
Enzo Di Lucca Souza- Acadêmico do 3° semestre de Relações Internacionais da Unama.
A eleição geral 2024 dos Estados Unidos, será uma das mais importantes da história moderna do país. Estarão na cédula de votação a renovação completa de todos os 435 assentos da Câmara dos Representantes, equivalente à câmara dos deputados no Brasil, atualmente com uma frágil maioria partido Republicano. Também estará em disputa dois terços do Senado Americano, que se encontra sob a tênue maioria do partido Democrata. Entretanto, o ápice máximo da disputa certamente será pela Presidência dos Estados Unidos, no momento ocupada pelo Democrata Joe Biden, que poderá enfrentar novamente seu oponente de 2020, Donald Trump, o candidato favorito a vencer as primárias do Partido Republicano.
Desde as eleições de 2020, os Estados Unidos passaram por um verdadeiro turbilhão de crises políticas domésticas e instabilidades internacionais. A invasão do Capitólio por apoiadores fanáticos do então Presidente Donald Trump em 6 de janeiro de 2021 marcou os últimos instantes turbulentos de sua presidência. Já sob o comando de Joe Biden, o vencedor em 2020, ocorreram a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, os entraves entre o Governo e um Congresso polarizado na aprovação das mais urgentes legislações domésticas, como a elevação do limite da dívida pública em 2023, e o apoio irrestrito dos Estados Unidos a Israel em sua guerra contra o Hamas. Esses foram alguns dos marcos mais significativos do Governo de Joe Biden até o início de 2024.
Estes acontecimentos somados a outros fatores como o manejo da economia, da imigração e da política externa do país certamente estarão na mente dos eleitores estadunidenses ao escolherem seus representantes em 2024.
Entretanto, antes das eleições gerais, para os membros e filiados dos partidos Democrata e Republicano, a jornada até o 5 de novembro já se inicia agora, em janeiro, nas chamadas eleições primárias, que selecionarão os candidatos que disputarão os cargos em jogo.
Do lado dos Democratas, é praticamente certo que Joe Biden, o atual Presidente, será o candidato do partido para a reeleição, dada a tendência histórica de um presidente incumbente nunca perder a eleição primária de seu partido na história moderna dos Estados Unidos. Entretanto, caso seja o candidato definitivo dos Democratas, Biden terá de enfrentar um eleitorado muito mais hostil ao que o levou ao poder em 2020, dada a sua baixíssima popularidade de apenas 38% (Five Thirty Eighth), preocupações com sua avançada idade, sendo o presidente mais velho da história dos Estados Unidos com 81 anos, e críticas à sua política externa, mais recentemente em seu apoio irrestrito a Israel.
Se do lado Democrata as dúvidas e incertezas são pontuais, no partido Republicano, essas estão fortemente presentes na realidade usualmente caótica das primárias em que participa Donald Trump. O ex-presidente, derrotado nas urnas em 2020, lidera atualmente as intenções de voto das primárias com uma maioria absoluta de 61% (Five Thirty Eight). No entanto, Trump enfrenta atualmente 91 casos criminais, sendo réu em 4 deles, os quais podem ameaçar legalmente a candidatura de Trump, caso ele seja escolhido candidato pelo partido Republicano à presidência. Os processos envolvendo o nome do ex-presidente abrangem uma série de possíveis crimes, desde fraude fiscal, desvio indevido de documentos sigilosos para sua residência em Mar-a-Lago, Flórida, obstrução de justiça e a mais grave de todas, com pena de até 55 anos de reclusão: Trump é acusado de conspiração para defraudar o governo americano após suas tentativas de reverter sua derrota em 2020 (G1). É importante ressaltar que Donald Trump nunca reconheceu sua derrota eleitoral e, até hoje, alega, sem provas concretas, que a mesma foi fraudada a favor de Joe Biden.
Porém, além de Donald Trump, outros nomes batalham pela nomeação em uma disputa que, dada a liderança absoluta do ex-presidente, se limita ao segundo lugar. Entre eles estão a conservadora Nikki Haley, ex-governadora do estado da Carolina do Sul e ex-embaixadora dos EUA na ONU, Ron DeSantis, candidato notoriamente transfóbico de extrema-direita e atual governador da Flórida, Chris Christie, ex-conselheiro de campanha de Trump em 2020, hoje desafeto do ex-presidente, e Vivek Ramaswamy, empresário que se coloca firmemente contra as políticas de sustentabilidade ambiental e igualdade social.
Em suma, o panorama geral das primárias estadunidenses e suas possíveis implicações nas eleições gerais podem ser analisadas sob a ótica da vertente neorrealista das relações internacionais. Destaca-se, nesse contexto, um de seus autores mais proeminentes, o professor e estudioso Kenneth Waltz. A visão de Waltz, detalhada em sua obra “Theory of International Politics”, pode ser aplicada à análise de como mudanças de liderança em um país podem influenciar a política externa.
Segundo o neorrealismo de Waltz, os Estados buscam primordialmente garantir sua sobrevivência no sistema internacional. Mudanças políticas internas podem levar a alterações nas estratégias de segurança e nas relações com outros Estados, à medida que líderes eleitos podem adotar diferentes abordagens em relação à política externa. **Grandes potências, como os Estados Unidos, podem ser estabilizadoras ou desestabilizadoras do sistema internacional (Waltz), influenciando alianças, acordos, conflitos e o comportamento dos Estados no cenário internacional.
Para Waltz, tal como Morgenthau, a política, principalmente a internacional, é um jogo de poder. No entanto, o cenário doméstico, especialmente em uma eleição tão importante quanto a eleição presidencial estadunidense, também possui a capacidade de mudar completamente o comportamento de um Estado tão poderoso quanto os Estados Unidos, dependendo do vencedor.
De qualquer modo, independente dos resultados das primárias, os Estados Unidos enfrentarão um dos períodos eleitorais mais instáveis e belicosos de sua história desde as eleições de 2000 e 2020.
Referências:
Entenda como serão as eleições primárias nos EUA e veja como será o calendário de campanha. G1, 2024.Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/01/02/entenda-como-serao-as-eleicoes-presidenciais-nos-eua-e-veja-como-sera-o-calendario-da-campanha.ghtml Acesso em: 6 de janeiro, 2024.
HOW popular is Joe Biden?. Five Thirty Eighth, 2024. Disponível em: https://projects.fivethirtyeight.com/biden-approval-rating/ Acesso em: 10 de janeiro, 2024.
MORGENTHAU, Hans J. Politics among nations: the struggle for power and peace. New York: Alfred A. Knopf, 1948. 618 p.
THE Latest Update On The 2024 Republican Presidential Primary. Five Thirty Eighth, 2024.Disponível em: https://projects.fivethirtyeight.com/2024-republican-primary-updates/ Acesso em: 10 de janeiro, 2024.
Sant’Anna, Lourival . Réu em 4 processos, Trump dividirá tempo de campanha entre palanques e tribunais. CNN Brasil, 2023.Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/reu-em-4-processos-trump-dividira-tempo-de-campanha-entre-palanques-e-tribunais/ Acesso em: 6 de janeiro, 2024.
WALTZ, Kenneth N. Theory of international politics. New York: McGraw-Hill, 1979. 251 p.
