Heitor Sena Passos – acadêmico do 7° semestre de Relações Internacionais da Unama

A crescente cooperação internacional no âmbito da saúde entre Brasil e os países africanos é uma temática que extrapola o campo de análise das teorias mainstream de RI, uma vez que, como será abordado posteriormente, baseia-se em fatores subjetivos compartilhados entre os agentes. Desse modo, há de se considerar o sistema internacional e os interesses que nele vigoram partindo do paradigma construtivista, particularmente sobre como fatores referentes à identidade dos agentes influenciam no fortalecimento dos laços entre eles.


Primeiramente, é de nota que para os construtivistas, apesar de reconhecerem a anarquia como característica do sistema internacional, as ações dos agentes não são determinadas por ela, sendo a identidade e os interesses dos Estados moldados a partir da forma como estes interagem dentro do sistema (WENDT, 1999). Sendo assim, apesar de o sistema internacional ser reconhecidamente anárquico, essa anarquia não necessariamente direciona os estados à lógica de concorrência, sendo possível cultivar relações de cooperação e estabilidade a depender da forma de como os Estados percebem a si e a outros Estados (IBIDEM). Ademais, a dinâmica interna de um país também é essencial para definir como este se irá relacionar com outros países no sistema internacional.


Para Wendt (1992), estruturas sociais como a cultura e as instituições atuam como condicionantes não apenas da forma como os agentes se comportam mas também suas identidades e interesses, logo, a política do poder é uma construção social, fruto de um contexto e de um histórico de interações que a produziu e que portanto pode ser transformada com o passar do tempo. A compreensão do contexto interno e da construção social da interação entre o Brasil e seus parceiros no continente africano é indispensável para elucidar a relevância da cooperação entre estes no campo da Saúde.


A cooperação técnica internacional no campo da saúde é uma iniciativa que busca trazer benefícios mútuos para os países envolvidos, especialmente no que se refere à troca de conhecimento, melhoria na prevenção e na resposta à doenças e transferência de tecnologia. Além disso, a cooperação também pode contribuir para o estabelecimento de parcerias estratégicas para um país.


No contexto das relações entre Brasil e países africanos, a promoção da cooperação no âmbito da saúde ganhou força durante os primeiros mandatos do presidente Lula, especialmente com os países que falam a língua portuguesa. O estreitamento das relações mostrou-se interessante para o Brasil, que buscava diversificar seus parceiros através de iniciativas de cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento, reparar a dívida histórica com o continente africano consequente do período de escravidão no Brasil, e, além disso, buscava apoio internacional para sua candidatura a um assento permanente no CSNU (Pasqualin e Garcia, 2011). Por outro lado, a cooperação técnica também contribui para o enfrentamento de doenças prioritárias.


Em Setembro de 2023, um acordo bilateral entre Brasil e Angola marcou um novo passo na cooperação brasileira com países africanos. O acordo destaca desafios em comum que ambos os países enfrentam, como o caso de doenças tropicais, além de celebrar a participação da Fiocruz na formação técnica de profissionais nos países africanos de língua portuguesa assim como na pesquisa e no desenvolvimento de vacinas e medicamentos (FIOCRUZ, 2023).

Sendo assim, percebe-se que a cooperação com o Brasil também se mostra benéfica para a melhoria da saúde nos países africanos, assim como esta pauta volta a ganhar relevância na política externa brasileira com a volta de Lula à presidência.


Assim sendo, faz-se necessário destacar a importância de fatores que concernem à identidade dos agentes para o estabelecimento da cooperação internacional entre eles. Posto isto, como mencionado anteriormente, fatores como a língua portuguesa compartilhada, a condição de pertencimento ao Sul Global, aspectos raciais e a presença de doenças comuns em regiões de clima tropical são instrumentais para possibilitar e favorecer o surgimento de iniciativas de cooperação no campo da Saúde.


Por fim, percebe-se também que a aproximação entre o Brasil e os países africanos ganhou força durante os governos de esquerda, muito pela inclinação que estes governos tiveram em buscar por novos parceiros internacionais, na promoção do desenvolvimento, da igualdade racial e da cooperação internacional. Sendo assim, a parceria entre Brasil e África no setor da saúde tem sua base construída a partir das identidades compartilhadas entre eles, assim como atende tanto às necessidades dos países africanos quanto garante ao Brasil parcerias estratégicas no sistema internacional.

Referências:

FIOCRUZ. Com participação da Fiocruz, Brasil e Angola reforçam laços de cooperação em saúde. FIOCRUZ, Rio de janeiro, 19 set. 2023. Disponível em:
https://portal.fiocruz.br/noticia/com-participacao-da-fiocruz-brasil-e-angola-reforcam-lacos-de-cooperacao-em-saude Acesso em: 2 set. 2023.

PASQUALIN, Livia de Oliveira; GARCIA, Tatiana de Souza Leite. Mapeamento dos projetos de cooperação horizontal Brasil-África em países de língua oficial portuguesa na área da saúde entre 2000-2010. 2011

WENDT, Alexander. Anarchy is What States Make of it:The Social Construction of Power Politics. International Organization, v.46, n.2, 1992

WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge; Cambridge University Press, 1999.