Railson Silva (acadêmico do 7º semestre de RI da UNAMA)

Embora as grandes reverberações e transformações que o campo das Relações Internacionais vem sofrendo ao longo dos anos, o realismo, ainda hoje, continua sendo a principal corrente teórica no que diz respeito às análises sobre a atual conjuntura internacional. Contudo, tal vertente não consegue tratar de certas particularidades contemporâneas, haja vista grande complexidade que representa a arena internacional. E apesar dos estados terem adotado um ambiente mais cooperativo e menos tenso, a racionalidade realista sobre a sobrevivência ainda permanece em sua essência. Assim, o interesse nacional continua prevalecendo nas decisões estatais, entretendo, há um novo redirecionamento de tais decisões voltadas para a integração e cooperação financeira.

A princípio, a anarquia apresentada na abordagem clássica realista, presente nos pensamentos de Thomas Hobbes e Tucídides, não deixaram de ser costume nas relações interestatais, haja vista as novas formas de cooperação. Tal fato abre espaço para outras formas de garantia da sobrevivência baseadas em premissas consideras “tangíveis”. Assim, as novas formas de implementação do pensamento realista nas relações políticas levam em consideração fatores morais e princípios contemporâneos, fatores estes que por muito tempo foram rejeitados pela teoria clássica realista.

A obra clássica Vinte Anos De Crise (1919-1939) de Edward Carr, trata da ausência de uma regulamentação internacional capaz de promover um sistema confiável e seguro. O período entre guerras, na qual a obra foi escrita, representa o auge da teoria realista. Contudo, tal preponderância acadêmica durou até os anos de 1970 com a diminuição do papel estatal e a consolidação da democracia, assim surgem novos debates nas discussões interestatais como, por exemplo, as relações culturais entre os povos.

Ademais, a ideia de globalização trouxe um afrouxamento nas premissas realistas frente a nova ordem mundial. Surgem, então, discussões voltadas para ganhos financeiros reais, seja através do comércio ou por meio de investimentos, logo percebe-se que um ambiente cheio de hostilidade atrapalharia os negócios que os estados tanto desejam realizar. Dessa maneira, o foco deixa de ser prioritariamente militar tendo em vista o grande gasto de uma manutenção de uma força militar constante. Logo, essa linha de pensamento substitui a noção clássica Hobbesiana de “guerra de todos contra todos”, tendo em conta que um conflito constante seria um inconveniente aos atores do sistema.

Nesse sentido, as populações passaram a cobrar de seus governantes ações internas ao invés de gastos excessivos com aparatos de segurança. Logo surge uma articulação de fatores internos para essas mudanças: “a evolução natural das coisas na última geração invalidou toda uma argumentação econômica a favor dos conflitos armados” (NEVES,2009 apud SANTOS, 2018)

Sob essa perspectiva, o alto custo de manutenção de forças militares e o grande gasto com compra de armamentos seriam um dos fatores desmotivadores do realismo clássico. Assim, a vertente realista passa por uma nova dimensão de entendimento teórico, possibilitando a inserção de uma governança global mesmo em um sistema predominantemente anárquico, tal fato favorece o surgimento de uma nova linha de pensamento, o neorrealismo.

A existência de uma ideia de uma nova ordem mundial colabora para uma disseminação de propostas de integração regional, ganhando bastante pertinência a partir dos anos 1990 e incentivando a relativização do realismo. Para as grandes potências tratava-se de uma forma de garantir que as ações estatais seriam mais previsíveis, gerando uma confiabilidade por parte dos envolvidos, além de favorecer mecanismos de sobrevivência institucionais com base em acordos e tratados, sem a necessidade de arcar com grandes custos militares. Assim, os mais fortes garantiriam uma boa forma de manter seu status quo dominante, assim:

 “A ordem política estável só é possível porque existe uma autoridade suprema que deriva da necessidade de superar a natureza intrinsecamente conflituosa da sociedade. E essa autoridade suprema só é aceita pelas partes em conflito porque não apenas garante os grandes contra a ameaça de anarquia como também garante o povo contra a ameaça de opressão proveniente da ambição dos grandes” (ALBUQUERQUE, 2005, p.23 apud SANTOS, 2018).

Com ameaças internacionais cada vez mais comuns, a cooperação visando o combate de ameaças “assimétricas” da atualidade como, por exemplo, o terrorismo e o tráfico de drogas, se tornou uma forma de expressar uma convergência de interesses e valores contra atores não-estatais.

Em suma, o realismo continua sendo preponderante nas relações internacionais, embora a busca pelo poder ainda ser exercida pelos mecanismos tradicionais, o novo realismo trata de uma busca pelos mesmos preceitos clássicos, porém sob outras condições. Além disso, os países continuaram agindo por si próprios em situações extremas, buscando sempre melhores condições de garantir sua sobrevivência mediante acordos coletivos, gerando assim uma interdependência entre os estados, mas uma interdependia em que todos possuem interesses implícitos, sejam eles menores ou maiores.

Referencias:

CARR, Edward H. Vinte Anos de Crise. Brasília, IPRI – Ed. UnB. 2001 

SANTOS, Rafael M. R. O realismo contemporâneo e a inserção de novas percepções de segurança e ameaça na teoria clássica. v. 2 n. 2 (2018): Almanaque, v. 2, n. 2

NEVES, André Luiz. Teoria das Relações Internacionais. Petrópolis: Vozes, 2009.