
Camila Neris – acadêmica do 7º semestre de Relações Internacionais da Universidade da Amazônia (UNAMA)
Os estudos de segurança internacional no campo das Relações Internacionais, foram tradicionalmente permeados pela dualidade da corrente realista versus idealista, que apesar das diferenças partiam da mesma preocupação: a garantia da segurança nacional. Nesse sentido, as análises de cenário e estudo da segurança eram monopolizadas pelo setor de Estudo Estratégico militar de cada nação, e as decisões eram pensadas majoritariamente pelo viés realista. Então, a conceituação amplamente difundida deriva da associação à segurança nacional e militarização voltada à busca permanente por poder para garantir sua existência.
De acordo com Rudzit (2005), somente após o arrefecimento da Guerra Fria e aparecimento de outras preocupações que fugiam à temática de guerra, teóricos passaram a defender o alargamento do conceito de segurança, gerando debates com relação ao que se quer proteger, porquê e como. O debate, iniciado pelas discussões construtivistas, em evidência Barry Buzan e Ole Waever, abriram espaço para que outras visões pudessem ser escutadas e validadas.
A teoria feminista de relações internacionais se destaca fortemente dentro dos estudos de segurança internacional ao propor novas abordagens a temas tradicionais, incluindo reflexões de gênero, raça e classe, questionando a ausência do protagonismo feminino em arenas de poder e apontando a problemática causada pela masculinidade hegemônica (Monte, 2013).
A feminista Lauren B. Wilcox, professora adjunta e Diretora do Centro de Estudos de Gênero da Universidade de Cambridge, tem se destacado no campo de Relações Internacionais ao estudar a área de segurança internacional. Lauren busca evidenciar nos seus estudos a violência política, subjetividade e o conceito de “corporificação” a partir da perspectiva da teoria feminista e queer.
Devido a formação do Estado-nação ter sido forjada no cenário de guerra, o campo das relações internacionais começou a desenvolver as análises de segurança internacional lançando suas premissas enviesado pela idéia hobbesiana de auto-proteção. Uma das principais premissas é a de que o Estado deve ser capaz de aplicar ou ameaçar aplicar violência em nome de manter seu status quo, pois a anarquia do sistema internacional pressupõe caos e destruição (Wilcox, 2015). Assim, essas premissas contribuíram para a perpetuação de uma lógica violenta dentro das análises de defesa.
Em seu livro “Bodies of violence: Theorizing embodied subjects in international relations” (2015), Wilcox, nos revela a irônica dualidade presente dentro das tradicionais análises de política internacional, isso porque nessa configuração o Estado se apresenta metaforicamente como um corpo unitário — Hobbes personifica o Estado na figura do Leviatã —, que sente medo, ameaça, se enfraquece e é atingido.
Esta narrativa é usada para reforçar que o Estado precisa ser defendido caso contrário pode morrer, no entanto ignora-se que os verdadeiros afetados pelas medidas e decisões estratégicas de guerra são essencialmente indivíduos, corpos que são afligidos por dor, medo, tortura e morte (Schelling,1966).
Ao entender que a relação entre corpos, sujeito e violência continua subteorizado diante da super-exaltação da segurança nacional, a abordagem feminista nos estudos de segurança internacional pretende então romper com a naturalização da violência e humanizar corpos, através da análise das relações de força, violência e linguagem.
Desta forma, Wilcox propõe então a teorização da violência política internacional. É necessário reconhecer que a violência não é mero instrumento da ação racional dos atores, mas uma força que por si só é capaz de transformar e moldar relações, que provocam ou reforçam a generificação e racialização desses corpos. Como resultado, o corpo do indivíduo é enxergado como objeto inanimado, a serviço da manipulação estratégica.
Portanto, os estudos de Lauren Wilcox contribuem para demonstrar a relevância de uma abordagem feminista na análise das relações internacionais, desafiando as normas estabelecidas e revelando as camadas de poder e violência enraizadas à estrutura do Estado. A compreensão crítica da militarização dos corpos é fundamental para forjar uma visão mais justa e equitativa das dinâmicas globais e promover a necessária humanização dos sujeitos muitas vezes invisibilizados nas análises tradicionais de segurança internacional.
Referências
MONTE, Izadora Xavier do. O debate e os debates: abordagens feministas para as relações internacionais. Revista Estudos Feministas, v. 21, p. 59-80, 2013.
RUDZIT, Gunther. O debate teórico em segurança internacional: mudanças frente ao terrorismo?. Civitas: revista de Ciências Sociais, v. 5, n. 2, p. 297-323, 2005.
SCHELLING, Thomas C. Arms and Influence. Nova York: Yale University Press, 1966.
WILCOX, Lauren B. Bodies of violence: Theorizing embodied subjects in international relations. Oxford University Press, 2015.
