Keity Oliveira e Lara Lima (acadêmicas do 7º semestre de RI da UNAMA)

“Há um tesouro à sua espera. Aproveite. Fature. Enriqueça junto com o Brasil” (Wenzel, 2020). Esse era uma das propagandas publicada nas principais revistas do Brasil em 1972. Esse tão sonhado Eldorado, onde era possível ficar rico da noite para o dia, era a recém desbravada floresta Amazônica, durante o período da ditadura militar.

A ditadura militar no Brasil, instaurada a partir de 1964 num ambiente de influência dos EUA na América do Sul no contexto da guerra fria, durou 21 anos. Porém, seus fundamentos e sequelas perduram até os dias atuais. Na Amazônia, é explícita a sombra do regime militar, no qual um exemplo são as diversas obras planejadas e implementadas para “desenvolver” a região e os impactos produzidos no meio ambiente, que não apenas violou as diretrizes ambientais, como também feriu os direitos dos povos indígenas, entre outras comunidades tradicionais (Farias, 2014).

Em entrevista para a revista Realidade (1971), o ex-comandante do 5° Batalhão de Engenharia e Construção, Carlos Aloysio, diz: “Como você pensa que nós que fizemos 800 quilômetros de estrada? Pedindo licença, tchê? Usamos a mesma tática dos portugueses, que não pediam licença aos espanhóis para cruzar a linha de Tordesilhas. Se tudo o que fizemos não tivesse dado certo, eu estaria na cadeia, velho”. Nessa fala, é perceptível ver o enraizamento do imaginário que se criou, de que a floresta está ali para ser explorada, sem quaisquer responsabilidades com os habitantes, a fauna e a flora (Melo, 2014).

Durante o regime militar, houve uma grande ocupação na região amazônica incentivada pelos militares. A Amazônia era representada pelas grandes mídias como um empecilho para a expansão econômica; as companhias marginalizaram a região como um local perigoso. A situação em que se encontra a floresta hoje, em parte, é fruto dessa ocupação. Com a instalação desses projetos, tanto a floresta como as populações tradicionais foram afetadas, gerando danos severos na região por consequência a substituição das conexões fluviais por conexões transversais das estradas.

Na Amazônia, existem vários aspectos que evidenciam o tipo de visão do regime militar e como ele pensava a incorporação da Amazônia na dinâmica nacional, e uma concretização desse ideal é a Sudam (Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia), órgão criado logo depois do golpe de 1964. Na mesma época, também houve a criação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e até mesmo a Zona Franca de Manaus. A Sudam foi instalada em 1966, com a argumentação de que iria realizar um plano de valorização econômico da Amazônia e uma política migratória justa para a região (Farias, 2014).Segundo o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, a criação da Sudam e da Suframa visava reunir interesses industriais com os interesses sobre os territórios amazônicos e a biodiversidade ali presente, assim criando um poderoso arranjo de proveito.

O antropólogo também destacou um ponto pertinente no discurso da abertura da Sudam, no qual o ministro de planejamento, Roberto Campos, do governo de Castello Branco, salientou que a aptidão da Amazônia não era para o extrativismo vegetal, mas sim para a mineração (Farias, 2014). Nesse sentido, além da mineração, outros negócios também foram inseridos, como projetos agropecuários e indústrias beneficiadas por incentivos fiscais, etc. Projetos esses que se encontram atualmente em vigência nas agendas governamentais (Farias, 2014).

A Sudam também foi responsável pela propagação de campanhas em revistas nacionais que evidenciam uma Amazônia temerária, no entanto, dominada pelos órgãos governamentais. A partir de 1970, o governo passou a pregar por meio de campanhas, como da construtora Andrade Gutierrez, de que a floresta havia deixado de ser um “Inferno Verde” ou da companhia marítima Netumar “a Amazônia já era” e passava a ser um paraíso de oportunidades. O governo queria convencer os brasileiros de migrarem para o Norte para trabalhar nas futuras obras das rodovias (Melo 2021).

Em 1970, no governo de Emílio Garrastazu Médici, houve o marco inicial da Transamazônica (BR-230). O projeto tinha como objetivo atravessar o Brasil de Leste a Oeste, porém a execução da obra ficou inacabada; mas serviu para os políticos e altos oficiais das forças armadas ganharem dinheiro por meio da corrupção (Farias, 2014). Dez quilômetros de cada margem da estrada foram reservados para a colonização e reforma agrária.Nesse sentido, enquanto a obra da rodovia estava sendo construídas, grandes áreas de floresta estavam sendo destruídas, impactando diretamente na fauna e nas populações tradicionais. Os indígenas Tenharim viram seus povos sendo massacrados e suas casas sendo destruídas; além deles, os povos jiahui quase desapareceram por conta das ações reverberadas pelo Estado (Melo, 2021).

Um ponto importante a ser salientado é sobre a política propagada na ditadura militar, responsável pela destruição das riquíssimas regiões da Amazônia, pela superexploração dos trabalhadores imigrantes, que foram escravizados.

Outro empreendimento em que os militares investiram foi na pecuária extensiva, que consiste na criação do gado a pasto em grandes áreas, ocupando latifúndios e propriedades tradicionais. Um exemplo dessa prática é a fazenda modelo da Volkswagen no Sul do Pará, que tem uma extensão de 140 mil hectares e uma concessão para desmatar metade desses hectares de terra, e a forma usada para desflorestar era por meio de queimadas e produtos tóxicos (Melo, 2021). 

