
Caira Queiroz e João Pedro, acadêmicos do 3° semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
Em 22 de abril de 1970 nascia Pedro Paulo Soares Pereira, um dos artistas mais importantes do rap brasileiro e que colaborou fortemente para o estabelecimento de um estilo dentro do gênero, o líder dos Racionais MC ‘s: Mano Brown. Sob a criação solo da sua mãe, Ana Pereira Soares, o artista cresceu na periferia da Zona Sul da cidade, especificamente no bairro do Capitão Poço. A vivência no local foi base para que o rapper desenvolvesse suas inspirações musicais, retratando normalmente em seus versos sobre problemáticas comuns do subúrbio como racismo, violência e desigualdade (Pensador, s.d.).
O apelido “Brown” surgiu em uma roda de samba, em 1986. Os companheiros da roda compararam o seu repique de mão de Pedro Pereira e as batidas que fazia referentes ao funk americano com a desenvoltura artística de James Brown (1933-2006), um dos mais influentes multi-instrumentistas norte-americano do século XX. Desde então, o “Mano” remete ao termo que os amigos se denominavam e o “Brown” de James Brown (Enciclopédia Itaú Cultural, 2024).
Aos 17 anos, com o nome artístico já definido, o rapper escreve sua primeira composição chamada de “Terror da Vizinhança”, mas não é gravada. No mesmo período, Mano Brown começa a frequentar encontros entre artistas de rap de São Paulo e logo em seguida forma dupla rap BB Boys com Paulo Eduardo Salvador (o Ice Blue), seu amigo de infância. Juntos, a dupla participou de concursos e eventos que chamaram atenção do público através de suas músicas que descreviam as problemáticas rotineiras da periferia (Racionais Oficial, s.d.).
Brown teve grande influência e inspiração em um dos primeiros rappers brasileiros que esboçou uma crítica social em suas letras. E bebendo de outras fontes de compositores que frequentavam a São Bento (praça da estação de trem do metrô de SP), ponto de encontro de jovens que dançavam e faziam rap nas décadas de 80 e 90, o artista iniciou sua transição artística para um discurso mais engajado através de suas composições.
Já no fim dos anos 1980, nasce a formação de uma das bandas de rap mais conceituadas do Brasil, pois a dupla conhece Edi Rock e KL Jay e se juntam formando os Racionais MC´s, onde o grupo lança suas primeiras músicas: “Pânico na Zona Sul” (de Mano Brown) e “Tempos Difíceis” (de Edi Rock) na coletânea Consciência Black (1989). Nos anos seguintes, o grupo gravou mais 5 discos, sendo eles Holocausto Urbano (1990), Escolha Seu Caminho (1993), Raio X Brasil (1994), Sobrevivendo no Inferno (1997) e Nada Como Um Dia Após o Outro Dia (2002) (Enciclopédia Itaú Cultural, 2024).
Cada um dos discos tem uma singularidade de acordo com o contexto da época de seus lançamentos. Por exemplo, em um contexto pós-ditadura militar, Brown encontra a periferia brasileira como ambiente hostil, sem cuidados, negligenciado pelo governo e marginalizado. Adquire uma necessidade de ser ouvido, de transmitir suas ideias e usar sua liberdade de expressão através de suas composições para denunciar o sistema exploratório em que vivia. Seu reconhecimento chega logo nos primeiros discos do grupo Racionais MC’s, mas a sua mensagem atinge o maior número de pessoas com “Raio X Brasil (1993)”.
De imediato, é clara as críticas e as mensagens que o grupo queria e obteve sucesso em passar. Em faixas como “Mano na Porta do Bar” e “O Homem na Estrada”, Brown conta histórias intimistas e carregadas de vivência e experiências próprias para provocar uma reflexão. Na primeira citada, a história é sobre um homem periférico que tem seus valores deteriorados ao entrar na vida do crime por conta de dívidas, falta de dinheiro e a supervalorização do consumo causadas pelo “capitalismo selvagem” citado por Brown.
Quatro anos após Raio X Brasil, em 1997, o maior clássico do Hip Hop Brasileiro vem em formato de um disco com 12 faixas, relatando mais uma vez a vida na periferia, descaso social, vida criminosa, racismo e até religião. O disco é lançado em uma época turbulenta no Brasil, há um crescimento na violência e tragédias que influenciaram algumas faixas do álbum, como o “Diário de um detento” que teve composição direta de um ex-detento do Carandiru. A ausência de direitos humanos e a falta de valorização à vida humana presente no sistema carcerário brasileiro e o Massacre do Carandiru ocorrido em 1992 tiveram grande influência nessa faixa.
Em 2002, ano que Brasil foi pentacampeão da Copa do Mundo, ano que o governo Lula finalmente é eleito após muitas lutas internas, também é o ano em que é lançado “Nada como um dia após o outro dia”, agora a relação com a periferia está mais direta, Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay tem um melhor entendimento e maior aprofundamento nas raízes da eterna luta do negro e da periferia brasileira. “Negro Drama”, “Vida Loka Pt 2” e da “Da ponte pra cá” evidenciam esse aprofundamento.
O disco mais amplo do quarteto, um dos mais poderosos clássicos instantâneos da música brasileira. Além de ter todos os elementos antes apresentados nas composições de Brown, têm também a sua melhoria e a inovação. Agora com ritmos de funk americano, soul, jazz e muito mais referências e apreciação pela música negra brasileira de Jorge Ben Jor, Tim Maia, Cassiano e outros. Nada como um dia após o outro dia consolida ainda mais Racionais e a figura de Mano Brown como ídolos do hip hop brasileiro, e até mais importante, grandes ativistas sociais. E o trabalho social? Seus discos.
