Alice Cardoso – 5º semestre de R.I da UNAMA

A guerra civil de Serra Leoa se iniciou em 23 de março de 1991 e teve fim em 18 de janeiro de 2002. Antes da guerra se instaurar o país já enfrentava situações alarmantes com um alto índice de pobreza, corrupção e má gestão governamental, no entanto, o país também possuía uma grande reserva de diamantes. As minas de diamantes de Serra Leoa foram descobertas em 1930 e desde então passaram a ser bastante cobiçadas, especialmente por países da Europa, tais interesses causaram um aumento na corrupção exacerbada do país e associados a crise social e econômica levaram a diversas manifestações populares. É neste cenário de insatisfação popular que surge Fodday Sankon, líder do grupo guerrilheiro nomeado Frente Revolucionária Unida (FRU), cujo principal objetivo era derrubar o governo central de Serra Leoa e tomar o controle para si. (RESC, 2015)

Inicialmente o exército do país contou com apoio do Grupo de Monitoramento da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOMOG) e da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) para defender o governo vigente, no entanto, 1 ano depois o próprio exército protagonizou a derrubada do governo e a FRU continuou com seus ataques. (OCI, 2021)

A FRU se utilizava dos recursos naturais do país, diamantes, para conseguir armas. A exemplo disso é a negociação da guerrilha com o presidente da Libéria, Charles Taylor, que comprava e escoava os diamantes de Serra Leoa para o seu país e em troca fornecia armamentos para os guerrilheiros. O uso dos diamantes foi tão crucial para a duração da guerra, que acarretou na morte de várias pessoas, que foi criado o termo “Diamante de sangue”. (RESC, 2015)

Em 1995 a ONU, em conjunto com a Organização da Unidade Africana (OUA), realizou negociações para solucionar o conflito resultando em eleições realizadas em 1996 onde o exército reconheceu a vitória dos candidatos eleitos. Porém, a FRU não reconheceu a vitória de tais candidatos e continuou os ataques. É então que o enviado especial das Nações Unidas, Berhanu Dinka, tentou estabelecer um novo acordo de paz que foi frustrado devido ao novo golpe de estado, ocorrido em março de 1997, o qual mais uma vez foi realizado pelo exército, mas desta vez em parceria com a Frente Revolucionária Unida. (OCI, 2021)

Ainda em 1997 o Conselho de Segurança das Nações Unidas estabeleceu sob o país um embargo de petróleo e armas que ficou sob a responsabilidade da CEDEAO e do ECOMOG. No mesmo ano houve a tentativa de se estabelecer mais um acordo de paz no qual o principal objetivo era organizar o cessar-fogo por meio da promoção da cooperação entre a ONU, CEDEAO, ECOMOG e a ACNUR para que cada uma destas organizações ficasse responsável por cumprir as ações coerentes com suas respectivas funções para dar fim ao conflito. (OCI, 2021)

Já em 1998, após mais um ataque em conjunto da junta do exército e da Frente Revolucionária Unida, o ECOMOG instituiu um ataque militar que acarretou na dissolução da junta. O Grupo de Monitoramento da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental recebeu críticas pelo ataque devido a alegações que o mesmo teria agido sem autorização, contudo o ECOMOG justificou o ataque alegando as práticas cruéis do governo contra a população civil de Serra Leoa. (OCI, 2021)

Foi apenas em 2002, com o apoio do governo britânico que se conseguiu capturar os líderes da guerrilha e parar o avanço da FRU. (RESC, 2015) No fim, estimasse que mais de 14 mil pessoas foram recrutadas para os confrontos durante a guerra, entre elas a maioria eram crianças que se tornaram as chamadas “crianças soldados” que foram persuadidas e por vezes obrigadas a lutar tanto pela FRU quanto pelo exército do país. (VIEIRA, 2012) Além dos crimes humanitários que ocorreram – como estupro, mutilação genital e amputação de membros – houveram cerca de 50.000 a 75.000 civis mortos, 1.5 milhões de civis deslocados e 430 de civis vítimas de destruição de propriedade. (OCI, 2021). Charles Taylor, o presidente da Libéria, foi julgado no Tribunal Penal Internacional e condenado em 2018 por seus crimes contra a humanidade realizados durante esse conflito. (VEJA. 2012)

Em “Homo Sacer: O poder Soberano e a Vida Nua” Giorgio Agamben, um filosofo italiano, caracteriza o conceito do Homo Sacer, ou vida nua, que seria usado para descrever as pessoas que são despidas de humanidade pela sociedade, ou seja, aquelas que passam a não mais serem consideradas como seres humanos e que, portanto, perdem os privilégios e direitos dos mesmos, logo a morte do homo sacer não seria considerada homicídio. Agamben diz que toda sociedade delimita quem serão os homo sacer com base na conveniência de suas ações estatais. Isto posto, podemos analisar tanto as ações dos governantes, os quais regiram durante a guerra civil de Serra Leoa, – que usaram crianças como soldados- quanto a do Ex-presidente da Libéria que além de se utilizar do conflito para obter lucro, com os diamantes, também ajudou a aumentar a violência oferecendo mais armas para os guerrilheiros. Ambos traçaram as pessoas, principalmente as crianças e civis, de Serra leoa como “vidas sem valor” em prol de conseguir atingir seus objetivos próprios. 

Por fim, compreende-se que a Guerra civil de Serra Leoa, que durou cerca de 11 anos e teve como consequência inúmeros mortos e feridos, pode ser analisada através da perspectiva do “Homo sacer” do Filosofo Giorgio Agamben, haja vista as diversas vezes nas quais a população do país foi deixada de ser vista e tratada como seres humanos com direitos inalienáveis. 

Referências:

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O Poder Soberano e a Vida Nua. UFMG. 2004

Charles Taylor, o homem que afundou uma região no terror. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/mundo/charles-taylor-o-homem-que-afundou-uma-regiao-no-terror&gt;. Acesso em: 15 jan. 2024.

Homo sacer, sujeitos abandonados ao crime. Disponível em: <https://appoa.org.br/correio/edicao/240/homo_sacer_sujeitos_abandonados_ao_crime/158&gt;. Acesso em: 15 jan. 2024.

JACOBINA, J. P. Guerra Civil de Serra Leoa – 18 de janeiro de 2002 » Relações Exteriores. Disponível em: <https://relacoesexteriores.com.br/guerra-civil-serra-leoa-18-janeiro/&gt;. Acesso em: 15 jan. 2024.

LACOMGLIDE, P. Estudos Africanos: 1990, Guerra na Serra Leoa. Disponível em:<https://saudenacomunidade.wordpress.com/2015/11/06/resc-e151/&gt;. Acesso em: 15 jan. 2024.

Serra Leoa entre Guerra Civil e UNAMSIL – Observatório de Crises InternacionaisObservatório de Crises Internacionais – Conheça o Observatório de Crises Internacionais Observatório de Crises Internacionais, 6 dez. 2021. Disponível em: <https://sites.ufpe.br/oci/2021/12/06/serra-leoa-guerra-civil-e-unamsil/&gt;. Acesso em: 15 jan. 2024

VIEIRA, Maurício. Promover a paz ou prolongar conflitos: a dualidade das missões de paz da ONU em Serra Leoa. Tese de Doutorado. FEUC. 2012.