
Juliany de Lima Vidal – acadêmica do 3° semestre de Relações Internacionais da Unama
Considerada um dos maiores exemplos do imperialismo europeu, a Índia conquistou sua independência somente em 15 de agosto de 1947, pondo fim à longa dominação britânica na região. A Índia é um território historicamente composto por variados grupos étnicos e expressões culturais e para compreender como se deu seu processo de independência é necessário conhecer os primórdios da ocupação britânica e seu apogeu.
O início das relações entre o Império Britânico e o território indiano, localizado ao sul do continente asiático, se deu no século XVII devido ao interesse comercial dos ingleses que visavam principalmente as especiarias da região. Assim, o domínio britânico foi introduzido a partir do estabelecimento da Companhia Britânica das Índias Orientais, uma empresa comercial que era controlada de forma indireta pela Coroa inglesa. (ARAUJO, 2023)
Durante esse período, o território indiano estava sob a influência do Império Mogol (também conhecido como Império Mughal) que apoiava o comércio com os europeus desde que os resultados fossem benéficos para ambas as partes. Entretanto, a Companhia Britânica das Índias Orientais detinha cada vez mais o monopólio comercial e explorava a região de maneira mais intensa. Dessa forma, em 1757 o governador de Bengala, Siraj-ud-Daula, apoiado pela França, organizou uma revolta contra a Companhia Britânica das Índias Orientais e atacou seu principal porto, o porto de Calcutá, no conflito que ficou conhecido como a Batalha de Plassey. A vitória foi conquistada pelos britânicos, garantindo-lhes mais autoridade e controle sobre o território indiano. (BARBEDO, 2017)
O que se observou a partir desses acontecimentos foi a intensificação da expansão britânica a partir do início do século XVIII. Segundo Araujo (2023) aos poucos se estabeleceu um processo de desintegração da identidade indiana, à medida que as manifestações culturais dos grupos da região eram inferiorizadas pelos colonizadores, a exemplo da implementação da língua inglesa como língua oficial e a religião cristã em detrimento das variadas linguagens e religiões que já existiam entre os habitantes locais.
Devido a essa ocidentalização que estava sendo imposta, um dos principais marcos da resistência indiana perante a Companhia Britânica das Índias Orientais foi a Revolta dos Cipaios, que teve início em 1857. Os Cipaios eram soldados indianos que serviam ao exército da Companhia, sob ordens de oficiais britânicos de alta patente. Dentre os motivos da insatisfação dos cipaios estava o fato dos superiores britânicos não respeitarem o sistema de castas indiano, colocando soldados de castas superiores e castas inferiores no mesmo espaço.
Destaca-se também, a questão religiosa como uma das razões que contribuíram para o crescente descontentamento. Isso aconteceu porque os cipaios suspeitavam que os britânicos utilizavam sebo de boi e banha de porco, inadmissíveis para os hindus e muçulmanos, respectivamente, na embalagem dos cartuchos dos fuzis. Como os soldados precisavam usar os dentes para abrir a embalagem, eles acabavam ingerindo o material animal. Logo a revolta ganhou força, mas foi contida pelos ingleses no ano seguinte. (OLIVEIRA, 2018)
Como resultado, a Coroa passou a administrar a colônia de forma direta e a Companhia Britânica das Índias Orientais foi dissolvida. O Império também adotou uma postura mais moderada, oferecendo cargos públicos e políticas voltadas para os indianos. Nota-se que apesar do insucesso, a Revolta dos Cipaios foi fundamental para a construção da luta pela independência. (OLIVEIRA, 2018)
O século XX foi marcado pelo neocolonialismo das potências europeias na África e na Ásia e a dominação do Império Britânico sobre a Índia marcou as relações de poder desse período. Após a Primeira Guerra Mundial, duas figuras se tornaram reconhecidas pela organização da resistência do território indiano: Jawaharlal Nerhu e Mohandas Gandhi, conhecido como Mahatma Gandhi, título que significa “Grande Alma”.
Assim, o movimento nacional indiano em prol da independência ganhou força e cresceu com as ações dessas personalidades, que se tornaram rostos importantes dentro do movimento, especialmente Gandhi que propagou o pacifismo e a desobediência civil, conquistando milhões de apoiadores e ganhando reconhecimento internacional devido a sua estratégia da não-violência, denominada Satyagraha.
