
Ana Paula Praxedes, acadêmica do 3° semestre de Relações Internacionais da UNAMA
Nascida em 30 de maio de 1928 em Bruxelas, Bélgica, Agnès Varda foi renomada cineasta, roteirista, fotógrafa e artista, emergindo como uma notável figura no mundo do cinema e contribuindo significativamente para o movimento Nouvelle Vague (New Wave francês). Filha de uma francesa e um grego, Varda mudou-se para o sul da França, em Montpellier, onde viveu praticamente toda sua infância, experienciando os acontecimentos que se desenrolaram em um contexto de Segunda Guerra Mundial (PULVER, 2019).
Próximo a Montpellier, havia uma vila de pescadores às margens do Mar Mediterrâneo, que emprestaria seu nome ao primeiro filme da cineasta. Entretanto, foi para Paris que Varda viajou após o fim da guerra, matriculando-se em Estudos Clássicos no Lycée Victor-Duruy e na Universidade de Sorbonne. Inicialmente focando nas artes de escultura e pintura, Varda planejava se tornar curadora de museus, e por quatro anos estudou na escola do Museu do Louvre. No entanto, logo entediou-se pela sua área de estudos, e começou a fazer cursos noturnos de fotografia na escola Vaugirard. Foi então que sua trajetória tomou um rumo decisivo ao descobrir as possibilidades criativas do cinema e da fotografia (ENCYCLOPEDIA, s.d).
Em 1954, aos 25 anos, Varda lançou seu primeiro filme, La Pointe-Courte, caracterizado pelo uso inovador de iluminação natural, câmera de mão e atmosferas não ensaiadas. Sua obra pioneira chamou atenção dos diretores da Nouvelle Vague, abrindo diversas portas para a cineasta. Entretanto, foi seu envolvimento com o Théâtre National Populaire como fotógrafa oficial o principal responsável por expandir sua criatividade e compreensão acerca dos novos contextos políticos de uma Paris pós-guerra.
Ao longo de sua carreira, Varda demonstrou compromisso com representação autêntica e diversidade, destacando-se por desafiar conceitos em um cenário predominantemente masculino. A cineasta não apenas influenciou e inovou o cinema europeu, como também destacou a importância da perspectiva feminina em suas obras. Seus filmes, como Cléo das 5 às 7 (1961) e Vagabond (1985), não só exploram as complexidades femininas, mas também abordam questões sociopolíticas que permeiam as vidas das mulheres. Dessa forma, Varda proporciona uma análise das intersecções entre gênero, poder e política, trazendo reflexões sobre as experiências femininas em um contexto global, destacando as interações entre as estruturas sociais e políticas que moldam as mulheres (MCLAUGHLIN, 2019).
Assim, é possível relacionar a carreira de Agnès Varda com a teoria feminista das Relações Internacionais. Baseando-se em análises feministas, a teoria busca explicar as relações de poder, políticas e sociais, no âmbito global, tecendo críticas às hierarquias de gênero que permeiam a política internacional, desde a diplomacia até conflitos armados, passando pela economia mundial. Por meio dessa perspectiva, as relações de poder são construídas socialmente e moldadas pelas normas e imposições de gênero. Uma das contribuições mais significativas da teoria feminista é sua ênfase na interseccionalidade, ou seja, na interação entre classe, raça, gênero e sexualidade, além de outras formas de identidade e mecanismos de opressão, reconhecendo como as mulheres e outros grupos sociais são moldados em diferentes contextos por meio de distintas experiências (MONTE, 2013).
O conceito de interseccionalidade é amplamente explorado nos filmes de Varda, como Salut les Cubains (1963) e Black Panthers (1968), destacando as complexidades das identidades e das experiências sociais ao examinar intersecções de raça, classe e gênero, além de conceitos como opressão e privilégio. Agnès Varda busca capturar não apenas a luta política e econômica de um grupo ou uma população, mas também as dinâmicas de raça e classe que moldam suas vidas, fornecendo uma nova perspectiva ao cinema ocidental, quebrando barreiras e desconstruindo narrativas acerca das formas de resistência de grupos marginalizados.
Ainda, ao materializar cinematograficamente as experiências e perspectivas das questões feministas de gênero, Varda evidencia o apagamento das vozes femininas no contexto global, destacando as preocupações feministas sobre o patriarcado, o poder, e a subordinação das mulheres em diferentes contextos sociais e culturais. A teórica Cynthia Enloe, uma das principais vozes da teoria feminista, argumenta que as experiências das mulheres são fundamentais para a compreensão das dinâmicas internacionais, destacando a importância de incluir vozes e perspectivas das mulheres nas análises socioeconômicas e nas políticas internacionais. Tal abordagem ressoa com a sensibilidade de Varda acerca das experiências femininas de mulheres marginalizadas em suas obras (ENLOE, 2004).
Agnès Varda faleceu em 29 de março de 2019, aos 90 anos de idade. A cineasta permanece como uma figura icônica não apenas no mundo do cinema, como também no cenário mais amplo das artes e da cultura. Sua abordagem inovadora e seu compromisso com a representatividade e diversidade deixaram um legado duradouro que continua a inspirar cineastas e grupos sociais até os dias de hoje. Ao longo de sua carreira, desafiou normas estabelecidas ao trazer temas como identidade, feminismo, política e justiça social em um meio amplamente masculino, de maneira única e cativante. Agnès não apenas contou histórias, como marcou a história do cinema e das artes, lembrando-nos da importância de abraçar a diversidade de perspectivas e experiências para melhor compreender o mundo que nos cerca.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Agnes Varda (1928—) | Encyclopedia.com. Disponível em: <https://www.encyclopedia.com/women/encyclopedias-almanacs-transcripts-and-maps/varda-agnes-1928>.
ENLOE, C. H. The Curious Feminist: Searching for Women in a New Age of Empire. Berkeley: University of California Press, 2004.
INCE, K. Feminist Phenomenology and the Film World of Agnès Varda. Hypatia, v. 28, n. 3, p. 602–617, 2013.
MCLAUGHLIN, Katherine. The Tireless feminist spirit of Agnès Varda. Dazed, 1 de abril de 2019. Disponível em: <https://www.dazeddigital.com/film-tv/article/43876/1/agnes-varda-feminist-french-new-wave-director-obituary>
MONTE, I. X. DO. O debate e os debates: abordagens feministas para as relações internacionais. Revista Estudos Feministas, v. 21, n. 1, p. 59–80, abr. 2013.
PULVER, Andrew. Agnès Varda, Beloved French New Wave Director, dies aged 90. The Guardian, 26 de março de 2019. Disponível em: <https://www.theguardian.com/film/2019/mar/29/agnes-varda-oscar-nominated-french-new-wave-director-dies-aged-90>
Why we must remember the radical tenderness of Agnès Varda. Disponível em: <https://www.sleek-mag.com/article/agnes-varda/>. Acesso em: 6 fev. 2024.
