
Matheus Castanho Virgulino, Internacionalista e Lucas Gabriel, 3° semestre de R.I da Unama
No complexo tabuleiro geopolítico do Oriente Médio, o conceito de guerra por procuração, ou “Proxy War”, emerge como uma estratégia fundamental para potências regionais e globais alcançarem seus objetivos sem envolvimento direto. Nesse contexto, o Irã se destaca como um ator proeminente, utilizando grupos proxy para expandir sua influência e promover seus interesses em toda a região.
O Irã emprega essa tática, examinando seus efeitos nas dinâmicas regionais e nas relações internacionais. Ao compreender a natureza e as implicações das guerras de procuração lideradas pelo Irã, é possível elucidar os contornos do cenário geopolítico do Oriente Médio contemporâneo.
A nova era das relações internacionais inaugurada com o fim da Segunda Guerra Mundial foi famosamente chamada pelo historiador John Lewis Gaddis (1987) de long peace ou “paz longa”. Foi um consenso relativamente geral que a ausência de guerras diretas entre grandes potências e a externalização dos conflitos através de proxies criariam uma arquitetura de segurança estável, embora contestuosa. No entanto, a realidade não poderia estar mais longe disto, e os conflitos por procuração provaram-se muito mais importantes do que se supunha anteriormente.
De um ponto de vista conceptual, podemos categorizar as guerras por procuração, ou proxy wars, como substitutos do uso direto da força, no qual um Estado mais poderoso confia parte da sua força a uma entidade mais fraca para lutar contra o seu inimigo de uma forma que permita ao patrocinador clamar certa negação plausível em suas ações (Moghadam; Rauta; Wyss, 2024 apud Rauda, 2018).
Fundamentalmente, é a terceirização de poderio militar e financeiro visando um objetivo de política externa específico. De maneira geral envolve o apoio de atores estatais, na maioria das vezes grandes potências, apoiando atores não estatais como grupos paramilitares ou organizações terroristas, porém teorias contemporâneas afirmam que também pode envolver o apoio a estados intermediários (id.).
Historicamente, as proxies como instrumento de poder foram usadas desde a antiguidade, como as pequenas guerras entre as cidades-estado gregas patrocinadas por Atenas e Esparta antes da Guerra do Peloponeso, porém é um fenômeno que realmente consolidou-se com o advento da Guerra Fria. As guerras por procuração são primariamente fruto da dissuasão entre potências, em que os danos de uma escalada para o conflito direto superam em magnitudes quaisquer possíveis benefícios estrangeiros adquiridos no caso de uma vitória militar. Logo, o preço é muito maior do que qualquer vantagem obtida.
A dissuasão nuclear e o medo da guerra atômica foram a principal razão pela qual os EUA e a URSS recorreram a conflitos por procuração, como no Afeganistão e na Coreia, onde ainda se havia a necessidade de confronto para diminuir o poder relativo do adversário geopolítico, mas não tanto a ponto de arriscar a intervenção direta da parte patrocinadora. Havia a decisão consciente de travar guerras de maneira limitada e secreta (Carson, 2018). O treino e equipagem de proxies em áreas de conflito foi uma forma conveniente de utilizar o seu enorme poder militar para conter o incremento de influência de seu adversário com custos pessoais e materiais mínimos. Como afirma Stark (2024, p.155 tradução nossa):
As guerras por procuração proporcionaram às superpotências um meio para alcançar objetivos geoestratégicos sem o risco de uma guerra nuclear, ao mesmo tempo que proporcionaram aos grupos dentro dos Estados clientes os meios para atingir os seus objetivos, através da violência, se necessário.
Outra razão pela qual um Estado pode optar por procuradores seria a fragilidade estratégica da sua posição geopolítica, estando rodeado por potências hostis e tendo poucas formas de aumentar o seu poder. Como tal, equipa os movimentos de insurgência para desestabilizar os seus inimigos. Esta foi a opção tomada pela China durante a Guerra Fria, que forneceu equipamento e treino de milícias para os guerrilheiros comunistas do terceiro mundo ao redor do Indo-Pacífico (Chamberlin, 2018). Da mesma forma, estando o Irã isolado no quadro estratégico do Oriente-Médio, em especial pelas monarquias árabes do golfo e o Estado de Israel apoiados pelo Ocidente, opta por fornecer apoio a entidades armadas islamistas e grupos terroristas ideologicamente alinhados.
