Railson Silva e Thais Borges (acadêmicos do 7º semestre de Relações Internacionais – UNAMA)

       O campo acadêmico das Relações internacionais é algo recente, remonta ao início do século XX, assim, pode-se considerar um campo com diversos questionamentos a respeito do sistema internacional. Ademais, o desenvolvimento da área tem sido mediante debates entre correntes teóricas diversas que tentam explicar o mundo como ele é. Nessa perspectiva, nas últimas décadas o campo vem abrindo espaço para discussões de teor epistemológico, em especial entre positivistas e pós-positivistas.

        Primeiramente, o filósofo Augusto Comte foi um dos primeiros pesquisadores a propor a utilização de métodos das ciências naturais para as ciências sociais. Ele defendia que a sociedade poderia ser observada e explicada logicamente e racionalmente e que poderia ser tão científica quanto a física ou a biologia (SMITH, 1996). Em especial, Comte acreditava na observação como fonte de se extrair as regularidades do mundo e, a partir delas, propor leis causais evolucionárias, assim, de acordo com ele, existiria uma unidade metodológica da ciência. Sob essa perspectiva, o autor cunhou o termo positivismo para descrever tal abordagem científica (BABBIE, 2001 apud SCHIMANSKI, 2022).

     Dessa maneira, o filósofo influenciou os avanços observados no campo das Relações Internacionais, e seus estudiosos passaram a buscar por regularidades no mundo internacional através da premissa de que estas caracterizam o mundo natural. Assim, a versão mais recente do positivismo utilizado nas ciências sociais e nas relações internacionais se baseia em quatro pontos principais: naturalismo; distinção entre fatos e valores; existência de regularidades no mundo; a validação, via experimentação (SMITH, 1996).

           As Relações Internacionais, como campo de estudo interdisciplinar, nem sempre contou com tamanha diversidade de temas e abordagens, hoje abrangidas pela área. Devido a um fenômeno das ciências sociais chamado Consenso Ortodoxo, quando as RI “nasceram”, já eram positivadas, isto é, fechadas a outros campos do saber. Sob essa ótica, o Primeiro Grande Debate, ocorrido entre 1920 e a segunda grande guerra, apresentava reflexões que tinham tradições humanísticas, sem grandes preocupações com métodos estatísticos de medição ou a formulação de regras gerais.

            Foi somente a partir dos anos 50 que o campo começou a se consolidar e avançar o que se conhece como o Segundo Grande debate, denominado Behaviorismo (ou cientificistas) versus Tradicionalismo (ou humanistas). O positivismo lógico se tornou dominante nos países falantes da língua inglesa, dessa forma, os estudiosos de Relações internacionais, começaram a aplicar métodos científicos “positivistas”, que trouxe uma grande reação por parte dos defensores das premissas tradicionais. Segundo Smith (1996), assim como nas demais ciências sociais, o positivismo nas relações internacionais torna-se, essencialmente, um compromisso metodológico, vinculado a uma epistemologia empiricista.

No final dos anos de 1980 levantou-se um questionamento acerca da formação teórica da filosofia positivista, é a partir dessa movimentação de indagação que o Pós-positivismo se introduz nos debates, acrescentando novas perspectivas ao campo das RI, como o Construtivismo, Pós-Modernismo, teorias de Gênero e Pós-Coloniais.

Nesse sentido, vale desenvolver o conceito de “metateoria”; uma teoria busca criar postulados e princípios para uma determinada área de conhecimento, e a metateoria visa analisar e discutir tais postulados. Das preocupações metateóricas do Pós-positivismo, vale o destaque: 1) o questionamento das premissas e suposições, ou conhecido como perspectivismo, 2) a tendência ao pluralismo metodológico, também chamado de relativismo (LAPID, apud SARFATI, 2000).

O perspectivismo levanta indagações sobre as suposições e premissas que estão contidas nas teorias, a exemplo o debate em torno da anarquia do sistema internacional; partindo do perspectivismo, o lócus da discussão não estaria em afirmar se o sistema é ou não anárquico, mas sim quais são as premissas e suposições que estão por trás do termo, discutindo assim sua metateoria.

