Por Ana Paula Praxedes,

Acadêmica do 3º semestre de Relações Internacionais na UNAMA.

Nascido em 17 de março de 1990, Andrew Hozier-Byrne, conhecido artisticamente como Hozier, é um músico e cantor-compositor irlandês de Bray, Condado de Wicklow, na Irlanda. Filho de um músico de blues local e uma artista visual, a infância de Byrne foi imersa na efervescência da expressão artística, e aos 15 anos juntou-se à sua primeira banda, marcada pela influência do gênero musical R&B (Rhythm and Blues). Determinado a seguir essa carreira, ingressou em um curso de música no Trinity College, em Dublin, mas abdicou do trajeto acadêmico no primeiro ano para gravar demos para a Universal Music. Durante esse tempo, ele cantou com o Anúna, um grupo coral irlandês, proporcionando ao músico um vislumbre de seu futuro ao participar de turnês internacionais. (The Vogue, s.d.)

Foi em 2013 que a carreira de Hozier tomou proporções maiores. Com o lançamento de “Take Me to Church”, um EP solo que confrotava diretamente a discriminação queer perpetrada pela Igreja Católica e a cultura de vergonha e pureza presente em sistemas religiosos, o artista conquistou um público internacional e a aclamação de diversos músicos e críticos da indústria. Em 2014, Hozier consolidou de fato sua carreira musical com o lançamento do álbum homônimo, “Hozier”. Refletindo uma eclética gama de influências, inspiradas desde os sons gospel de Nina Simone e Aretha Franklin, até a melodia folk dos talentos de Paul Simon e Tom Waits, o primeiro álbum de Hozier abordou fortemente temas como ódio, hipocrisia religiosa e questões sociopolíticas, temas estes que ecoariam ao longo de sua carreira musical e ativismo político. (Cabral, 2018)

Tal afirmação pode ser corroborada pelo lançamento de seu próximo álbum “Wasteland, Baby!” em 2019, expandindo a paleta política de Hozier ao mesmo tempo que reflete a contenda do mundo atual. A primeira música do álbum, “Nina Cried Power”, é uma homenagem aos legados de notáveis artistas como Nina Simone, Bob Dylan, Joni Mitchell, Billie Holiday e Mavis Staples, em virtude de seu engajamento político durante suas trajetórias artísticas, amalgamando arte e crítica sociopolítica para engendrar as consagradas “canções de protesto”. 

Adicionalmente, o músico também se inspirou profundamente em renomados escritores e poetas irlandeses, tais como W.B. Yeats, Oscar Wilde, Seamus Heaney e James Joyce, evidenciando a íntima ligação de Hozier com sua terra natal e a marcante influência da rica herança cultural irlandesa nas composições do artista. Em realidade, sua criação irlandesa desempenhou um papel importante na sua formação como ativista político, e sua influência pelo blues, gospel e outros gêneros musicais predominantemente afro-americanos tem forte ligação política e social. (Radical Reads, 2021)

A solidariedade entre irlandeses e afro-americanos é histórica, com o movimento pelos direitos civis irlandês sendo diretamente inspirado pelos direitos civis americanos da década de 1960. É nesse contexto que Hozier busca deliberadamente evocar o momento de solidariedade entre os dois grupos marginalizados historicamente, adotando elementos de estilos musicais afro-americanos juntamente com o folk irlandês, refletindo assim não apenas seu posicionamento político através de suas letras, mas também por meio da sonoridade de sua música. (Anthony, 2022)

Dessa forma, Hozier pode ser relacionado com a teoria Pós-Colonial das Relações Internacionais por meio de sua abordagem musical e ativismo político, que refletem dinâmicas de poder, identidade e resistência presentes no contexto pós-colonial. Ao incorporar diferentes tradições musicais de distintas culturas, a discografia de Byrne pode ser vista como um reflexo do “hibridismo cultural”, ou seja, o intercâmbio de elementos culturais distintos, resultando em novas formas culturais que incorporam características de múltiplas origens. (Kraity, 2005)

O teórico crítico indiano Homi K. Bhabha, em seu livro The Location of Culture (1994), discute a idéia de um “terceiro espaço”, criado a partir do pressuposto de que as identidades culturais não são fixas, mas sim híbridas e fluídas, resultantes de processos de negociação e intercâmbio cultural entre diferentes grupos, desafiando noções prévias de identidade e promovendo uma compreensão mais complexa das dinâmicas culturais. Para além da solidariedade política entre irlandeses e afro-americanos, a troca cultural permeou as relações entre os dois grupos em diversos campos, como tradições religiosas, culinária, festividades e, principalmente, a música. (Bhabha, 1994)

O jazz e o blues, gêneros tradicionalmente afro-americanos, exerceram uma influência profunda em diversos músicos irlandeses, principalmente aqueles que haviam migrado para os Estados Unidos durante o século XX. Inspirados pelo ritmo, improvisação e expressão encontrados nos gêneros musicais, artistas irlandeses como Van Morrison exploraram e experimentaram com elementos de jazz e blues em suas composições, criando uma fusão única entre os estilos. Dessa forma, as inspirações musicais de Byrne não são apenas um gosto pessoal, mas carregam consigo uma profunda relação histórica e cultural. (Fricke, 2016)

