
Larah Vitória Rodrigues Rabelo- acadêmica do 3° semestre de RI da UNAMA.
Linguagem é Cultura, e Cultura é legado, onde o Carnaval ingressa nessa equação? A Manifestação Cultural vai muito além da criação de um ‘fato de pertencimento’, pois atinge o ‘ato de resistência’. Nesse sentido, fala-se de uma Cultura da necessidade, já que resistir é sobreviver, onde o vilão da existência, é o esquecimento.
Em um mundo no qual o conceito de Indústria Cultural (Horkheimer, 1947), dispara as noções de ‘aceitação’ e ‘respeito’, o respeito prevalece como um valor conquistado, há um sistema que ‘vilaniza’ os que lutam pela memória, o que uma vez que um povo sem lembrança é um povo sem identidade.
Ao se refletir sobre a resistência e persistência de escolas de samba no Brasil, destaca-se nesse pequeno ensaio, o cenário do Rio de Janeiro, por sua história de 40 anos no sambódromo, em 2024.
Sob esse aspecto, Tureta e Araújo (2013, p.114-115) ao estudarem a natureza das escolas de Samba, ressaltam a origem carioca destas na década de 1920, apesar de terem permanecido por um longo período sem uma designação definitiva, alternando entre o termo ‘Bloco’ e ‘Escola de Samba’ propriamente dita, essas entidades já delineavam uma expressão artística distinta no início dos anos 30, através de desfiles competitivos entre as agremiações. Os autores ressaltam a partir de Cavalcanti (2002) que as escolas de samba emergiram num processo de interação entre diversas camadas sociais, um fenômeno que ainda se manifesta em múltiplas formas de interação entre essas escolas e a sociedade contemporânea.
Segundo Althusser (1985), autor base do neomarxismo e estudado em Teorias Contemporâneas das Relações Internacionais, a análise das relações de produção cultural pode fornecer os insights sobre como a resistência cultural e a luta por temas inviabilizados influenciam e são influenciadas pelas dinâmicas de poder na sociedade. Por outro lado, entende-se que o mundo inteiro passa pelo filtro da Indústria Cultural. Com isso, a lógica de mercado insere o Carnaval em um ciclo de produção padronizada, que podemos conectar com o autor, quando trata sobre as relações de produção que moldam a cultura de uma sociedade, determinando quais ideias, valores e práticas são valorizadas e reproduzidas.
Outrossim, Horkheimer (1947, p. 4), importante autor da teoria críticas das RI, oferece uma reflexão profunda sobre a natureza da cultura de massa, observando que não apenas os tipos de entretenimento popular, como as canções de sucesso, os ídolos e as novelas, parecem repetir-se ciclicamente, mas também que o conteúdo específico dos espetáculos, como agora falando das escolas de samba. Isso sugere que, apesar das aparências de diversidade e novidade, muitas vezes o que vemos é uma variação superficial da realidade, enquanto os elementos fundamentais permanecem os mesmos. Essa análise nos convida a questionar a verdadeira diversidade e autenticidade da cultura de massa e ao mesmo tempo considerar como esses grupos podem trazer temas relevantes de pautas sociais e de cultura.
Ocasionalmente, ao identificarmos os enredos das escolas de samba, no berço de sua origem, conforme dito por Tureta e Araújo (2013), podemos observar que das doze (12) escolas do Grupo especial, nove (09) apresentam 75%, com enredos reais relacionados a temas sociais, econômicos e culturais que remontam pautas cotidianas de resistência:
Quadro 1 – Enredo do Carnaval das principais Escolas de Samba do Rio de Janeiro, 2024.