Sobre o relativismo, um ponto que diferencia as teorias positivistas das pós-positivistas é que as primeiras partem da afirmativa metodológica de conterem uma verdade única científica, como consequência, as explicações teóricas anulam umas às outras e se estabelecem como verdade absoluta, como por exemplo o Realismo Clássico excluindo os postulados do Idealismo Clássico e vice versa. Por outro lado, com o relativismo, há nas teorias pós-positivistas a concordância de que podem existir várias verdades sobre uma mesma realidade, desconsiderando assim a premissa de realidade objetiva do positivismo. Como resultado, o leque de debates teóricos que surgem no campo das RI passa a ser mais amplo, com teorias que não mais se excluem mutuamente, mas coexistem.

Com isso, vale a análise de uma das perspectivas que surgem do Pós-positivismo: o Pós-Modernismo. Se trata de um movimento que busca investigar as narrativas que constroem os discursos teóricos; dentro das RI, um dos seus principais objetivos é a crítica à imaginada racionalidade presente na disciplina, com a defesa de que não existe uma realidade objetiva das relações internacionais, e portanto, não há teorias objetivas de Relações Internacionais.

O principal alvo das críticas do Pós-Modernismo na disciplina são contra as teorias realistas, nesse sentido, um dos teóricos dessa linha de pensamento, o professor Richard K. Ashley constrói seu trabalho em torno dessa questão. Em The Poverty of Neorealism (1984), Ashley busca segundo suas palavras, desafiar o movimento realista como um todo, partindo com isso a uma análise aprofundada sobre os postulados que estruturam essa corrente.

Como área de estudo, as Relações Internacionais ainda é um campo novo, do início do século XX, em detrimento disto, muitas questões ainda se encontram sem consenso na disciplina. A partir de 1980 as RI passou a discutir o seu teor epistemológico, marcando os debates entre os positivistas e pós-positivistas, é a partir desses embates entre correntes teóricas divergentes que o campo se desenvolve para buscar explicar os fenômenos do sistema internacional (BRAGA, 2013).

O terceiro debate das RI é um tema marcado pela divergência entre pesquisadores, alguns afirmam que se trata de um debate superado, outros que é uma discussão sequer existente. Entretanto, apesar de ideias distintas, é fato que os pensamentos e teorias que vieram ancorados nos postulados pós-positivistas contribuíram para o desenvolvimento da disciplina e leitura a partir de novas perspectivas das relações internacionais. Além de possibilitarem a inserção de vertentes de pensamento ontológica e epistemologicamente variadas, abrangendo discussões que contestam o status quo metateórico das Relações Internacionais, promovendo, assim, a promoção de um ambiente de maior reflexividade que vem se consolidando ao longo do século XXI.

Referências:

ASHLEY, Richard K. The poverty of neorealism. International organization, v. 38, n. 2, p. 225-286, 1984.

BRAGA, Nathalia Rocha Carneiro Ferraz. PERSPECTIVAS POSITIVISTAS E PÓS-POSITIVISTAS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: as divergências epistemológicas levariam a distinções em seu modo de fazer ciência?. PÓLEMOS–Revista de Estudantes de Filosofia da Universidade de Brasília, v. 2, n. 4, p. 58-68, 2013.

FERNANDES, José Pedro Teixeira. Pós-positivismo e ideologia na Teoria das Relações Internacionais. Revista das Relações Internacionais, n. 17, p. 75-83, 2007.

SARFATI, Gilberto. Teorias de relações internacionais. Editora Saraiva, 2000.

SMITH, Steve. Positivism and Beyond. In S. Smith, K. Booth and M. Zalewski (eds.) International Theory: Positivism and Beyond, New York: Cambridge University Press, 1996.

SCHIMANSKI, Silvana. Positivismo X Pós-Positivismo No Campo Teórico Das Relações Internacionais.In: BRAGA, Daniel L. S. (Org),Reflexões e Inovações Nacionais no Século XXI em Ciências Humanas e Sociais, V. 1, Florianópolis, SC: Instituto Scientia, 2022.