism and the Security Dilemma. World Politics, v. 2, n. 2, p. 157–180, jan. 1950. Níger, neocolonialismo e a geopolítica militar na África. Disponível em: <https://operamundi.uol.com.br/opiniao/82663/niger-neocolonialismo-e-a-geopolitica-militar-na-africa>. Acesso em: 18 dez. 2023.
SCHULTZ, T.; NI; GCS. AFRICOM: “Grupos terroristas” são desafio para África. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-002/africom-grupos-terroristas-s%C3%A3o-desafio-para-%C3%A1frica/a-38903634>. Acesso em: 18 dez. 2023.
TOLEDO, Aureo. (Org). Perspectivas pós-coloniais em relações internacionais. Rio de Janeiro: EDUFBA, 2021.
TURSE, N. A verdade sobre a presença norte-americana na África. Disponível em: <https://www.intercept.com.br/2018/12/25/presenca-norte-americana-na-africa/>. Acesso em: 18 dez. 2023.
TURSE, N. At least five members of Niger junta were trained by U.s. Disponível em: <https://theintercept.com/2023/08/10/niger-coup-us-military-training/>. Acesso em: 18 dez. 2023.
TURSE, Nicky. Tomorrow’s Battlefield: U.S. Proxy Wars and Secret Ops in Africa. Dispactch Books. 19 de maio de 2015. TURSE, N. Niger junta appoints U.s.-trained military officers to key jobs. Disponível em: <https://theintercept.com/2023/08/16/niger-coup-junta-us-military/?utm_campaign=theintercept&utm_medium=social&utm_source=twitter>. Acesso em: 18 dez. 2023b.
TURSE, N. 15 US-backed officers had hand in 12 West African coups. Disponível em: <https://responsiblestatecraft.org/2023/08/23/the-us-hand-in-africas-coups/>. Acesso em: 18 dez. 2023c.
VERMELHO. Africom e a recolonização da África pelos EUA. Disponível em: <https://vermelho.org.br/2010/01/30/africom-e-a-recolonizacao-da-africa-pelos-eua/>. Acesso em: 18 dez. 2023.
