Maria Beatriz Machado – 7º semestre de Relações Internacionais da Unama.

No dia 7 de outubro de 2023 a explosão da guerra entre Hamas e Israel abalou o cenário internacional. O ataque do grupo Hamas ao território israelense se deu por meios marítimos, aéreos e terrestres e foi justificado pelo comandante militar do grupo, Muhamad Al-Deif, como — entre outros motivos — resposta ao cerco de Gaza e aos ataques a mesquitas em Jerusalém. A resposta de Israel a esse ataque deu início ao episódio mais violento dos conflitos naquela região desde o século XX (CNN, 2023).

O conflito Árabe-Israelense remonta a um período extenso, que se dá desde a criação do Estado de Israel e segue até os dias atuais acumulando altos números de vítimas (CNN, 2023). Apesar disso, nunca um confronto registrou tantas vítimas como esse. Estima-se que mais de 34 mil pessoas foram assassinadas e 72 mil foram feridas, sendo 72% ou mais de civis, segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza (Al Jazeera, 2024) dentre esses, milhares foram alvos de ataques a hospitais. No 11º dia de conflito, o hospital al-Ahli sofreu um atentado que resultou na morte de 471 pessoas, além de outras centenas de feridos. O hospital era abrigo para diversos deslocados pelo conflito, o que gerou comoção em âmbito internacional e abriu debates sobre as ações de Israel na guerra. Embora as acusações, Israel não assumiu autoria do ataque e mais tarde foi inocentado pela Human Rights Watch (HRW) (O Globo, 2023).

Esse evento foi o primeiro que antecedeu diversos outros ataques a hospitais da região. O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde afirmou que apenas 10 dos 36 hospitais de Gaza têm alguma mínima funcionalidade. Além disso, mais de 800 profissionais da saúde foram mortos ou feridos desde o dia 7 de outubro (Al Jazeera, 2024). Diante disso, buscam-se respostas a respeito das punições aplicáveis a essas barbáries. 

Para tal, tem-se o Direito Internacional Humanitário, que nasce a partir da necessidade de normas para a regulamentação das forças usadas em conflitos e das necessidades humanitárias em tais, limitando os direitos das partes em favorecimento dessas necessidades. As Convenções de Genebra, de 1949, são o braço do Direito Internacional Humanitário onde se tem maior enfoque quanto as vítimas de conflitos armados e apresenta normas de comportamento para todo e qualquer conflito, independentemente de sua natureza ou motivação (LUQUINI, 2003), dentre elas algumas são importantes ao se tratar de civis em hospitais, como: 

4. Proíbe-se o ataque ou a destruição dos bens indispensáveis para a sobrevivência da população civil (alimentos, criações de gado, instalações e reservas de água potável etc.). Proíbe-se o uso da fome como método de guerra. 
5. A assistência aos feridos e enfermos é obrigatória. Os hospitais, as ambulâncias e o pessoal sanitário e religioso serão respeitados e protegidos. O emblema da Cruz Vermelha ou da Meia Lua Vermelha será respeitado em qualquer circunstância e todo abuso a esta norma será sancionado
6. As partes em conflito têm o dever de aceitar as operações de socorro de índole humanitária, imparcial e não discriminatória em favor da população civil. O pessoal dos organismos de socorro será respeitado e protegido. (apud. Jean-Philippe Lavoyer, 1995, pg. 129)

Para além disso, o Direito Internacional Humanitário também discorre sobre os deslocados internos. Em seu artigo “A aplicação do Direito Internacional Humanitário nos “conflitos novos”” (2003), Roberto de Almeida Luquini afirma que, segundo comprovações do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, guerras e conflitos são grandes causas para o aumento de deslocamento populacional. O autor expõe as consequências desse deslocamento enfatizando a fome como principal delas, explicando que a perda das fontes habituais de abastecimento agrava o cenário de fome durante os conflitos e expõe que o impedimento deliberado de ajuda nesses casos, viola diretamente os Protocolos I e II do Direito Internacional Humanitário, que tratam sobre o uso da fome como arma de guerra (LUQUINI, 2003). Nesse cenário, entende-se a importância dos hospitais como locais de abrigo e mais ainda a importância de manter a segurança desses asilos. 

