
Ana Paula Praxedes, acadêmica do 3° semestre de Relações Internacionais na UNAMA.
“Despojado do meu nome e identidade
Na terra que nutri com minhas próprias mãos?
[…]
Oh, senhores, Profetas,
Não perguntem aos arbustos seus nomes
Não perguntem aos vales quem é sua mãe
Da minha testa irrompe a espada de luz
E da minha mão jorra a água do rio
Todos os corações das pessoas são minha identidade
Então, tirem meu passaporte.”
— Mahmoud Darwish, “O Passaporte”.
Nascido em 13 de março de 1941, na região de al-Birwa, Palestina, Mahmoud Darwish foi um renomado poeta e escritor, internacionalmente reconhecido por dar luz às adversidades enfrentadas pela população palestina. Com a fundação do Estado de Israel em 1948, Darwish testemunhou os massacres perpetrados pelo exército israelense durante o Nakba, levando sua família a buscar refúgio no Líbano. Seu retorno à terra natal um ano depois foi considerado clandestino, conferindo-lhe a designação de “refugiado interno” e “estrangeiro presente-ausente” (ACADEMY OF AMERICAN POETS, s.d.).
Durante a juventude, Darwish enfrentou a repressão das autoridades israelenses em virtude de seu ativismo político. Denominado “poeta da resistência”, foi submetido à prisão domiciliar por recitar poesias permeadas por reflexões acerca das complexidades sociopolíticas da ocupação israelense na Palestina. Em 1970, deixou novamente al-Birwa para estudar em Moscou, na então União Soviética, e posteriormente viveu em Cairo, Londres, Paris e Túnis, na Tunísia (BRITANNICA, 2024).
Celebrado como preeminente poeta palestino, Darwish inaugurou sua trajetória literária com a publicação, aos 22 anos, de sua primeira coleção, Folhas de Oliveira (Dār al-‘awda). Ao longo de sua carreira, publicou dezenas de coleções de poesia e prosa, traduzidas para mais de vinte línguas, sendo agraciado com inúmeras premiações e homenagens em diversos países.
De 1987 a 1993, integrou o comitê executivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), e foi encarregado de redigir a declaração da independência proferida pelo Conselho Nacional da Palestina em 1988. Mais tarde, renunciou ao seu cargo devido à sua oposição ao Acordo de Oslo. Após 26 anos em exílio, foi-lhe permitido retornar à Palestina, estabelecendo-se em Ramallah, na Cisjordânia. Mahmoud Darwish faleceu em 2008, em Houston, Texas, em decorrência de complicações após um procedimento cirúrgico cardíaco (CLARK, 2008).
Seus primeiros trabalhos refletem primordialmente seu lamento frente à ocupação de sua terra natal e às injustiças infligidas a seu povo. Enquanto voz da diáspora palestina, o escritor personificou a identidade fragmentada do indivíduo, impedido de regressar ao lar e sujeito à marginalização, invisibilidade e exclusão no exterior. Suas ponderações acerca da identidade revelam as preocupações do poeta com o pertencimento a um lugar, a uma cultura e uma história compartilhada. Os poemas de Darwish buscam explicar a perda de uma cultura nacional, os traumas do deslocamento e do luto, e o horror da violência (JAIN, 2022).
Suas obras, amálgamas da tradição milenar da poesia árabe e da sensibilidade contemporânea, evidenciam a importância da linguagem como um dos principais marcadores da identidade de um indivíduo e de um grupo. Dessa forma, escrever em árabe torna-se uma forma de resistência contra o opressor, transformando a língua também em lar para aqueles que estão exilados ou deslocados. Ademais, seu enfoque no indivíduo como um dos elementos distintivos de sua poesia, com o ser humano ocupando o epicentro de suas reflexões, implica conferir voz ao “outro”, ao seu “inimigo”. Tal perspectiva proporciona a desconstrução de argumentos e preconceitos enraizados, incidindo sobre uma temática sensível ao delinear e provocar justificativas da ideologia colonialista, fundamentadas em premissas políticas e religiosas.
Desse modo, é possível analisar a trajetória político-literária de Mahmoud Darwish por meio da Teoria Pós-Colonial nas Relações Internacionais. A teoria busca abordar criticamente as dinâmicas sociais, culturais e políticas que surgem como resultado da colonização, e os impactos contínuos em sociedades vitimizadas pelo colonialismo. Ao desconstruir narrativas coloniais, questionando representações hegemônicas acerca da história da Palestina, Mahmoud Darwish dá luz à experiência palestina e a resistência à ocupação israelense, muitas vezes silenciada na narrativa internacional (TOLEDO, 2021).
Ademais, ao ressaltar a importância da linguagem como uma ferramenta crucial de poder e de resistência, Darwish desafia a hegemonia linguística, afirmando a língua árabe como veículo de expressão da identidade palestina. Em Os Condenados da Terra, o psiquiatra e filósofo político Frantz Fanon evidencia como a linguagem é utilizada pelo opressor para alienar o oprimido, despindo-o de sua própria identidade, e reforçando assim dinâmicas de poder por meio da dominação cultural. Fanon argumenta que a criação de uma consciência nacional está intrinsecamente ligada à unidade linguística, sendo um dos aspectos fundamentais para a luta pela libertação nacional. Dessa forma, torna-se necessária a adoção de formas de resistência por meio da preservação da língua nativa, frente às ameaças de apagamento de sua história e herança cultural (FANON, 1961).
Após de mais de duas décadas de experiência no exílio, tendo testemunhado a destruição de seu lar, além da desumanização e violência contra seus parentes e amigos, as poesias de Darwish são declarações políticas que refletem a indignação de seu povo face à injustiça, a resistência contra a opressão e um apelo à ação em prol da libertação de seu território e sua população. Mais ainda, é uma tentativa por parte do autor de imortalizar sua terra natal, bem como a cultura e história de seu povo frente ao deslocamento compulsório e destruição de uma população que há mais de sete décadas enfrenta um estado de calamidade, sendo relegada à condição de sub-humana pela perspectiva colonial. Mahmoud Darwish sublinha a imperatividade da literatura como expressão intrinsecamente humana, compelindo-nos a conhecer a diversidade cultural e histórica de um grupo que ao longo da história foi sistematicamente marginalizado.
REFERÊNCIAS:
ACADEMY OF AMERICAN POETS. About Mahmoud Darwish | Academy of American Poets. Disponível em: <https://poets.org/poet/mahmoud-darwish>.
BRITANNICA. Mahmoud Darwish | Palestinian poet. 2024. Disponível em: <https://www.britannica.com/biography/Mahmoud-Darwish>.
CLARK, P. Obituary: Mahmoud Darwish. The Guardian, 10 ago. 2008. Disponível em: https://www.theguardian.com/books/2008/aug/11/poetry.israelandthepalestinians
FANON, F. The Wretched of the Earth. Cape Town: Kwela Books, 1961.
JAIN, Snigdha. Lendo a poesia de Mahmoud Darwish. Meer, 2022. Disponível em: https://www.meer.com/en/70037-reading-the-poetry-of-mahmoud-darwish
POETRY FOUNDATION. Mahmoud Darwish. Disponível em: <https://www.poetryfoundation.org/poets/mahmoud-darwish>.
TOLEDO, A. Perspectivas pós-coloniais e decoloniais em relações internacionais. [s.l.] SciELO – EDUFBA, 2021.
The Passport by Mahmoud Darwish. Disponível em: <https://www.marxists.org/subject/art/literature/darwish/1964/passport.htm>.
