Victoria Silva Vidal – 7° semestre de R.I da UNAMA

Em outubro de 2023, os rebeldes iniciaram ataques a navios de mercadoria que passaram pelo estreito. Os ataques começaram após a eclosão da guerra entre Israel e Hamas, na Palestina, sob o pretexto de apoio ao Hamas e da busca pela proteção do estado iemita (BBC,2023). Deste modo, faz-se necessário uma análise acerca dos os interesses por trás destes  ataques, as respostas de outros estados e os impactos para o sistema internacional.

Segundo a teoria realista das relações internacionais, Hans Morgenthau define seis princípios fundamentais do realismo político, sendo os principais para este texto:

Seu segundo princípio, onde o autor afirma em “ política entre as nações”, o sistema Internacional é anárquico, e assim, os estados irão sempre buscar seus interesses, sendo esses interesses metas e objetivos específicos visando a maximização do poder e sobrevivência. (VAZ, PÁG 69;68)

Seu terceiro princípio, onde diz que desde sempre os seres humanos são movidos por interesse(VAZ, PÁG 69;68); (Arraes; Gehre, 2013); 

O quarto princípio que advoga que a moralidade não vai guiar os atos de um estado, pois ele tem que usar todos os meios possíveis para alcançar seus objetivos (VAZ, PÁG 69;68)

Desta forma, seu quinto e penúltimo princípio onde reforça que o Estado pode ser imoral desde que sobreviva e aumente o seu poder, sendo a imoralidade – como perdas humanas – justificada como sendo um mal menor perante um objetivo maior(VAZ, PÁG 69;68)

No entanto, um dos fatores que muito influenciam nas dinâmicas dos estados são os fatores internos, que não são considerados no realismo político, para isso, tem-se o realismo subalterno de Mohammed Ayoob, onde, para além das relações de poder entre os estados soberanos, deve-se considerar também as dinâmicas internas e as vozes subalternas dentro do estado (CAMACHO, 2017, Pág 5;6).

Segundo Ayoob, “insegurança gerada pela exposição às vulnerabilidades” (Ayoob, 1995, p.1) define o comportamento de países de “terceiro mundo”, essas vulnerabilidades se devem ao fato de ainda estarem em processo de construção  estatal. Ayoob, ao definir e reaver o termo estados de “terceiro mundo” ele atribui cinco características a este grupo: (1) Falta de coesão interna (disparidades econômicas e sociais e divisões étnicas e regionais); (2) Falta de legitimidade institucional no que diz respeito a fronteiras, instituições das elites do estado e do governo (passíveis a conflitos internos e inter-estados); (3) Desenvolvimento incompleto e dependente em termos econômicos e sociais. (4) Marginalização internacional, principalmente em questões de segurança internacional e assuntos econômicos; (5) vulnerabilidade atores externos (estados desenvolvidos, instituições internacionais e empresas multilaterais) (CAMACHO, 2017, Pág 7).

Em sua abordagem, o autor reconhece a interconexão global, compreendendo-se que ações internacionais têm implicações nesses países subalternos, de forma a ampliar e enriquecer o estudo realista nas relações internacionais, bem como analisar de forma contemporânea a complexidade do sistema internacional.

Deste modo, as notícias de ataques dos Houthi a navios de Transporte de mercadorias no estreito de Bab el Mandeb circulou pelo mundo inteiro. 

O mar vermelho, com uma expressiva relevância geopolítica, é responsável pelos fluxos de mercadoria por todo o mundo. Segundo dados da BBC, estima-se que cerca de 12% do comércio global passe pelo por ele todos os anos. Isso se deve a sua posição estratégica, dando acesso ao oceano Índico através do Estreito de Bab el Mandeb, uma passagem que liga o Mar Vermelho ao Golfo de Áden.

O estreito de Bab el Mandeb encontra-se na costa do Iêmen, região liderada pelo grupo rebelde Houthi, que se encontra envolvido em uma guerra civil no Iêmen desde o final de 2014 (CAP 2, LACKNER, 2022).

Após a eclosão do conflito na Palestina, os Houthis declararam que lançaram drones e mísseis contra Israel, especificamente em 31 de outubro. Os ataques também têm como alvo navios que transitam pelo Mar Vermelho, causando desordem no comércio internacional. O porta-voz militar Houthi, Yahya Saree, afirmou que o grupo realizou um “grande número” de ataques para ajudar os palestinos a alcançar a vitória, além disso, culpam Israel pelos problemas no Oriente Médio, referindo-se aos “crimes contínuos” israelenses (BBC, 2024)

Alinhados com o Irã, os Houthis são parte do que eles chamam de “Eixo de Resistência” contra Israel. Estes, que justificaram esses ataques como parte de seus esforços para pressionar Israel e seus aliados a interromperem o conflito na Faixa de Gaza. Em contrapartida, os EUA e a Inglaterra realizaram ataques defensivos contra os Houthis no Iêmen, onde, em um comunicado feito pelo presidente americano Joe Biden os ataques dos EUA “são uma resposta direta aos ataques houthis sem precedentes contra navios internacionais no Mar Vermelho” , segundo reportagem da BBC. 

