
Manuelle Catunda Gaia – acadêmica do 5° semestre de Relações Internacionais da Unama
No ano de 1999, o Governo de Bangladesh propôs à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que se fizesse da data de 21 de fevereiro o Dia Internacional da Língua Materna, proposta essa aprovada em Congresso Geral da UNESCO e anunciada oficialmente em 16 de novembro de 1999, sendo posta à prática mundialmente a partir do ano seguinte. (UNESCO, 2000) Em 2002, a data ganha sua própria resolução, adotada e reconhecida formalmente pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
Por conseguinte, a data tem sido usada com o objetivo de celebrar as diversas formas que as línguas maternas ao redor do mundo nascem e se desenvolvem, assim como o direito de preservação das mesmas. Diversidade linguística é nosso patrimônio comum. A perda das línguas empobrece a humanidade. Isso é um retrocesso na defesa do direito de qualquer um de poder ser escutado, de aprender e de se comunicar (BOKOVA, 2012).
A escolha da data 21 de fevereiro remete ao movimento político-cultural intitulado Movimento Linguístico de Bangladesh (বাংলাদেশের ভাষা আন্দোলন), movimento esse que nasceu em forma de protesto contra a hegemonia do Paquistão Ocidental e sua tentativa de imposição do urdu como única e oficial língua de suas províncias, ignorando o fato de que cerca de 56% da população era falante da língua bengali. Com a recusa de reconhecer o idioma, estudantes, professores, escritores e jornalistas foram às ruas em 21 de fevereiro de 1952 em desafio ao governo paquistanês, o que resultou no assassínio de diversos protestantes pela polícia. (HASAN, DIXON, 2023)
Após o 21 de fevereiro, o Movimento Linguístico se tornou um importante símbolo de resistência bengali, realizando, em 1971, seu segundo ápice histórico com a conquista de sua independência e formação do que é hoje o país de Bangladesh (HASHMI, 2019). À vista disso, se tem no campo das relações internacionais a teoria construtivista, na qual ampara tal feito linguístico em função de seu empenho em ministrar conhecimentos expositivos sobre as instituições humanas e suas mudanças a partir da existência de agentes e estruturas sociais. (ADLER, 1997).
Para o relator especial em temas de minoria da ONU, Fernand de Varennes, é fundamental se distanciar de novas formas de “nacionalismo majoritário” que presume que as sociedades e países têm de ter apenas uma língua, excluindo as outras (FERNAND, 2023). A cada duas semanas uma língua deixa de existir e com ela a herança cultural e intelectual local (ONU, 2021). Anualmente, a UNESCO realiza eventos temáticos em diversas regiões em celebração ao Dia Internacional da Língua Materna, no ano de 2023, o órgão trabalhou com a temática “Educação Multilíngue: uma necessidade para transformar a educação” (NAÇÕES UNIDAS, 2023), e, segundo o Banco Africano de Desenvolvimento, o ensino ministrado em uma língua materna é uma componente chave da inclusão e a tecnologia tem hoje o potencial de derrubar as barreiras educativas (2022).
Para a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), uma educação em língua materna em um contexto plurilíngue é fundamental para que todos possam adquirir os conhecimentos necessários para participar plenamente da sociedade, sendo isso especialmente vital para os povos indígenas e afrodescendentes na região ibero-americana. Uma das formas mais eficientes de dar autonomia às minorias e aos povos indígenas é garantindo que as línguas que falam possam ser utilizadas na educação e oferecidas, quando viável, em vagas de emprego e nos serviços públicos (FERNAND, 2023)
Levando em consideração esses aspectos, o Dia Internacional da Língua Materna carrega consigo debates históricos sobre a sobrevivência de culturas, comunidades e sobretudo a língua. Assim como o cientista político Emanuel Adler explicita, o construtivismo mostra que mesmo nossas instituições mais duradouras são baseadas em entendimentos coletivos (1997, p 206). Diante disso, é incontroverso que idiomas carregam uma memória comum entre muitas pessoas, e que suas culturas formadas delas devem ser respeitadas para que uma rica partilha de conhecimentos possa ter continuidade.
REFERÊNCIAS
Adler, Emanuel. Seizing the Middle Ground: Constructivism in World Politics. European Journal of International Relations, 3, 319-363. (1997)
https://doi.org/10.1177/1354066197003003003
“As línguas devem ser respeitadas e abraçadas, jamais excluídas”, diz relator. Nações Unidas, ONU News. 20 de fevereiro de 2023. Seção Direitos humanos. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2023/02/1810152 . Acesso em: 11 de fevereiro de 2024.
Dia Internacional da Língua Materna. African Development Fund. 21 de fevereiro de 2022. Seção Notícias e eventos. Disponível em https://www.afdb.org/pt/noticias-e-eventos/dia-internacional-da-lingua-materna-49384 . Acesso em: 11 de fevereiro de 2024.
Dia Internacional da Língua Materna promove inclusão por meio do multilinguismo. Nações Unidas, ONU News. 21 de fevereiro de 2021. Seção Cultura e educação.
Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/02/1742102 . Acesso em: 11 de fevereiro de 2024.
Dia Internacional da Língua Materna: O que é feito na Ibero-América?. OEI. 22 de fevereiro de 2018. Seção Secretaria-Geral.
Disponível em: https://oei.int/pt/escritorios/secretaria-geral/noticia/dia-internacional-da-lingua-materna-o-que-e-feito-na-ibero-america . Acesso em: 11 de fevereiro de 2024.
Diretora da UNESCO alerta sobre riscos de desaparecimento de patrimônio linguístico mundial. Nações Unidas Brasil. 22 de fevereiro de 2012. Seção Notícias.
Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/59006-diretora-da-unesco-alerta-sobre-riscos-de-desaparecimento-de-patrim%C3%B4nio-lingu%C3%ADstico-mundial . Acesso em: 11 de fevereiro de 2024.
Educação multilíngue é destaque no Dia Internacional da Língua Materna. Nações Unidas, ONU News. 20 de fevereiro de 2023. Seção Cultura e educação. Disponível em https://news.un.org/pt/story/2023/02/1810147 . Acesso em: 11 de fevereiro de 2024.
HASAN, Tareq Nurul, DIXON, Carl. How Mother Language Day was born from this country’s fight for its mother tongue. SBS Bangla, 2023. Disponível em https://www.sbs.com.au/language/bangla/en/article/how-bangladeshs-fight-to-speak-its-mother-tongue-became-a-global-celebration-of-language/x0i8utduf . Acesso em: 11 de fevereiro de 2024.
HASHMI, Taj. The Great Language Movement of Bangladesh: Some Reflections.
Countercurrents.org, 2019. Disponível em: https://countercurrents.org/2019/02/the-great-language-movement-of-bangladesh-some-reflections/ . Acesso em: 11 de fevereiro de 2024.
UNESCO. GENERAL CONFERENCE, 30th,1999. UNESCO Digital Library, 2000. Disponível em https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000120679.page=184 . Acesso em: 11 de fevereiro de 2024.
