
Antônio Vieira do Nascimento, acadêmico do 1º semestre de Relações Internacionais
Ficha Técnica:
Gênero: Drama
Duração: 121 minutos
Ano: 2023
Diretor (a): Matteo Garrone
Distribuição: 01 Distribution
País de origem: Itália
Io Capitano, nome esse que será explicado fortemente durante o filme, é uma obra audiovisual vencedora do leão de prata do festival de Cinema de Veneza e indicada ao Oscar de 2024, pela categoria de melhor filme internacional (TERRA, 2023). A obra retrata a desafiadora emigração de africanos até a Europa, focando nos adolescentes Seydou e Bouba, que passam por diversos desafios naturais e humanitários durante a trajetória. Ademais, é discutido a ligação entre essa triste realidade com o egoísmo humano.
A trama introduz o telespectador ao relatar a vida simples e feliz, porém não isenta de desafios e responsabilidades, do protagonista amante de música, Seydou, destacando a sua relação descontraída com a sua mãe, irmãs e seu primo, Bouba, ao mesmo tempo em que foca em demonstrar a sua rotina de trabalho aliado aos estudos. Conforme o filme avança, é exposto, por meio de uma cena em que os primos abrem uma caixa contendo dinheiro, o desejo deles de viajarem do Senegal à Europa, cujo estímulo é influenciado principalmente pela imagem cultural europeia transmitida nas redes sociais. Para Seydou, o objetivo dessa viagem é trabalhar com música junto a Bouba, e proporcionar uma melhor qualidade de vida a sua família.
Mesmo depois da mãe de Seydou o desaprovar e de terem escutado o relato de um homem sobre a realidade angustiante dos imigrantes na Europa, ambos, envoltos de fé, partem rumo ao continente. Durante o trajeto, os dois passam por diversas dificuldades físicas e mentais, cuja causa sempre está associada ao dinheiro. Um exemplo é na cena em que são aconselhados por outro emigrante a inserir o dinheiro deles nos ânus, porque segundo ele, dificultaria a posse do capital pelos rebeldes que patrulhavam o deserto do Saara. Todavia, o método não funciona quando esses são de fato detidos, o que, como consequência, leva-os a serem humilhados pelos rebeldes, assim sendo obrigados a tomar um líquido que expulsasse o dinheiro do local guardado. Visto que apenas Bouba havia escondido o dinheiro, ele é preso.
A medida em que a película chega na última parte, as representações das mazelas do processo emigratório são expostas de forma ainda mais chocantes. Como em uma parte que mostra o protagonista sendo detido pela máfia libanesa, que o tortura em uma prisão. No local, Seydou recebe ajuda de um senhor – também prisioneiro – Os dois, após serem vendidos pela máfia, vão trabalhar em uma residência para conseguir suas liberdades e assim que a conseguem, se separam, pois Seydou tinha o plano de procurar seu primo. Posteriormente, ao encontrar um Bouba baleado e sem esperanças, o protagonista o incentiva a ir a Europa, agora também pela finalidade de tratar a perna do seu amigo em um Hospital italiano. Como de costume, a percurso não é fácil. Ao passo que Seydou não tem outra opção devido à falta de dinheiro a não ser pilotar um barco – nunca havia pilotado – lotado de pessoas até a Itália. No início da viagem se vê (naturalmente) um Seydou inseguro, no fim, em virtude dos empecilhos que ocorrem entre os tripulantes e à guarda costeira italiana, é criado um Seydou mais determinado e maduro, o “Io Capitano”.
Pelo fato de o filme relatar diversas infrações aos direitos humanos, a teoria pós-moderna das R.I, que dentre os seus objetivos busca estudar as desigualdades sociais relacionadas ao poder, é uma das mais pertinentes para análise, pois, durante o filme, é possível ver como os emigrantes são vistos de forma negligente pela sociedade e pelo Estado (BORGES, 2024). O que se confirma na cena em que diversos migrantes são transportados ilegalmente até a Líbia, no trajeto, uma pessoa cai devido à alta velocidade do veículo, no entanto, o motorista continua sem demonstrar a mínima preocupação com o indivíduo. Além disso, no final do filme, durante a viagem de barco a Itália, há um trecho em que Seydou pede ajuda por telefone a uma moça italiana, solicitando que a guarda costeira da Itália resgatasse uma mulher que estava prestes a ter um filho e que corria risco de morte devido ao movimento do barco. Todavia, a moça lhe informa que não é possível fazer o resgate, dado que a guarda costeira havia afirmado que eles não estavam no território marítimo da Itália.
Dessa maneira, essas situações revoltantes podem ser relacionadas com a ideia de “Homo Sacer”, elaborada pelo teórico pós-moderno italiano, Giorgio Agamben. Para o professor, “Homo Sacer” é o indivíduo que se encontra nu perante a sociedade (emigrantes), pois não há nenhuma vestimenta de leis que assegurem os seus direitos, como a vida e liberdade. Portanto, esse sujeito pode ser facilmente excluído, a ponto de não haver punições ao agressor de seus direitos humanos (ALMEIDA, 2022).
De acordo com a teoria pós-moderna, pelo fato de os estados soberanos terem a moral limitada apenas ao seu território, estes são responsáveis por excluir pessoas que estão além de suas fronteiras. Dessa maneira, a teoria crítica essa construção de fronteiras nacionais que limitam a preservação dos direitos humanos (RAMOS,2022). Logo, pode se dizer que essa entidade política usa da instrumentalização das leis (Limite territorial) para assegurar ideologias. Como sequela, a dificuldade imposta pelo Estado faz com que os emigrantes sofram desde o início da viagem, além de fomentar mercados ilegais durante o processo, como o de tráfico humano – visto na cena em que Seydou é vendido para trabalhar em uma casa – e falsificação de passaporte.
No mais, “Io Capitano” é um filme impactante, que faz o telespectador refletir sobre a dominação política dos que possuem muito sobre os que possuem pouco, assim, a disciplina de Relações Internacionais se demonstra essencial para estudar o cenário crítico retratado pelo filme. A obra conta com excelentes fotografias, uma trilha sonora emocionante, e uma direção impecável.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Mário Tito. Direitos humanos: a humanização do Homo Sacer. Internacional da Amazônia, 2022. Disponível em: https://internacionaldaamazonia.com/2022/12/09/direitos-humanos-a-humanizacao-do-homo-sacer/. Acesso em: 20 de abr. de 2024.
BORGES, Thais. Pensamentos Internacionalistas-Pós-modernismo. Internacional da Amazônia, 2024. Disponível em: https://internacionaldaamazonia.com/2024/03/19/pensamentos-internacionalistas-pos-modernismo/. Acesso em: 20 de abr. de 2024.
RAMOS, Danielly. TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS. In: Introdução às Relações Internacionais. São Paulo: Contexto, 2022. cap. 3, p. 63-94.
TERRA. “Filme italiano entra em ‘shortlist’ do Oscar de melhor estrangeiro”. 2023. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/entre-telas/filmes/filme-italiano-entra-em-shortlist-do-oscar-de-melhor-estrangeiro,b5d5a00f8f63b7e2a1b42d178fc72e22pyqaivnz.html. Acesso em: 20 de abr. de 2024.