Por fim, analisando o texto à luz das teorias de relações internacionais abordadas, nota-se a presença de elementos que se alinham tanto com o realismo político, quanto com perspectivas mais contemporâneas, como o realismo subalterno.

Como visto anteriormente, através dos princípios do realismo político – Ilustrado por Hans Morgenthau – pode-se interpretar os ataques a Israel e aos navios de carga no mar vermelho como uma forma dos Houthis de buscarem a maximização do seu poder e  consequentemente, assegurar a sua sobrevivência em um sistema Internacional anárquico. Essa estratégia de ataque no Mar Vermelho serve para que eles alcancem seus objetivos e seus próprios interesses, mesmo que em detrimento da ética ou moral. 

Nesse sentido, pode-se também constatar que a aliança com o Irã é uma tentativa de fortalecer sua posição no cenário internacional, desafiando grandes potências e pressionando seus adversários, como o Ocidente e Israel. 

Enxerga-se também, dentro dos limites do realismo tradicional, a validação dos ataques defensivos da Inglaterra e dos Estados Unidos, como parte de uma estratégia para proteção dos interesses dos Estados e da manutenção do seu poder.

Para além disso, há também o contexto interno, que deve ser considerado através do realismo subalterno, onde as características dadas à países de “Terceiro Mundo”, segundo explicitado pelo autor Mohamad Ayoob, se enquadram com a realidade do Iêmen. Percebe-se aspectos como disparidades econômicas e sociais; divisões étnicas e regionais; conflitos internos; desenvolvimento incompleto; dependência em termos econômicos e sociais; marginalização internacional; e a vulnerabilidade à atores externos. Tudo isso graças à guerra civil enfrentada no Iêmen desde 2014.

Compreende-se que esses elementos contribuem para entender a motivação dos Houthis, que são: a busca pelo reconhecimento internacional; uma legitimação interna, visto que houve uma queda do prestígio interno do grupo pelo povo iemita; e a busca por consagração regional. 

Na mesma lógica, observa-se o desejo dos Houthis em ganhar reconhecimento internacional e se manter influente no sistema internacional anárquico, atacando navios para se colocarem no centro das atenções globais. E ao desafiar potências ocidentais como os Estados Unidos e Inglaterra, os Houthi podem se posicionar como atores relevantes em assuntos regionais e globais, sendo essas estratégias refletidas também no interesse em fortalecer seus laços com outros grupos de Jihadistas e solidificar sua influência regional. Com isso pode se compreender que as ações dos Houthis podem ser entendidas como um jogo complexo de poder, no qual eles utilizam formas que desafiam as leis Morais para alcançar os seus objetivos, desde o fortalecimento interno até o reconhecimento internacional, acrescentando mais camadas na complexidade das dinâmicas contemporâneas do Oriente Médio. 

Referências: 

Quem são os houthis e por que foram atacados por EUA e Reino Unido?: EUA e Reino Unido fizeram segunda operação conjunta contra os houthis. BBC NEWS BRASIL, 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx0vkgq29jno. Acesso em: 31 jan. 2024. 

AYOOB, Mohammed. The third world security predicament: state making, regional conflict and the international system. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1995.

BARANIUK, Chris . O longo desvio de rota de navios cargueiros para escapar de ataques no Mar Vermelho. BBC NEWS BRASIL, 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgrj44dr22xo#:~:text=Estima%2Dse%20que%2012%25%20do,Mar%20Vermelho%20todos%20os%20anos.Acesso em: 29 jan. 2024. 

CAMACHO, Daniel Ruíz . APROXIMACIÓN DESDE LA TEORÍA DEL REALISMO SUBALTERNO Y REALISMO PERIFÉRICO AL MODELO “PLAN COLOMBIA”. BOGOTÁ: UNIVERSIDAD DE LA SALLE, 2017.  

VAZ, Nuno Mira. O Poder, a Moral e as Relações Internacionais. Instituto da Defesa Nacional, 1995. 

GEHRE, T.; ARRAES, V. Introdução ao estudo das relações internacionais.

São Paulo: Saraiva, 2013.

MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações: A luta pelo poder e paz. Brasília: Unb, 2003.