
Keity Oliveira e Lara Lima (acadêmicas do 7º semestre de RI da UNAMA)
A Ferrogrão é um megaprojeto de ferrovia com quase mil quilômetros que pretende ligar Sinop, em Mato Grosso, até Miritituba, no Pará, passando por Itaituba (PA). Se aprovado, o trem cortará ao menos seis terras indígenas, onde vivem aproximadamente 2,6 mil pessoas, além de 17 unidades de conservação e 3 comunidades de povos indígenas isolados, que não tem contato com não indígenas, conforme dados realizados pelo Infoamazônia (Melito, 2023).

Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia suspendido por seis meses a análise sobre a constitucionalidade da construção da ferrovia, no entanto, no último dia 20 de março, o tema voltou ao gabinete do STF no âmbito da Ação Direta de Insconstitucionalidade (Adin) que gerou a suspensão temporária do projeto. Apesar de ainda não ter sido divulgada a decisão sobre a continuidade ou não do megaprojeto, foi ressaltado pelos ministérios dos Povos Indígenas e dos Transportes que seria feito uma consulta prévia aos povos indígenas que podem ser impactados, após uma série de críticas feitas pela sociedade civil acerca da implementação da ferrovia.
A realidade do acesso, uso e apropriação das terras brasileiras se resulta de uma condição colonial secular de longa exploração que além de devastar física e culturalmente as comunidades, também garantiu a instituição das grandes propriedades privadas nas mãos de poucos. A Lei de Terras de 1850, conforme Silva (2018), foi o “batismo do latifúndio” e marcou estratégias (i)legais e políticas que favoreceram economicamente as classes dominantes no meio agrário que reverberam até os dias atuais.
A legitimação do latifúndio também significou a base da violência social, desagregação, desaldeamento e superexploração das massas pobres trabalhadoras do campo, indígenas e negras do país (Silva, 2018). O avanço do capitalismo predatório e suas vertentes na Amazônia corroborou para as constantes ameaças de expropriação e reprodução das formas de rompimento com seu principal meio de reprodução da vida: a terra.
A disputa de terras e o monopólio da posse nas mãos de classes economicamente mais ricas são os principais impasses vividos pelas populações tradicionais que residem em regiões ricas em recursos naturais, sobretudo quando essa classe dominante se encontra bem representada em uma bancada ruralista no Parlamento brasileiro e em aparelhos hegemônicos que atuam para legitimar os interesses do agronegócio.
O projeto da Ferrogrão, instituído em 2012, tem custo de construção de aproximadamente R$ 24 bilhões e o prazo de concessão de uso é de 69 anos. O projeto é impulsionado por corporações ligadas ao agronegócio como Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus, além de produtores de soja e milho no Centro-Oeste brasileiro, que pretendem baratear a exportação de grãos.
A ferrovia seria uma alternativa à rodovia BR-163 conhecida como rota da soja, do milho e do algodão, construída na década de 1970 para ligar os dois estados. A promessa é de que a construção da ferrovia consolide, a longo prazo, um corredor logístico capaz de reduzir distâncias e diminuir os preços para quem exporta os produtos agrícolas. Além disso, o empreendimento promete aliviar as condições de tráfego na BR-163 com o objetivo de diminuir o fluxo de caminhões pesados e os custos com a conservação e a manutenção, o que possibilitaria a redução nas emissões de carbono para queima de combustível fóssil (BRASIL, s.d.)
No entanto, apesar das promessas de benefícios, segundo estudos feito pela Universidade Federal de Minas Gerais, a ferrovia pode desmatar 49 mil km² em 48 cidades, ou seja, a área é 64% superior à devastação recorde da Amazônia em 2022 (17,7 mil km²) e maior que o estado do Rio e países como Eslováquia, Dinamarca e Holanda (Sobrinho, 2023).
O megaprojeto foi apoiado pelo governo Dilma e posteriormente pelos governos Temer e Bolsonaro. Recentemente, Renan Filho (MDB), ministro dos Transportes, afirmou que a construção da Ferrogrão segue na agenda governamental de Lula no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e que o projeto será atualizado para obter o licenciamento ambiental pelo IBAMA (Ohana, 2024).
Apesar da recente decisão de Alexandre de Moraes sobre o projeto, diversos grupos indígenas afirmam que nunca chegaram a serem consultados acerca do projeto, desde seu pedido de formalização, o que está gerando cada vez mais críticas da sociedade civil sobre o tema. No início do mês, indígenas, ribeirinhos, quilombolas e agricultores familiares realizaram atos em frente ao porto da exportadora de grãos Cargill, em Santarém (PA), em protesto contra a construção da ferrovia (Junqueira, 2024).
Alessandra KorapMunduruku, ativista e uma das principais lideranças indígenas da bacia do Rio Tapajós destaca que:
“Somos contra a Ferrogrão porque ela vai tomar as nossas terras. São os trilhos da morte. A soja não é o nosso alimento. Ela destrói as nossas casas.” (Junqueira, 2024).
Portanto, levando em consideração que o projeto do Ferrogrão pode se tornar um meio de violação dos direitos das comunidades tradicionais e do meio ambiente, como também possibilitará o estimulo ao aumento do desmatamento, grilagem e conflitos por terra, é de suma importância que os povos que serão afetados, caso esse projeto seja implementado, sejam consultados e que tenham o poder de influenciar na tomada de decisão estatal (Torres e Branford, 2018).
