Ana Mel da Silva Grimath

Keity Silva de Oliveira

Lara Victoria Araújo Lima

O Sistema Internacional está em constante mudança, assim como as políticas que o constroem e os meios que são utilizados para consolidar essas políticas. Partindo do pressuposto das novas tecnologias e meios de impactar e modificar as políticas colocadas no S.I, as imagens, ou iconografias, são um exemplo dessa nova forma de movimentar o sistema internacional. Com o advento da tecnologia, a propagação dessas imagens se torna ainda mais rápida e de fácil acesso. As imagens se apresentam no cenário internacional como um meio de instigar o visualizador a várias interpretações ou delimitar o pensamento. É utilizada como meio de poder. Essas representações, símbolos e signos nas políticas internacionais têm grande importância, uma vez que destacam seu papel na formação do conhecimento e na percepção das relações globais.

A Virada Estética surge com o intuito de desafiar as bases epistemológicas e metodológicas das Relações Internacionais postas pelas teorias mainstream, que utilizavam de métodos tradicionais para analisar a política internacional a partir de uma análise da realidade como ela “realmente é”, excluindo perspectivas voltadas para a sensibilidade ou imaginação. A sensibilidade estética passa a ser, segundo Bleiker (2018), percebida como uma maneira de repensar as políticas globais que emergem de outras formas de conhecimento que estão além da razão instrumentalizada.

A insegurança alimentar gerou preocupação e pauta global perante o cenário das guerras entre as nações, disputas que escancararam a problemática da fome no mundo. Castro (1980) dialoga que num mesmo território nacional, as necessidades humanas podem ser, e muitas vezes são, diferentes, o que torna perceptível a relação alimento-homem como uma questão política que pode gerar desigualdade social, necessitando da atuação e cooperação global para mitigar a fome.

Historicamente, a população indígena dependia, em maior ou menor grau, da agricultura, caça, pesca e coleta para sua subsistência. Diante da diminuição de seus territórios por conflitos socioambientais, instabilidade da garantia dos direitos e transformação de seus princípios produtivos, a fome ameaça diversas comunidades indígenas no Brasil que vivem em situação de maior vulnerabilidade, corroborando para o aumento de taxas de insegurança alimentar nas Terras Indígenas (TIs). A Terra Indígena Yanomami (TIY) foi homologada por decreto federal em 1992, e seu território equivale a 9.664.975 hectares, com a presença de 370 diferentes comunidades. É a maior Terra Indígena do Brasil, com uma área equivalente maior do que Portugal. Em 2023, estima-se que a população Yanomami somada nos dois territórios latino americanos corresponda a 37 mil pessoas, sendo que, no Brasil, são 27 mil indivíduos (Brasil, 2023).

Os desafios enfrentados por esse povo iniciam a partir da abertura de rodovias na Amazônia e a procura intensa por ouro na década de 1970, década essa conhecida pelo plano nacional-desenvolvimentista brasileiro, desenvolvido durante a ditadura militar. É a partir desse momento que o povo Yanomami é invadido, roubado e assassinado. Os crimes cometidos na terra Yanomami e contra as comunidades não parou no século XX. Nos últimos 4 anos, a TIY sofreu grandes crimes contra a humanidade, contra os direitos humanos. Em 2022/2023 o caso de desnutrição desse povo tomou conta da mídia nacional e internacional. Dados do Ministério da Saúde mostravam que 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis no território Yanomami, entre 2019 e 2022, correspondendo a um aumento de 29%, comparado a 2015-2018. Dentre as doenças que mataram essas crianças estão: desnutrição, pneumonia e diarreia (Braga, 2023). Paulo Basta, médico da Fiocruz, afirmou que o estado nutricional das crianças Yanomami só é comparável aos dados de crianças da África Subsaariana (Braga, 2023).

Sendo assim, os povos tradicionais do Brasil, especialmente o povo Yanomami, sofre com a negligência estatal em assegurar os seus direitos básicos desde que o direito interno foi definido, mas, mesmo antes do aparato jurídico ser instalado no país, a partir da invasão dos estrangeiros em suas terras, os indígenas enfrentam grandes problemas. Roland Bleiker, ao apresentar a iconografia como uma alternativa de visão da política internacional afirma que diferentes aspectos e entendimentos podem ser percebidos, quando que, em comparação com as formas tradicionais de política internacional, não conseguiriam abrir portas para enxergar essas novidades.

O caso das fotos dos Yanomami, além de expor abertamente essa problemática que já vinha sendo enfrentada pela comunidade há anos dentro dos atores que não tinham conhecimento pode ser citado a sociedade civil ou até mesmo os órgãos governamentais responsáveis por assegurar a sua proteção-, elas também dão margem para esses mesmos grupos interpretarem o caso. Desde quando a desnutrição passou a ser um tema de segurança internacional? Por que a exposição dessas fotos preocupou tanto o governo da época? Perguntas como essas passaram a ser feitas a partir da repercussão das fotos dos Yanomami. Dessa forma, entende-se o quanto a iconografia influencia a tomada de decisão governamental e também a projeção da imagem internacionalmente. Se o antigo governo imaginou que o caso Yanomami seria mais uma das situações de garimpo e desmatamento invisíveis na Amazônia, se enganou ao perceber a proporção que as imagens geraram e o impacto que elas causaram.

Em síntese do que já foi mencionado, a iconografia dos Yanomami reverberou na mídia internacional e escandalizou no mundo com as fortes imagens divulgadas dos indígenas em situação de desnutrição. A grave situação de saúde e segurança alimentar sofrida pelos Yanomami, se intensificou mais ainda com a omissão do estado brasileiro em assegurar a proteção do território frente ao aumento de garimpos ilegais na reserva. A luta dos povos tradicionais é antiga, pois constantemente os seus direitos são violados e é necessário a criação e ampliação de políticas públicas pensadas para as dinâmicas sociais, culturais e econômicas desses povos.

REFERÊNCIAS

BRAGA, Oswaldo. O que você precisa saber para entender a crise na Terra Indígena Yanomami. Instituto Socioambiental. Publicado em: 31 de Janeiro de 2023. Disponível em: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/o-que-voce-precisa-saber-para-entender-crise-na-terra-indigena-yanomami.

BRASIL. Dados do censo 2022 revelam que o Brasil tem 1,7 milhão de indígenas. Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Publicado em: 07 de agosto de 2023. Disponível em: < https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/dados-do-censo-2022-revelam-que-o-brasil-tem-1-7-milhao-de-indigenas#:~:text=Em%202022%2C%20o%20n%C3%BAmero%20de,da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20total%20do%20pa%C3%ADs. >

BLEIKER, Roland (ed.). Visual global politics. Abingdon: Routledge, 2018.

CASTRO, J. Geografia da fome (o dilema brasileiro: pão ou aço). 10a. Ed. Rio de Janeiro: Antares Achia- mé, 1980.