Alguns dos fatos mais relevantes dessa política foram os jejuns praticados por Gandhi, além do incentivo às greves e à autossuficiência indiana, a partir do estímulo à produção dos seus próprios tecidos, rompendo com o monopólio da Coroa britânica sobre o mercado. A Marcha do Sal (1930) também foi uma ação de destaque, em que os indianos começaram a produzir o próprio sal em protesto às restrições que os proibiam de extrair o sal e os obrigava a comprar o produto importado da Inglaterra. (ROSENBERG, 2019)
Mesmo tendo sido preso várias vezes, Gandhi não perdeu sua influência na região e durante a Segunda Guerra Mundial, maiores pressões foram feitas pelo movimento de luta em prol da independência. Assim, em 15 de agosto de 1947, a Grã-Bretanha concedeu a independência da colônia, dando origem à Índia, de maioria hindu, e ao Paquistão, de maioria muçulmana. Porém, alguns radicais hindus culpavam Gandhi pela divisão do território em dois países, fazendo com que o líder pacifista fosse assassinado com tiros à queima-roupa em 1948. (ROSENBERG, 2019)
Diante do exposto, pode-se aplicar a teoria pós-colonial das Relações Internacionais para analisar esse fato histórico e seus desdobramentos na contemporaneidade. Segundo Sabino (2023), os estudos pós-coloniais buscam identificar as formas de poder entre o colonizador e o colonizado, a fim de propor a conscientização sobre como essa relação era a base da formação das teorias de superioridade europeia em relação aos demais povos e as consequências desse processo em várias partes do globo.
Percebe-se que o eurocentrismo esteve presente desde os primórdios da relação Índia-Inglaterra, a exemplo da já mencionada Revolta dos Cipaios, onde os britânicos impuseram sua cultura aos indianos, desconsiderando e inferiorizando suas crenças e tradições. Por isso, a partir da perspectiva pós-colonial, tem-se o pensamento teórico de Edward Said com sua obra “Orientalismo”, considerada de grande importância para esta corrente teórica e para a disciplina de Relações Internacionais pelo fato de trabalhar com os conceitos de Ocidente e Oriente. Nela, Said identificou como a relação entre Ocidente e Oriente é uma relação de dominação e opressão, em que o Oriente é uma construção discursiva da Europa com o intuito de reafirmar uma suposta “superioridade cultural”. (NETO, 2017)
Depreende-se, portanto, a importância dos estudos pós-coloniais para o entendimento das principais questões referentes ao colonialismo exercido pela Europa ao redor do mundo, a exemplo do processo ocorrido na Índia, conforme foi exposto neste artigo.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, João Paulo Santos; SILVA, Thaynara Castro. Índia: a desigualdade e pobreza como consequência da colonização britânica, um olhar pós-colonial. 2023. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/cadec/article/view/19840/13377#:~:text=Os%20resultados%20da%20pesquisa%20apontaram,p%C3%B3s%2D%20independ%C3%AAncia%2C%20o%20sistema%20de. Acesso em: 04 jan. 2024.
BARBEDO, Guilherme Sampaio. Relações Índia-Paquistão: Uma análise a partir da independência sob o prisma da segurança regional. 2017. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/handle/prefix/13569. Acesso em: 04 jan. 2024.
NETO, Barnabé Lucas De Oliveira. Pós-colonialismo e Relações Internacionais. 2017. Disponível em: https://www.eumed.net/rev/cccss/2017/04/poscolonialismo-relacoes.html#:~:text=A%20perspectiva%20p%C3%B3s%2Dcolonial%20parte,e%20para%20quem%20o%20produz. Acesso em: 04 jan. 2024.
OLIVEIRA, Jerônimo Carlos Nóbrega De. Resistência e repressão: Um olhar pós-colonial sobre a política imperialista britânica durante a revolta dos cipaios. 2018. Disponível em: https://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/handle/123456789/17523. Acesso em: 04 jan. 2024.
ROSENBERG, Jennifer. Biography of Mohandas Gandhi, Indian Independence Leader. ThoughtCo, 2019. Disponível em: https://www.thoughtco.com/mohandas-gandhi-1779849. Acesso em: 03 jan. 2024.
SABINO, Luíza Wehbe. As teorias pós-coloniais, as teorias decoloniais, suas diferenças e a construção de uma nova forma de pensamento. 2023. Disponível em: https://desconstrucaodiaria.com/2023/03/20/as-teorias-pos-coloniais-as-teorias-decoloniais-suas-diferencas-e-a-construcao-de-uma-nova-forma-de-pensamento/. Acesso em: 04 jan. 2024.