Para além disso, muitas das letras de Hozier abordam questões de identidade, pertencimento e luta por autodeterminação, temas centrais da teoria Pós-Colonial. Ao questionar a autoridade e o legado de sistemas coloniais, o compositor desafia narrativas dominantes acerca da história, poder e identidade, conscientizando seus ouvintes sobre desigualdades e injustiças globais, e convidando-os a pensar criticamente sobre as raízes coloniais históricas e seu reflexo no mundo contemporâneo. Seu single “Swan Upon Leda” (2022) é uma crítica acerca das dinâmicas de opressão, deidificando aqueles que buscam resistir às injustiças infligidas sobre eles. Fazendo referência ao mito grego de Leda eo Cisne, que carrega o tema de violação do corpo das mulheres, Hozier conecta com a experiência de mulheres privadas de seus direitos reprodutivos, e por fim, amplia o significado da metáfora, comparando a violência interpessoal à violência internacional colonialista, ao mencionar o  “império sobre Jerusalém” de Israel. (Gallegos, 2022)

Seu último álbum, lançado em agosto de 2023, “Unreal Unearth” é uma continuação coerente da carreira artística de Hozier. Utilizando como tema principal os nove círculos do inferno descritos no poema épico de Dante Alighieri, A Divina Comédia, o artista explora temas religiosos, entrelaçando com a condição humana, resistência cultural e mecanismos de opressão. Em “De Selby (parte 1)”, a música termina com Hozier cantando em sua língua nativa, o gaélico, representando o papel fundamental da linguagem como forma de resistência e de preservação da identidade, assim discutido por teóricos pós-coloniais como Frantz Fanon. (Fanon, 1961)

No entanto, é em “Eat Your Young” que se destaca no álbum como uma música assumidamente política. Ao fazer referência ao terceiro círculo do inferno de Dante, onde almas glutonas são confinadas no lodo de seus excessos, Hozier aborda a ganância corporativa do sistema capitalista e a voracidade da guerra, que é amplamente lucrativa para setores e conglomerados políticos. O título da música é uma alusão direta ao discurso satírico publicado em 1729 por Jonathan Swift, intitulado “Uma Proposta Modesta“, no qual ele ironicamente sugere que a solução para a pobreza na Irlanda do século XVIII seria que as famílias famintas simplesmente comessem seus próprios filhos. Essa referência também ecoa no contexto contemporâneo, aludindo ao recrutamento de crianças e jovens adultos pelo exército, que servem como “alimento” para a máquina capitalista que prospera durante os conflitos. Ao destacar as formas de exploração, violência e opressão que persistem na sociedade contemporânea, Hozier faz uma crítica fundamental ao sistema capitalista, ressoando fortemente com as preocupações pós-coloniais sobre poder, resistência e justiça social. (Britannica, 2024)

Hozier destaca-se atualmente não apenas como um músico e escritor, mas também como uma figura proeminente que utiliza sua plataforma para engajar-se em discussões significativas sobre os problemas que afetam o mundo contemporâneo. Apesar de muitas vezes sua obra ser reduzida a uma análise superficial, categorizada dentro de um grupo estético, as músicas de Hozier transcendem esse estereótipo ao oferecerem uma complexa interseção entre literatura clássica, mitologia, religião e pensamentos sociopolíticos sobre colonialismo e opressão sistêmica. Ao explorar temas como ganância corporativa, exploração econômica e militarismo, Hozier desafia as normas culturais dominantes e convida seus ouvintes a refletirem sobre questões profundas e urgentes que moldam o mundo em que vivemos. Combinando esses elementos com uma sonoridade que evoca gêneros musicais culturalmente ricos, Hozier cria uma forma de arte que não só entretém, mas também educa e inspira, proporcionando aos seus ouvintes uma oportunidade única de ganhar perspectiva e promover a reflexão crítica sobre a condição humana e o estado atual da sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTHONY, Jessica. Middle School Gothic: Hozier Self-titled and the Whitewashing of the Irish. WVAU, 29 de março de 2022. Disponível em: https://wvau.org/10587/uncategorized/title-middle-school-gothic-hozier-self-titled-and-the-whitewashing-of-the-irish/

A Modest Proposal. Britannica, 15 de março de 2024. Disponível em: https://www.britannica.com/topic/A-Modest-Proposal.

BHABHA, H. K. The Location of Culture. London: Routledge, 1994.

CABRAL, Angelica. Hozier Ditches ‘Church’ Gets Political in new EP. Phoenix New Times, 11 de outubro de 2018. Disponível em: https://www.phoenixnewtimes.com/music/hozier-ditches-church-gets-political-on-new-ep-10884076

FANON, F. The Wretched of the Earth. Cape Town: Kwela Books, 1961.

FRICKE, David. Van Morrison: The Rolling Stone Interview. 26 de setembro de 2016. Disponível em: https://www.rollingstone.com/music/music-features/van-morrison-the-rolling-stone-interview-102974/

GALLEGOS, Morgan. The Sound of Solidarity in Hozier’s Latest Single “Swan Upon Leda”. The Wellesley News, 22 de outubro de 2022. Disponível em: https://thewellesleynews.com/2022/10/22/the-sound-of-solidarity-in-hoziers-latest-single-swan-upon-leda/

Hozier – The Vogue. Disponível em: <https://thevogue.com/artists/hozier/#bio>.

Hozier’s Poetic & Literary Influences. Radical Reads, 21 de julho de 2021. Disponível em: https://radicalreads-com.cdn.ampproject.org/v/s/radicalreads.com/hozier-favorite-books/?amp=&amp_gsa=1&amp_js_v=a9&usqp=mq331AQIUAKwASCAAgM%3D#amp_tf=From%20%251%24s&aoh=17113687455643&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&ampshare=https%3A%2F%2Fradicalreads.com%2Fhozier-favorite-books%2F

KRAITY, Marwan M. Hybrity, or the Cultural Logic of Globalization. Temple University Press, 2005.