
Mayara Renata Mendes Batalha – Acadêmica do 4º semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
O Natal é constantemente associado a celebrações calorosas, marcadas por trocas de presentes e mesas fartas. No entanto, vale reconhecer que, para muitas pessoas, essa temporada está ligada ao vigente, e persistente, empecilho da realidade brasileira, a insegurança alimentar. Um problema que atinge cerca de 21 milhões de brasileiros que não tem o que comer todos os dias, sendo que 70,3 milhões vivem com a incerteza do acesso regular, permanente e irrestrito de alimentos de qualidade nutricional, segundo o relatório publicado em parceria de agências especializadas da ONU, sobre o Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI) de 2023.
A grande subsistência dessas privações de alimentos de qualidade e quantidade, previsto como direito humano básico inerente a todo cidadão, de fato, não se deve a “escassez total” de produção de recursos, visto que a participação do agro brasileiro no mercado global foi capaz de alimentar 800 milhões de pessoas no mundo em 2021 ou tornando o Brasil como um dos principais produtores agrícolas do cenário internacional hoje (2023), por exemplo.
Mas a um grande contingente de desigualdade na sua distribuição de alimentos que se acentuou de forma abrupta no pós-pandemia de COVID-19 durante a estância do antigo governo e que se evidencia com a instabilidade (aumento e queda) na inflação de alimentos – que afeta principalmente famílias de regiões mais vulneráveis do país – tornando essas atividades econômicas brasileiras amplamente conectadas “às cadeias de suprimentos e exportações globais, limitando assim sua capacidade de proteção aos consumidores internos quando os preços internacionais das commodities sobem”. (The World Bank, 2023)
No mais, a insegurança alimentar e ou “a fome não é um problema de produção nem de polícia, mas político, ou seja, uma questão de relação de poder das corporações transnacionais alimentares”, (ALMEIDA, 2021) que acaba refletindo na mesa de muitas famílias vulneráveis ao redor do mundo. E, no Brasil, durante a temporada das festividades de fim de ano, acaba se gerando uma pressão ao querer proporcionar uma experiência natalina mais tradicional – entende-se como grande fartura alimentar –, mas que atinge o ápice de inflexão, quando as disparidades sociais e econômicas que reverberam na sociedade brasileira se tornam extremamente aparentes.
Desde o início do novo governo em 2023, nota-se a aplicabilidade de políticas nacionais que estimule o combate a esses obstáculos. Dentre as medidas adotadas, o redesenho do Programa Bolsa Família, que é voltado para a diminuição da desigualdade social no Brasil, a implementação de uma estratégia nacional Plano Brasil Sem Fome, a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que é um grande responsável por aproximar a sociedade civil organizada da formulação e implementação de políticas públicas para tirar o país do Mapa da Fome (Conselho Nacional de Saúde, 2023), e que, nesse sentido, resgata o pensamento de um dos grandes influentes do campo das Relações Internacionais e conhecido por suas contribuições acerca da governança global e da interdependência entre atores estatais e não estatais em questões que envolvam o cenário internacional, o cientista político James Rosenau, que explora como temas globais, incluindo a fome e ou segurança alimentar, acabam sendo ampliados para além dos centros tradicionais de poder, fazendo com que a participação de atores subnacionais sejam reverberados nas sociedades para além das fronteiras nacionais, muito embora não diminua a soberania dos Estados. (ROSENAU; CZEMPIEL, 2000)
Diante do que foi exposto, a segurança alimentar e nutricional assume um papel de destaque na formulação de políticas, ao procurar amenizar os desafios enfrentados por muitas famílias brasileiras, ao garantir que os direitos humanos básicos no que diz respeito ao acesso regular, permanente e irrestrito a alimentos de qualidade sejam estabelecidos, principalmente durante o período natalino, onde muitos enfrentam dificuldades financeiras intensas.
No cenário hodierno, a implementação dessas políticas, reflete não apenas como uma preocupação nacional onde se espera a saída do Brasil do Mapa da Fome como outrora já tinha se concretizado, nem como uma preocupação sazonal, mas como um desafio contínuo que exige ações em todas as épocas do ano e que reflete também como resposta às dinâmicas globais destacadas pelo teórico James Rosenau.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Mário Tito. ALÉM DA FOME, O NÃO-ALIMENTO. Internacional da Amazônia, 2021. Disponível em > https://internacionaldaamazonia.com/2021/06/02/alem-da-fome-o-nao-alimento/ < Acesso em: 18 de dezembro de 2023;
Brasil tem 21 milhões de brasileiros passando fome e 70,3 milhões em insegurança alimentar, diz ONU. G1, 2023. Disponível em: < https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/07/12/brasil-tem-101-milhoes-de-brasileiros-passando-fome-e-703-milhoes-em-inseguranca-alimentar-aponta-onu.ghtml > Acesso em: 12 de dezembro de 2023;
CNS acompanha reinstalação do Consea e soma esforços a agenda de Combate a Fome. CNS, 2023. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/2899-cns-acompanha-reinstalacao-do-consea-e-soma-esforcos-a-agenda-de-combate-a-fome#:~:text=Extinto%20em%202019%2C%20o%20Consea,imediato%20à%20Presidência%20da%20República. Acesso em: 12 de dezembro de 2023;
Governo Federal lança Plano para tirar o Brasil do Mapa da Fome. GOV.BR, 2023. Disponível em: < https://www.gov.br/mds/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/governo-federal-lanca-plano-para-tirar-o-brasil-do-mapa-da-fome-novamente > Acesso em: 12 de dezembro de 2023;
Inflação de Alimentos e Insegurança Alimentar. The World Bank, 2023. Disponível em: > https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/publication/brazil-food-insecurity-and-food inflation#:~:text=Enquanto%20o%20índice%20geral%20de,inflação%20e%20da%20insegurança%20alimentar. < Acesso em: 18 de dezembro de 2023;
JESUS, Josimar G; HOFFMANN, Rodolfo. Desigualdade, Insegurança Alimentar e Fome no Brasil. Jornal da USP, 2023. Disponível em: > https://jornal.usp.br/artigos/desigualdade-inseguranca-alimentar-e-fome-no-brasil/ < Acesso em: 12 de dezembro de 2023;
O agro brasileiro alimenta 800 milhões de pessoas diz estudo da EMBRAPA. Embrapa, 2021. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/59784047/o-agro-brasileiro-alimenta-800-milhoes-de-pessoas-diz-estudo-da-embrapa > Acesso em: 12 de dezembro de 2023;
ROSENAU, James N; CZEMPIEL, Ernst-Otto (Org.) Governança sem Governo: Ordem e Transformação na Política Mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: UNB, 2000.