Em 2016, Brown deu início a sua carreira solo com um disco de soul e funk “Boogie Naipe”, mantendo contato com seu lado mais romântico e nas palavras do próprio, um Bon-vivant. Porém, não foi com o debut da carreira solo que veio o ativismo social de Brown. Desde os primeiros discos de Racionais é notável a inclinação de Brown para a “esquerda”. Suas composições denunciavam o racismo, a opressão e mostrava de forma nua e crua a violência policial e o descaso do Estado quanto a população negra e pobre do Brasil. Mas é claro que essas denúncias nunca foram pacíficas. A natureza política e social de Brown sempre foi clara durante sua carreira. Era agressivo, certeiro e forte nas suas críticas ao governo que negligenciava as periferias brasileiras nos anos 80 e 90, definitivamente contra o capitalismo e era especialmente intolerante ao racismo.
Chico Science, vocalista da banda de manguebeat Nação Zumbi, dizia que o homem coletivo sente a necessidade de lutar, e Brown com certeza é esse tipo de homem. Vindo das quebradas de São Paulo, ele expressa com muito orgulho o seu amor pela sua cultura, sua raça e fazia de tudo para a manter viva. Suas canções eram nada menos que um grito de expressão que estava recluso no seu povo durante todos esses anos de escravidão, opressão da ditadura e o racismo que até hoje é presente no Brasil. A história de Mano Brown, assim como a história de todo proletariado brasileiro, é uma história de luta de classes. A diferença é que ele se propunha a ser linha de frente nessa luta.
Quanto a participações ativas, Brown sempre foi provocativo. Nas suas letras, botava o dedo na ferida, na vida não ia ser diferente. Em diversas entrevistas deu declarações polêmicas e assertivas. Como quando falou sobre a taxa extremamente alta de mortes brutais de negros no país e afirmou categoricamente que o Brasil é sim uma máquina de matar pretos. Ou quando no Ato da Virada do PT em 2018, onde ele admitiu a derrota inesperadamente e fez uma crítica à organização do ato que prioriza mais o partido político do que de fato o “inimigo”.
Fora isso, Brown não foge de entrevistas e debates. Muitas vezes já admitiu erros e reconheceu letras problemáticas, como o machismo escancarado em faixas antigas do Racionais, já abandonou o semblante de “gangster” para abraçar o seu lado mais tranquilo, e até deu início a um podcast. O “Mano a mano”, que começou em 2021 e conta com diversos convidados importantes tanto para o Hip Hop quanto para outras pautas sociais e políticas no Brasil. Alguns exemplos de convidados são: Lula, Djonga, Gloria Groove, Drauzio Varella, entre outros.
Dessa forma é possível notar que a trajetória de Mano Brown e sua atuação, tanto como integrante do grupo os Racionais MC´s e quanto como artista em carreira solo e seu engajamento em temáticas críticas da periferia reflete muitos dos princípios e preocupações centrais da Teoria Marxista de Relações Internacionais, especialmente no que respeito à 3 eixos principais: luta contra o sistema, malefícios causados pelo capitalismo e crítica à desigualdade social e racial.
As críticas incisivas através dos versos de suas músicas no grupo os Racionais MC´s ao abordar questões sociais, econômicas e políticas que afetam as comunidades marginalizadas no Brasil, especialmente as periferias urbanas, se alinha com a Teoria Marxista ao enfatizar a luta de classes e a conscientização dos trabalhadores sobre sua própria exploração pelo sistema capitalista. A crítica do artista acerca da desigualdade global e as estruturas de poder que perpetuam a pobreza e a marginalização em escala internacional também estão em consonância com a perspectiva marxista de que o capitalismo globalizado é intrinsecamente desigual e explorador.
“A lei da selva consumir é necessário
Compre mais, compre mais
Supere o seu adversário,
O seu status depende da tragédia de alguém,
É isso, capitalismo selvagem
Ele quer ter mais dinheiro, o quanto puder
Qual que é desse mano?
Sei lá qual que é
Sou Mano Brown, a testemunha ocular
Você viu aquele mano na porta do bar”.
Raio X Brasil. Música: Mano na porta do bar – Racionais MC’s/ Composta por Mano Brown -1993
Através de seus versos, Mano Brown expressa também como o racismo estrutural se entrelaça com esse sistema econômico capitalista e como tal colabora com a perpetuação da marginalização de comunidades negras, apresentando analiticamente as preocupações da Teoria Marxista sobre a interseção entre raça, classe e poder econômico. Essa atuação política e social de Mano Brown tem sido significativa ao longo dos anos, e hoje ele continua a ser uma figura influente em várias outras frentes.
Desde suas participações ativas em debates políticos, engajamento com forte conexão com jovens através da sua presença nas redes sociais, especialmente aqueles que enfrentaram e enfrentam desafios que o próprio artista enfrentou na juventude, os motivando a se envolverem em questões sociais e políticas, e seu envolvido em projetos musicais, colaborações artísticas e eventos que promovem a cultura hip-hop, dando voz às comunidades marginalizadas, Brown continua a desempenhando forte influência como artista na promoção da justiça social, na defesa dos direitos das comunidades marginalizadas e no engajamento político e cultural no Brasil, criando mudanças positivas na sociedade.
REFERÊNCIAS:
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