Nesse sentido, o Cacique Raoni ao receber honraria de Macron, na visita que o presidente francês fez a Belém, juntamente com o presidente Lula, aproveita a oportunidade para cobrar ações do governo brasileiro e diz:
“Presidente Lula, me escuta, eu subi com você na posse, na rampa [do Palácio do Planalto], e eu quero pedir que vocês não aprovem o projeto de construção da ferrovia de Sinop a Miritituba, mais conhecido como Ferrogrão”, afirmou. “Sempre defendi que não pode ter desmatamento, não consigo aceitar garimpo. Então, presidente, quero pedir novamente que você trabalhe para que não haja mais desmatamento e também que você precisa demarcar as terras indígenas” (VILELA, 2024).
A luta dos povos tradicionais é antiga, pois constantemente os seus direitos são violados e é necessário fazer valer a lei. A floresta amazônica é o lar dos povos indígenas e tradicionais. Antes de se pensar em qualquer projeto que contribua para o desenvolvimento, é de fundamental relevância levar em consideração a opinião das comunidades.
Diante do tema exposto, recomendamos o documentário “Pisar Suavemente na Terra”, (2022), dirigido por Marcos Colón, com o objetivo de mostrar a luta diária dos guardiões da floresta em diferentes regiões. Os povos compartilham as histórias de destruição, com a chegada de grandes empreendimentos e projetos desenvolvimentistas. O documentário está disponível para ser assistido na plataforma de streaming JustWatch, através do link a seguir:
<https://click.justwatch.com/a?>
Também recomendamos a leitura do livro “Ideias para adiar o fim do mundo”, (2019), escrito por Aílton Krenak, que é um líder indígena e ambientalista, em seu livro ele tece críticas a ideia de humanidade como algo separado da natureza, que não reconhece as riquezas que estão destruindo, como a floresta amazônica e sua biodiversidade. Os desastres ambientais que vêm ocorrendo atualmente também são frutos desses projetos de desenvolvimento, como o Ferrogrão. O livro está disponível para ser adquirido na Amazon, através do link a seguir:
Por fim, evidencia-se a importância do Instituto Socioambiental (Isa), que atua ao lado de indígenas, quilombolas e extrativistas, desde 1994, com o intuito de desenvolver soluções que protejam seus territórios, cultura e tradições. O instituto é responsável por lançar estudos que apontam que os territórios indígenas podem ser impactados por futuras obras do governo e pressionam as autoridades.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT. Ferrogrão – EF-170. [s.d.]. Disponível em: <https://www.gov.br/antt/pt-br/assuntos/ferrovias/novos-projetos-ferroviarios/ferrograo-ef-170> Acesso em: 29 de março de 2024.
JUNQUEIRA, Diego. Ferrogrão: indígenas protestam contra ferrovia apoiada por Lula e Bolsonaro. Repórter Brasil. Publicado em: 04 de março de 2024. Disponível em: <https://reporterbrasil.org.br/2024/03/ferrograo-protesto-indigena-cargill-lula-bolsonaro/> Acesso em: 29 de março de 2024.
MELITO, Leandro. Ferrogrão afetará pelo menos 6 terras indígenas, 17 unidades de conservação e 3 povos isolados. Brasil de Fato. Publicado em: 06 de julho de 2023. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2023/07/06/ferrograo-afetara-pelo-menos-6-terras-indigenas-17-unidades-de-conservacao-e-3-povos-isolados> Acesso em: 29 de março de 2024.
OHANA, Victor. Os planos do governo Lula para o projeto da Ferrogrão, segundo o ministro dos Transportes. Carta Capital. Publicado em: 10 de janeiro de 2024. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/os-planos-do-governo-lula-para-o-projeto-da-ferrograo-segundo-o-ministro-dos-transportes/> Acesso em: 29 de março de 2024.
TORRES; BRANFORD. Maurício; Sue. Ferrogrão ameaça grupos indígenas e a Floresta Amazônica. MONGABAY. Publicado em: 12 de junho de 2018. Disponível em:<https://brasil.mongabay.com/2018/06/ferrograo-ameaca-grupos-indigenas-floresta-amazonica/?noamp=mobile#respond. > Acesso em: 30 de março de 2024
SOBRINHO, Wanderley Preite. Novo trem na Amazônia ignora 4 ferrovias e pode devastar um estado do Rio. Publicado em: 03 de julho de 2023. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2023/07/03/ferrograo-amazonia-ferrovia.htm> Acesso em: 29 de março de 2024.
SILVA, Elisângela Cardoso de Araújo. Povos indígenas e o direito à terra na realidade brasileira. 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/sssoc/a/rX5FhPH8hjdLS5P3536xgxf/abstract/?lang=pt> Acesso em: 29 de março de 2024.
VILELA, Pedro Rafael. Cacique Raoni recebe honraria de Macron e pede demarcações a Lula. AgênciaBrasil. Publicado em: 26 de março de 2024. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-03/cacique-raoni-recebe-honraria-de-macron-e-pede-demarcacao.> Acesso em: 29 de março de 2024.
