
Karla Cunha Botelho da Silva – acadêmica do 3º semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
“A palavra distingue os homens entre os animais; a linguagem, as nações entre si […]. O uso e a necessidade levam cada um a aprender a língua de seu país” (Rousseau, 2008); parafraseando o filósofo é percebido que a língua foi inventada para exprimir necessidades, configurando-se como a primeira forma de instituição social. No entanto, para além da capacidade comunicativa, a linguagem representa manifestações de poder através de processos impositivos por classes dominantes (Bakthin, 1998). As línguas, segundo Makoni e Pennycock (2006), são invenções que representam construções sociais baseadas em relações históricas coloniais, nacionalistas ou de cooperação.
Analisar os idiomas em torno do globo demonstra um forte caráter geopolítico a partir do entendimento das relações internacionais e de caráter hegemônico. Utilizando-se do ponto de vista do teórico Robert Cox, as ideias — as quais representam um campo amplo — possuem caráter intersubjetivo que tendem a se perpetuar em hábitos e comportamentos, ou seja, as ideias são meios nos quais determinadas ordens sociais se tornam aceitáveis; associado a esse fato, a linguagem se mostra um meio de disseminação cultural para consolidar convicções e, portanto, servem como forma de expansão e confirmação de influências e dominação.
Os meios de influência foram abordados e trazidos também por uma análise neoliberal de Joseph Nye, o qual trabalha conceitos importantes acerca da posição de poder que vão além da questão bélica, trazendo a ideia do Soft Power, definida por Nye como:
“É a capacidade de obter o que você quer através da atração, em vez de coerção ou pagamentos. Surge da atratividade da cultura, dos ideais políticos e das políticas de um país. Quando nossas políticas são vistas como legítimas aos olhos dos outros, nosso poder suave é aprimorado. […] Quando você pode fazer com que os outros admirem seus ideais e queiram o que você quer, você não precisa gastar tanto em paus e cenouras para movê-los em sua direção. A sedução é sempre mais eficaz do que a coerção” (Nye, 2004, p. 10).
De tal modo, o poder brando é essencial para as potências e sua consolidação no cenário internacional uma vez que a capacidade de influenciar decisões de um Estado baseada em abordagens pacíficas e sutis representa a obtenção de poder e um crescimento potencial no sistema global. Nesse contexto, a língua se mostra um forte tipo de Soft Power ao representar difusões semânticas que objetivam, de maneira implícita, atender interesses de uma política externa e garantir um fortalecimento da cooperação internacional.
O poder brando, o qual se distancia de um caráter militarista e rígido, é basilar no atendimento dos objetivos visados pela política externa da China, sendo ela uma política diplomática de independência, de autonomia e de paz, as quais se baseiam na busca por relações amistosas, na coexistência pacífica e na garantia de benefícios recíprocos com os demais países do mundo (Duqing, 1990). Nesse sentido, pode-se inferir que uma diplomacia cultural chinesa — termo que se refere ao uso de questões ou fatores culturais para alcançar objetivos relacionados à política externa — é de exímia importância e de grande valor para uma melhor aceitação e ampliação de influências em terras, por exemplo, africanas, asiáticas e sul-americanas que sofreram fortes impactos com intervenções diretas de outras potências bélicas e econômicas. Com isso, o país chinês se posiciona em uma zona privilegiada por manter boas relações com outros Estados e consegue ampliar seus parceiros comerciais e seu posicionamento no processo globalizado.
A China, atuando como um polo fundamental no mercado globalizado, ao expandir suas relações de troca e também de investimentos, como o Projeto da Nova Rota da Seda, possibilita um maior intercâmbio cultural com os povos que interagem economicamente com a República Popular da China. Essa cooperação econômica internacional possui uma relação de causa-efeito com o ensino da língua chinesa em outros países.
Walter do Nascimento (2021) afirma em seu artigo sobre as relações sino-brasileiras que o avanço das relações comerciais entre o Brasil e a China gerou a necessidade do aprendizado da língua chinesa nos processos de contratação em empresas exportadoras o que desencadeou, consequentemente, trocas culturais mais fortes e a abertura de estabelecimentos que promovessem o ensino do idioma chinês. Em um aspecto regional, o Pará, à título de exemplo, como um Estado de tradição econômica mineral-exportadora e que possui a indústria chinesa como seu principal cliente intensificou trocas comerciais e intelectuais, processo esse que culminou na criação do Instituto Confúcio na região e ampliou o aprendizado da língua chinesa e intercâmbio cultural.
A língua, para tanto, configura-se como relevante meio de troca entre nações. Em um contexto de mudanças constantes no sistema internacional, a China se apresenta como um ator central e de influência em expansão; considerando isso, é esperado o uso do Soft Power para garantir relações amistosas e cooperativas com outras nações, incentivando a perpetuação da estabilidade de suas trocas e sua intensificação, além de garantir boas percepções sobre o país chinês; ideal esse bem fundamentado por Courmont (2012) ao afirmar que a China busca aumentar a consciência das intenções de seus líderes e convencer a comunidade internacional da natureza pacífica da sua emergência e das oportunidades que representa para seus parceiros através de um poder brando excelente.
Referências Bibliográficas:
BAKHTIN, Mikhail. O discurso no romance (1934-35). In: Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. São Paulo: Unesp, 1998.
COURMONT, Barthélémy. Le Soft Power Chinois: Entre Stratégie D’influence et Affirmation de Puissance. Revue d’études comparatives Est-Ouest. vol. 43, n° 1-2, pp. 287-309, 2012. Disponível em: <https://www.cairn.info/load_pdf.php?ID_ARTICLE=RECEO_431_0287&download=1 >. Acesso em: 18 de abril de 2024.
COX, Robert. As forças sociais, Estados e ordens mundiais: além da teoria de Relações Internacionais. Oikos, Rio de Janeiro, vol. 20, nº 2, pp. 10-37, 2021. Disponível em: < https://revistas.ufrj.br/index.php/oikos/article/download/52053/28342 >. Acesso em: 16 de abril de 2024.
DUQING, Chen. Política exterior da China. Instituto de Estudos Avançados da Universidade São Paulo, 1990. Disponível em: < http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/duqingpoliticaexteriorchina.pdf >. Acesso em: 18 de abril de 2024.
MAKONI, Sinfree; PENNYCOOK, Alastair. Disinventing and Reconstituting Languages. UK: Multilingual Matters. 2006.
NASCIMENTO, Walter. Novos agentes e relações internacionais: as relações sino-brasileiras e o ensino do mandarim no Brasil durante o governo Dilma Rousseff. Caderno da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança, Curitiba, v. 4, nº 2, 2021. Disponível em: < https://www.cadernosuninter.com/index.php/ESGPPJS/article/download/1406/1562 >. Acesso em: 17 de abril de 2024.
NYE, Joseph. Soft Power: the means to success in world politics. Nova Iorque: PublicAffairs, 2004.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ensaios sobre a origem das línguas. 3. Ed. Campinas: Editora Unicamp, 2008.
