
Thais Borges – acadêmica do 7º semestre de Relações Internacionais da UNAMA
O período da Guerra Fria marca o embate epistemológico entre o realismo e o liberalismo dentro do campo das Relações Internacionais, também é um momento que estabelece a hegemonia dos Estados Unidos tanto sobre a produção científica da disciplina quanto no sistema internacional. Nesse contexto, tendo como objetivo a necessidade de desenvolver uma “visão europeia” nas RI e retomar o poder britânico sobre a produção de conhecimento, a Escola Inglesa é estabelecida.
Termo criado nos anos de 1970, a Escola Inglesa denomina um grupo de autores de tradição britânica que possuem como principal objeto de análise a “sociedade internacional”. Outro ponto é que se trata de uma perspectiva que mescla preceitos tanto realistas quanto idealistas, como resultado, há forte influência do Realismo de Thomas Hobbes e Maquiavel, ao mesmo tempo do Racionalismo de Hugo Grotius e o Revolucionismo de Kant (BURCHILL, 2013).
Dentre os teóricos desse ponto de vista, Hedley Bull se apresenta como um dos principais expoentes. Nascido na Austrália em 1932, foi professor de Relações Internacionais na Australian National University, London School of Economics e University of Oxford. Seu enfoque era na natureza do sistema internacional e sua ordenação.
Sua principal obra: A Sociedade Anárquica: Um estudo da ordem na política internacional, publicada pela primeira vez em 1977, lança uma luz para a compreensão da perspectiva da Escola Inglesa. Nessa obra, Bull mantém seu olhar voltado não para os Estados, mas para a estrutura no qual estes se encontram no âmbito internacional, procurando assim, expor suas definições acerca da ordem, sistema internacional e sociedade internacional. As indagações que busca sanar com este trabalho são: no que consiste a ordem na política mundial; como essa ordem é mantida nesse cenário de Estados soberanos; e se tal ordem ainda se constitui como um caminho viável para a política mundial (BULL, 2002).
O ponto de partida é a ideia de que os Estados soberanos, mantendo contato entre si, com suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam até certo ponto como parte de um todo formam um “sistema internacional” (BULL, 2002), mas um sistema internacional anárquico visto que não há um poder central que detenha o monopólio da violência legítima para subjugar estes Estados a seguir regra alguma.
Para o autor, a anarquia é tratada não como uma ausência de ordem entre os Estados, afirmar que alguma coisa está em ordem é concluir que estas estão relacionadas entre si de acordo com certa estrutura e padrão (CORRÊA, 2006); assim, a anarquia consiste portanto em uma própria forma de ordenamento da sociedade internacional. É também um cenário que permite a preservação dos Estados e a organização do sistema através das instituições e normas em comum, engendrando assim uma “sociedade internacional”. Com isso, essa sociedade se forma quando tais Estados conscientes de certos valores e interesses em comuns se consideram ligados por um conjunto de regras e participam mutuamente de instituições (BULL, 2002).
O professor Williams Gonçalves, no prefácio da edição da Universidade de Brasília da Sociedade Anárquica (2002), afirmou que Hedley Bull publicou sua obra em um mundo dividido em dois blocos de poder e no qual pairava o ar da Guerra Fria, havia neste momento uma busca por uma “terceira via” entre concepções idealistas e realistas, nesse sentido, a Escola Inglesa oferece ferramentas para analisar as relações internacionais a partir de um olhar que junte tais vias de pensamentos.
Hodiernamente o sistema já não vive mais o contexto de Guerra Fria, os desafios e pautas são outros, entretanto, o professor Linklater (BURCHILL, 2013), também uma das principais personalidades da Escola Inglesa, afirmou que seja o que for que o futuro reserve, as ideias de “ordem”, “sistema” ou “sociedade”, que são centrais nos estudos diplomáticos, irão prover aos analistas importantes aparatos para o entendimento contínuo das mudanças da política mundial.
Referências:
BULL, Hedley. A sociedade anárquica: um estudo da ordem política mundial. Editora Universidade de Brasília, 2002.
BURCHILL, Scott et al. Theories of international relations. Bloomsbury Publishing, 2013.
Claudio Rodrigues Corrêa. Revista da Escola de Guerra Naval, Portuguese edition; Rio de Janeiro Vol. 7, (2006): 120-122.
SARAIVA, José Flávio Sombra. Revisitando a escola inglesa. Revista brasileira de política internacional, v. 49, p. 131-138, 2006.