Esse tipo de pecuária, extensiva, polui o solo, água e ar, e foi o fator que contribuiu para a perda do patrimônio ecológico em diversas regiões da Amazônia. Além de ser um grande produtor de gases de efeito estufa, da emissão de metano e desgastar o solo da região, contribuiu para o desmatamento desenfreado.

Este exemplo da pecuária extensiva, entretanto, não foi um dos casos mais graves de desmatamento da região amazônica, no período ditatorial. O caso mais intenso e grave de desmatamento foi em 1984, em uma localidade no estado de Rondônia, com a implantação da estrada Cuiabá-Porto Velho (BR-364). Nesse empreendimento, foram investidos, exatamente, 1,5 bilhão de dólares e desse dinheiro, somente 3% foi investido em preservação ambiental (Melo, 2021).

A construção dessa estrada resultou em indígenas e ribeirinhos expulsos de suas terras, ou até mesmo mortos, agricultores com concessão para desflorestar 20% da floresta em apenas dois anos, o que significou o aumento exponencial do desmatamento. No Estado de Rondônia, o número de serralherias chegou a 700, todas visavam obter madeira nobre e isso contribuiu mais ainda para a degradação ambiental que ocorria na região (Melo, 2021).

O regime militar acabou há mais 20 anos, mas seu legado e seus fundamentos continuam se perpetuando nos dias atuais. Na Amazônia, a herança é mais evidente nas esferas estruturais do poder criado para “desenvolver” a região, nos impactos socioambientais causados pelos projetos desenvolvimentistas sem o estudo prévio e na violação dos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Conforme afirmado por Loureiro (2002), a história da região, da chegada dos colonizadores até os dias atuais, é uma história de perdas e danos e colocar em análise, diferentes perspectivas históricas da região é entender que as feridas ocorridas durante esses momentos permanecem e devem ser relembradas para que situações como aquelas não ocorram novamente.

Diante do tema exposto, recomendamos o documentário “Amazônia, o Despertar da Florestania” (2019), dirigido por Christiane Torloni, e co-direção de Miguel Przewodowski. O longa-metragem retrata como a política e a destruição, quando caminham juntas, podem causar severos danos sociais e ambientais. O documento também visa mostrar a luta dos povos tradicionais para manter a floresta em pé, principalmente no período do regime militar. O documentário está disponível para ser assistido no Globoplay, através do link a seguir:

<https://globoplay.globo.com/amazonia-o-despertar-da-florestania/t/JmPVqBw6gn/>

Também recomendamos a leitura do livro “Amazônia da Ditadura: Uma História dos Rios e das Estradas na Colonização do Tempo Presente” (2021), escrito por Felipe Menezes, o livro pretende destrinchar a maquinaria discursiva feita pelos militares na exploração da região amazônica. A obra pretende realizar uma etnografia institucional do regime militar no Brasil, fazendo assim uma profunda análise. Está disponível para a compra no site da Amazon, através dos links a seguir:

<https://a.co/d/8r994sU>

Por fim, recomendamos a plataforma Amazônia Latitude, que produz conhecimento científico, reportagens, artigos, ensaios, resenhas, análises literárias e fílmicas, colunas de opinião, fotogalerias e podcasts, sobre diversos temas, como ditadura militar na Amazônia e enfoque em pautas sociais, ambientais, econômicas, políticas e culturais. O site tem como objetivo expressar, por meio da escuta de quem vive e questiona, as realidades na Amazônia e na Pan-Amazônia.

Site: <https://www.amazonialatitude.com/2023/02/08/como-a-ditadura-usou-bancos-estradas-e-decretos-para-ocupar-a-amazonia/?hl>

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REFERÊNCIAS

FARIAS, Elaíze. “Herança” da ditadura militar no país ainda permanece na Amazônia. amazoniareal. Publicado em: 31 de março de 2014. Disponível em: <https://amazoniareal.com.br/heranca-da-ditadura-militar-no-pais-ainda-permanece-na-amazonia/. > Acesso em: 17 de março de 2024.

LOUREIRO, Violeta R. Amazônia: uma história de perdas e danos, um futuro a (re)construir. Estudos Avançados, 16 (45), 107-121. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9872> Acesso em: 18 de março de 2024.

MELO, Joyce. “Aqui vencemos a floresta”: como a ditadura militar torturou a Amazônia. A Verdade. Publicado em: 02 de abril de 2021. Disponível em: <https://averdade.org.br/2021/04/aqui-vencemos-a-floresta-como-a-ditadura-militar-torturou-a-amazonia/#:~:text=Os%20trabalhadores%20das%20obras%20patrocinadas,%C3%A0%20pecu%C3%A1ria%20predat%C3%B3ria%20na%20Amaz%C3%B4nia. > Acesso em: 17 de março de 2024.

WENZEL, Fernanda. “A Amazônia já era!”: como a imprensa glorificou a destruição da floresta na ditadura militar. OEco. Publicado em: 04 de outubro de 2020. Disponível em: <https://oeco.org.br/reportagens/a-amazonia-ja-era-como-a-imprensa-glorificou-a-destruicao-da-floresta-na-ditadura-militar/> Acesso em: 18 de março de 2024.