| NOME DA ESCOLA | TEMA | CATEGORIA | |
| 1. | Imperatriz Leopoldinense | Com a sorte virada pra lua segundo o testamento da cigana Esmeralda | História de Ficção – relação econômico e estética |
| 2. | Unidos da Viradouro | Arroboboi, Dangbé | História real – relação histórico e cultural africana. |
| 3. | Unidos de Vila Isabel | Gbalá — Viagem ao Templo da Criação | História fictícia baseada na cultura yorubá – relação preservação cultural. |
| 4. | Beija-flor de Nilópolis | Um Delírio de carnaval na Maceió de Rás Gonguila | História real – relação histórico e cultural. |
| 5. | Acadêmicos do Grande Rio | Nosso destino é ser onça | História real – relação histórico e cultural dos índios Tupinambás de criação do mundo. |
| 6. | Acadêmicos do Salgueiro | Hutukara | História real – relação histórico e cultural dos povos yanomami. |
| 7. | Mocidade Independente de Padre Miguel | Pede caju que dou… Pé de caju que dá! | História real – relação histórico e econômica. |
| 8. | Portela | Um defeito de cor | História fictícia – relação social afro-brasileira. |
| 9. | Unidos da Tijuca | O Conto de Fados | História real e lendas – relação histórico e cultural portuguesa sobre o Brasil. |
| 10. | Paraíso do Tuiuti | Glória ao Almirante Negro | História real – relação histórica |
| 11. | Estação Primeira de Mangueira | A Negra Voz do Amanhã | História real – relação cultural (persona) |
| 12. | Unidos do Porto da Pedra | Lunário Perpétuo: A Profética do Saber Popular | História real – relação histórica, cultural, social (persona). |
Nessa conjuntura, ao analisar as categorias, observa-se que as escolas de samba promovem um ato formativo nas comunidades participantes por meio de símbolos e pela sensação de ‘pertencimento’ gerada em uma simbiose de ‘significados e significâncias’, mesmo aquelas que abordam temas fictícios ou lendas. Como ratifica os autores Muniz e Sodré (1998) no texto “Samba, o dono do corpo”, quando dizem que uma Escola de Samba ao escolherem temas ancestrais, históricos ou invisibilizados, reafirmam seu legado cultural e suas instituições as quais foram excluídas e marginalizadas do processo de industrialização do Brasil. Ainda que o carnaval seja apresentado sob a ótica de produção de cultura de massa, Muniz Sodré (1998, p. 50), fala que essa expropriação cultural não deve ser vista de forma viciada ou marginalizada, como uma “corrupção cultural” dos valores de uma classe por outra, afinal segregar o que já foi marginalizado deixa de ser uma sequela, mas uma ação hostil.
Por fim, pode-se considerar a visão de Althusser ao se analisar a questão em tela, pois a cultura não é meramente um mero reflexo da estrutura econômica, mas possui uma relativa autonomia, exercendo influência na sociedade. Nesse sentido, é importante compreender que a resistência cultural não se restringe apenas a uma variação estética, mas também carrega consigo uma dimensão política e ideológica.
Dessa forma, ao refletir sobre a evolução da forma como a Cultura se manifesta nas escolas de samba, é necessário considerar não apenas a aparência superficial, mas também os conflitos, transformações e resistências que perpassam no cotidiano dessas comunidades. Sob essa lógica, o que se manifesta na resistência passa-se a ter um compromisso duradouro e genuíno de preservação e valorização das tradições.
Referências
ALTHUSSER, L. Aparelhos Ideológicos do Estado: nota sobre aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.
CAVALCANTI, M. Os sentidos no espetáculo. Revista de Antropologia v. 45, n. 1, p.37-78, 2002.
FREIRE FILHO, João. Introdução: Resistência, um conceito camaleônico. In: Reinvenções da resistência juvenil: os estudos culturais e as micropolíticas do cotidiano. Rio de Janeiro: Mauad, 2007. p. 13-28.
HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. A indústria cultural: o iluminismo como mistificação de massas. Pp. 169 a 214. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 364p.
SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
TURETA, César; ARAÚJO, Bruno Félix Von Borell de. Escolas de samba: trajetória, contradições e contribuições para os estudos organizacionais. Rev. Organizações & Sociedade [Internet]. Jan.v.20(64). 2013, p.111–129. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1984-92302013000100008. Acesso em: 10 fev, 2024.

É impressionante ter acesso a esse Material e ver que se trata de um ensaio de uma Aluna ainda do 3º Semestre. O Texto é tão necessário quanto edificante, muitos argumentos e ponderações válidas que vão muito além da mera opinião. Parabéns aos envolvidos e ao curso de Relações Internacionais. Continuem produzindo conteúdos dessa qualidade. Isso é um favor pra sociedade.
CurtirCurtir
O texto tá muito bom! Gostei muito da forma como você analisou o Carnaval, especialmente destacando o papel das escolas de samba na resistência cultural. É legal também como você trouxe teóricos importantes para enriquecer o conteúdo. No geral, é uma contribuição valiosa para entender a cultura brasileira. Parabéns pelo trabalho!
CurtirCurtir
Gostei especialmente das referências a teóricos como Horkheimer e Althusser, o que mostra que o autor sabe do que está falando. É uma leitura valiosa para quem quer entender melhor a dinâmica cultural do Brasil.
CurtirCurtir