
Amanda Olegário – acadêmica do 5º semestre de Relações Internacionais da Unama.
Em 31 de março de 1964, o presidente João Goulart sofreria um golpe de estado que permitiu a ascensão dos militares ao poder com o apoio da elite civil. Esse dia marcou o início da Ditadura Militar no Brasil, que perduraria até o ano de 1985 (ANDRADE, 2024).
O golpe civil-militar não foi realizado de uma hora para outra. Era uma intervenção que estava sendo planejada e discutida por anos em instituições, “como a Escola Superior de Guerra (ESG), criada em 1948, ou o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), fundado em 1962 por lideranças empresariais” (DEL PRIORE, 2010, p. 339). Outro indicativo de que o golpe estava sendo organizado a tempos foram os documentos da operação “Brother Sam”, no qual previa que se ocorresse algum tipo de resistência, o governo norte-americano interviria e “doaria” 110 toneladas de armas e munições ao Exército brasileiro (DEL PRIORE; VENANCIO, p. 339), como forma de extinguir a suposta ameaça comunista no Brasil.
O que culmina, de fato, na execução do golpe foram a popularidade do presidente João Goulart e sua agenda política a qual introduziu temas que nem a própria ditadura conseguiria extinguir posteriormente, como a reforma agrária, a habitação popular, o analfabetismo e a reforma universitária, por exemplo. Em suma, João Goulart foi deposto por não ter estabelecido uma política militar satisfatória, e porque deu a impressão de ter fomentado conquistas populares amplas, que, aos olhos de alguns âmbitos da elite, poderiam levar à radicalização da democracia (FICO, p. 74 – 75).
Do mesmo modo, tais conquistas populares impediriam a consolidação do plano de desenvolvimento para o país planejado pelos militares, o qual era amplamente apoiado pelo empresariado nacional, que se baseava na retomada do modelo implantado no final da década de 1950. Esse modelo envolve a associação entre empresas nacionais privadas, multinacionais e estatais. Para implementá-lo de forma eficaz, há uma meticulosa organização da repressão ao movimento sindical e à oposição política (DEL PRIORE; VENANCIO, p. 339) desde os primeiros dias do pós-golpe, demonstrando o caráter ditatorial e autoritário do regime (ANDRADE, 2024).
No entanto, segundo os autores Mary del Priore e Renato Venancio (2010), a ditadura não é estabelecida imediatamente após a deposição do presidente, pois o governo militar realizou eleições indiretas e elegeu o general Humberto Castelo Branco como presidente do Brasil (ANDRADE, 2024). Ademais, após o golpe, os conspiradores dependiam do apoio de grupos legalistas e defensores do retorno do poder civil nas eleições seguintes. A ausência de resistência inicial desarma a linha-dura, mas logo os militares identificados com o general Costa e Silva ganham força, especialmente após as derrotas nas urnas. Isso leva à imposição dos Atos Institucionais 2 e 3 (AI-2 e AI-3), abolindo os partidos existentes e as eleições diretas, consolidando o domínio militar.
Outrossim, o general Castelo Branco, durante seu governo, exerceu liderança e recebeu apoio significativo para cometer violências contra opositores, enquanto tentava disfarçar a natureza autoritária de seu regime, fazendo parecer que não se tratava de uma ditadura.
Dentro da perspectiva das Relações Internacionais, o autor Michel Foucault (1970), pertencente à Teoria Pós-Moderna, postulou que o conhecimento é historicamente construído, não sendo natural. Essa visão estabelece uma conexão entre poder e saber, sugerindo que a verdade é legitimada por meio de um discurso dominante que exclui outras perspectivas (INTERNACIONAL DA AMAZÔNIA, 2022). Isso é perceptível no regime militar quando Costa e Silva, sucessor de Castelo Branco, fortaleceu o caráter autoritário da ditadura instituindo a AI-5, dando poder a ele e, posteriormente, aos presidentes Médici, Geisel e Figueiredo de cassar mandatos, suspender direitos políticos, censurar jornais e outras obras artísticas e intelectuais, suspender Habeas Corpus para crimes políticos, por exemplo, estabelecendo sua autoridade em todos os âmbitos.
Esse discurso reforça e perpetua estruturas sociais, consolidando assim a relação entre poder e saber. Foucault enfatiza a necessidade de resistência e emancipação para criticar os discursos dominantes, desmistificando saberes que naturalizam a realidade, argumentando que a verdade está intrinsecamente ligada ao poder, sendo produzida e regulamentada por diferentes formas de coerção (INTERNACIONAL DA AMAZÔNIA, 2022). Os movimentos de resistência, sejam por meio de organizações como a União Nacional dos Estudantes (UDN), de movimentos artísticos ou por resistências armadas, expunham denúncias contra o governo e traziam discursos que convocavam a população para que realizassem manifestações de protesto como forma de expressar sua desaprovação e sentimento de indignação, desafiando o poder dominante dos militares.
Com isso, compreende-se que o golpe civil-militar de 1964 no Brasil instaurou uma ditadura militar que controlava não apenas a política, mas também o discurso público e o conhecimento. As ideias de Foucault sobre a relação entre poder e saber revelam como o discurso dominante é usado para legitimar estruturas de dominação. No entanto, a resistência popular mostra que a verdade é objeto de disputas políticas, ressaltando a importância da luta pela emancipação e por uma verdade plural e inclusiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEL PRIORE, M.; VENANCIO, R. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.
FFLCH USP. 60 anos do golpe militar no Brasil. Disponível em: <https://www.fflch.usp.br/169545>. Acesso em: 5 abr. 2024.
FICO, Carlos. O Grande Irmão: da Operação Brother Sam aos anos de chumbo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
INTERNACIONAL DA AMAZÔNIA. Pensamentos Internacionalistas – Teoria Pós-Moderna: Foucault e Der Derian. Disponível em: <https://internacionaldaamazonia.com/2022/11/24/pensamentos-internacionalistas-teoria-pos-moderna-foucault-e-der-derian/>. Acesso em: 6 abr. 2024.
MEMÓRIAS DA DITADURA. As primeiras manifestações de resistência. Disponível em: <https://memoriasdaditadura.org.br/manifestacoes-iniciais-de-resistencia/>. Acesso em: 5 abr. 2024.
