
Beatriz de Nazaré – acadêmica do 7° semestre de Relações Internacionais da Unama
Apesar de não estar previsto na Constituição brasileira, o acesso à internet é essencial para a garantia da cidadania e a inclusão digital da população. Sem essa conexão, o cidadão não é capaz de exercer uma série de direitos básicos, como o acesso à informação do próprio governo ou o exercício de sua participação política. No que diz respeito a distribuição desse recurso no território amazônico, percebe-se um enorme abismo em relação às demais regiões, considerando a falta de investimentos em infraestrutura, as barreiras econômicas e a baixa qualidade desse serviço, dentre outras variáveis, que acabam por intensificar a exclusão digital desse território.
O conceito de exclusão digital é designado a partir da ideia de sociedades que são condicionadas à marginalização frente ao fenômeno da sociedade pós-industrial e da ascensão do Ciberespaço (COSTA DE SOUZA SIMAS; SIMAS DE LIMA, [s.d.]) Segundo o sociólogo brasileiro, Sérgio Amadeu da Silveira, a exclusão digital fortalece a miséria e impede o desenvolvimento humano, local e nacional.
Dentre as causas do difícil acesso à internet na região, destacam-se problemas de matriz econômica, sociopolítica e geográfica, que resultam nos desafios da implantação de um infraestrutura de telecomunicação eficaz e inclusiva. A precariedade dos serviços de internet, assim como a desigualdade dos preços de conexão banda larga, como planos oferecidos por provedores de internet locais nada compatíveis com a realidade da renda familiar nas localidades em questão, impactam diretamente na democratização do acesso a internet no Norte do Brasil (VIANNA,2023).
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apenas 58,5% das residências na Amazônia detém internet banda larga, enquanto no restante do país esse número é de 77,9% (GUERREIRO, 2022). A consequência dessa disparidade é refletida em setores como a telemedicina, o ensino a distância, além da segurança e defesa nacional, considerando aspectos como o monitoramento e a regulamentação das atividades ilegais na região, uma vez que, nem mesmos os órgãos responsáveis por tal são resguardados por uma conexão de qualidade que aja em prol de seus esforços no combate ao crime. Michel Foucault advoga que o poder é uma relação de força e portanto não há relação de poder sem resistência (CASTELO BRANCO, 2001). Assim sendo, a ausência dessa ferramenta, dificulta, também, a luta contra a repressão dos povos indígenas e, consequentemente, a denúncia de políticas exploratórias na Amazônia.
Eugênio Trivinho, em seu livro A Dromocracia Cibercultural: Lógica da Vida Humana na Civilização Mediática Avançada (2007), discorre sobre conceitos importantes relacionados aos fenômenos sociais e as teorias da comunicação que refletem nas dinâmicas da Cibercultura. Segundo o autor, a sociedade está condicionada a necessidade da “dromoaptidão”. Para ele, existe uma segregação social que se baseia em indivíduos “dromoaptos”, isto é, aqueles capazes de acessar e se se manter conectado às tecnologias de informação, e os indivíduos “dromo inaptos”, que em outros termos, se referem aqueles que não são capazes de se adaptarem às tecnologias de informação, logo, são postos à margem das práticas da cultura digital (SCHNEIDER et al., [s.d.]).
A oligarquia cibercultural se baseia na elitização da técnica e no conjunto de privilégios do acesso à rede. Enquanto a massa dos segregados, sobre a qual a história espelha a miséria informática, é afetada pela ausência de domínio do capital cognitivo exigido para sua inclusão na cibercultura (TRIVINHO, 2007, p.108).
Uma democracia é falha quando há má distribuição de recursos e injustiça social, diz Robert Putnam (BITTAR,2017). Logo, o déficit democrático vira terreno para interesses externos, nesse caso, interesses privados transnacionais. Em 2022, sob o aval do então governo Bolsonaro, a empresa de internet via satélites geostáticos do magnata Elon Musk, a Starlink, domina o território amazônico com antenas instaladas em cerca de 90% das cidades. Sua ascensão na região nasce com a proposta de promover o suposto “monitoramento ambiental” e, claro, facilitar o acesso à internet em locais mais remotos. No entanto, ao mesmo tempo que essa tecnologia permitiu uma série de avanços nas comunidades que não tinham conexão banda larga, a expansão da Starlink também proporcionou um crescimento exponencial nas atividades ilegais na Amazônia (SENRA, R.; COSTA, C.2023).