A particularidade das guerras por procuração do Irã é o papel desempenhado pela Guarda Revolucionária Islâmica (GRI) que, embora seja uma entidade dentro das forças armadas do Irã, é reconhecida por muitos internacionalmente como um grupo terrorista. Fornece formação e equipamento a grupos jihadistas como o Hezbollah, o Hamas e os Houthis, criando uma rede armada regional para servir os seus interesses (Robinson; Merrow, 2024).
Estas ações fazem parte de uma Grande Estratégia que procura rever a distribuição de poder no Médio Oriente, ao mesmo tempo que desestabiliza a região o suficiente para impedir uma coligação árabe-israelense mais formalmente defensiva. Como afirma Sabet e Safshekan (2019, p.103 tradução nossa): “Exportação da revolução” torna-se uma abreviatura conveniente para a criação de um sistema regional de atores estatais e não estatais aliados e com ideias semelhantes que maximiza os interesses materiais iranianos”
O perigo desta ligação intermediária entre o Irã e suas proxies é que diminui a sua negação plausível das ações dos seus clientes e aumenta as possibilidades de escalada bélica direta. Assim, trava uma guerra por procuração muito mais direta do que as que ocorreram na Guerra Fria, pois incentiva ações militares diretas contra o GRI, que são tecnicamente ações contra o próprio Irã. O assassinato do general Qasem Soleimani em 2020 e os últimos ataques israelitas contra o consulado iraniano na Síria nascem desta dinâmica. Tal como explicado por Thomas Shelling (2008) na sua obra Arms and Influence, estas dinâmicas de alarmismo mútuo são muitas vezes prelúdios para guerras maiores.
No intrincado cenário geopolítico do Oriente Médio, as guerras por procuração lideradas pelo Irã desempenham um papel crucial na definição das dinâmicas regionais e internacionais. Ao utilizar grupos proxy para promover seus interesses, o Irã busca expandir sua influência e redefinir a distribuição de poder na região. No entanto, essa estratégia não está isenta de riscos, com o potencial de aumentar a instabilidade e o conflito direto. Portanto, compreender as implicações dessas guerras de procuração é essencial para elucidar o cenário geopolítico do Oriente Médio contemporâneo e buscar formas de suavizar os impactos. Recentemente, a retaliação direta do Irã a Israel, sem recorrer às suas proxies, gerou uma reação e um alerta maior na região, podendo levar a uma escalada do conflito a nível regional entre os dois estados, que são abertamente inimigos.
REFERÊNCIAS:
CARSON, Austin. Secret Wars: Covert Conflict in International Politics. Princeton: Princeton University Press, 2018.
CHAMBERLIN, Paul Thomas. The Cold War’s Killing Fields: Rethinking the Long Peace. New York: Harper & Collins, 2018.
GADDIS, John Lewis. The Long Peace: Inquiries Into the History of the Cold War. Oxford and New York: Oxford University Press, 1987.
MOGHADAM, Assaf; RAUTA, Vladimir; WYSS, Michel. The Study of Proxy Wars. In: MOGHADAM, Assaf; RAUTA, Vladimir; WYSS, Michel (ed.). Routledge Handbook of Proxy Wars. London and New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2024. cap. 1, p. 1-14.
ROBINSON, Kali; MERROW, Will. Iran’s Regional Armed Network. Council on Foreign Relations, [s. l.], 15 abr. 2024. Disponível em: https://www.cfr.org/article/irans-regional-armed-network Acesso em: 15 abr. 2024.
SABET, Farzan; SAFSHEKAN, Roozbeh. The Revolutionary Guard in Iranian Domestic and Foreign Power Politics. In: AKBARZADEH, Shahram (ed.). Routledge Handbook of International Relations in the Middle East. London and New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2019. cap. 8, p. 96-109.
SHELLING, Thomas. Arms and Influence. Yale: Yale University Press, 2008.
STARK, Alexandra. The Historic Evolution of Proxy Wars: 1945-2022. In: MOGHADAM, Assaf; RAUTA, Vladimir; WYSS, Michel (ed.). Routledge Handbook of Proxy Wars. London and New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2024. cap. 12, p. 153-162.