Com a facilidade de aquisição e instalação dos equipamentos, se tornou muito comum encontrar antenas da empresa em garimpos, já que essa é a principal ferramenta de comunicação entre os criminosos, que se mantém em constante alerta sobre futuras operações do Ibama via plataformas como o Whatsapp e Telegram. Segundo o órgão, desde o inicio de 2023 ate setembro do mesmo ano, ja foram feitos 32 termos de apreensão das antenas em operações contra o garimpo ilegal. Com destaque para a grande última missão, que recolheu cinco aparelhos da Starlink em garimpos nas terras indígenas do Tapajós (SENRA, R.; COSTA, C.2023).
Em tese, a chegada da Starlink no Brasil, seria justamente com intuito de equipar cerca de 19 mil escolas em áreas remotas e desenvolver um projeto com lema intitulado “Mais proteção, mais conexão”. Mas na verdade, o objetivo principal era realizar a venda das antenas para conexão de internet individual, já que é mais vantajoso para a empresa que o sinal cubra uma ou duas famílias com cerca de sete indivíduos cada, do que cobrir escolas com dezenas e centenas de pessoas de uma vez só (RIBEIRO,2023). Nesse sentido, o domínio desses satélites nas regiões de difícil acesso, levanta discussões sobre a segurança e soberania nacional, uma vez que sua presença dificulta o controle do próprio estado sob seus territórios.
Portanto, é de suma importância que todas as instâncias da sociedade reconheçam os desafios da inclusão digital na Amazônia como pauta prioritária nas discussões que envolvem a redução da desigualdade social e regional no Brasil. Quando se pensa em democratização do acesso a internet, se pensa também na garantia da cidadania, e sem a assistência necessária e um olhar delicado às particularidades do território em questão, a região constituinte desta vasta floresta tropical se torna vulnerável à ação externa e ao apagamento digital de sua população.
Referências
BITTAR, M. Apresentação. Revista Eletrônica de Educação, v. 11, n. 1, p. 5–8, 31 maio 2017.
CASTELO BRANCO, G. As resistências ao poder em Michel Foucault. Trans/Form/Ação, v. 24, n. 1, p. 237–248, 2001.
COSTA DE SOUZA SIMAS, D.; SIMAS DE LIMA, J. DESAFIOS DA INCLUSÃO DIGITAL NO INTERIOR DO AMAZONAS E A INTERNET COMO FERRAMENTA DE REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS. [s.l: s.n.]. Disponível em: https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/563/2019/09/6-9.pdf
GUERREIRO, 2022. Internet e Povos da Floresta: como ampliar a conectividade na Amazônia? Disponível em: https://arapyau.org.br/internet-para-os-povos-da-floresta-como-ampliar-a-conectividade-na-amazonia/#:~:text=A%20Amaz%C3%B4nia%20ainda%20vive%20%C3%A0%20margem%20da
RIBEIRO, A. B. Caixa de ferramentas. Disponível em: https://radionovelo.com.br/originais/apresenta/caixa-de-ferramentas/. 2023
SCHNEIDER, H. et al. Reflexos da Dromocracia Cibercultural na Educação Contemporânea 1 Reflections of Dromocracy Cybercultu- ral in Contemporary Education. [s.l: s.n.]. Disponível em: https://periodicos.ufs.br/revtee/article/download/2268/1939/6185.
SENRA, R.; COSTA, C. “Elon Musk: Starlink domina internet na Amazônia.” BBC, 20 October 2023, https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2edkw84zmo
SILVEIRA, Sergio Amadeu da. Inclusão digital, software livre e globalização contra hegemônica. In: SILVEIRA, José Amadeu e CASSINO, João (org.). Software livre e inclusão digital. São Paulo: Conrad do Brasil, 2000, p. 29.
TRIVINHO, Eugênio. A Dromocracia Cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática avançada. São Paulo: Paulus, 2007.
VIANNA, R. Internet na Amazônia é limitada, cara e de baixa qualidade. Disponível em: https://desinformante.com.br/internet-amazonia/