Atualmente, os hospitais em Gaza funcionam como abrigo para diversos deslocados internos e dependem exclusivamente de ajuda internacional para o funcionamento e mantimento desses civis. A ajuda humanitária depende da aprovação de Israel, o que dificulta o processo, já tendo diminuído em quase 80% da ajuda recebida anteriormente a guerra e ainda tem sofrido com a falta de fundos. A UNRWA, principal fornecedora de ajuda àquela região, alertou em fevereiro que poderia ser obrigada a paralisar as atividades após uma dezena de países investidores retirarem o financiamento, influenciados por acusações de Israel quanto a participação de funcionários da agência em ataques do Hamas. A agência alertou também sobre o impedimento de entregar alimentos, acusação que o estado de Israel negou (CNN, 2024).

A vista disso, apresenta-se nas Relações Internacionais o conceito de Governança Global. James Rosenau, em seu livro “Governança sem Governo: Ordem e Transformação na Política Mundial” (2000), aponta sobre as diferenças entre Governo e Governança, onde o primeiro depende da autoridade do Estado e já o segundo considera outros atores dentro das dinâmicas internacionais e argumenta que as transformações na ordem mundial fazem urgente a discussão sobre governança. Para além dos Estados, a governança considera as ONGs (Organizações Não Governamentais) e a Sociedade Civil como atores ativos dentro do sistema. (ROSENAU, 2000).

Considerando os conceitos apresentados por Rosenau e a dimensão do conflito perante o sistema internacional, pode-se perceber como ainda nos dias atuais a dependência dos Estados torna árdua a participação de outros atores dentro da arena internacional. Ações como o corte de verbas da UNRWA, os ataques aos hospitais e a resposta infinitamente mais violenta de Israel, demonstram como a certeza de impunidade dá aos Estados liberdade de ações que podem, inclusive, contradizer as normas do Direito Internacional Humanitário, e elucidam como a ausência de uma governança incisiva não permite que haja punições justas aqueles que descumprem com essas normas.

A descoberta de dezenas de corpos em “valas comuns” no hospital al-Shifa, no fim do mês de março, após uma invasão das forças israelenses que durou duas semanas (BBC, 2024) é mais uma confirmação da necessidade de reavaliação quanto a governança global contemporânea, que deve cada vez mais ser voltada a resolução de problemas priorizando os indivíduos por eles afetados.

Referências: 

EBRAHIM Nadeen; Ajuda humanitária enfrenta obstáculos para entrar em Gaza; entenda motivos. CNN Brasil, 2024. Disponível em: < Ajuda humanitária enfrenta obstáculos para entrar em Gaza; entenda motivos | CNN Brasil > Acesso em: 24 de abril de 2024.

COMO COMEÇOU O CONFLITO ENTRE ISRAEL E PALESTINOS. CNN Brasil, 2023. Disponível em: < Como começou o conflito entre Israel e palestinos | CNN Brasil > Acesso em: 24 de abril de 2024.

KNELL, Yolande e SEDDON, Sean. Como ficou o hospital al-shifa em gaza após duas semanas de incursões israelenses. BBC News Brasil, 2024. Disponível em: < Guerra em Gaza: como ficou o hospital Al-Shifa após duas semanas de incursões israelenses – BBC News Brasil > Acesso em: 24 de abril de 2024.

LUQUINI, Roberto de Almeida. A aplicação do Direito Internacional Humanitário nos “conflitos novos”: Conflitos desestruturados e conflitos “de identidade” ou étnicos. Brasília: Revista de Informação Legislativa. 40 n. 158 abr./jun. 2003

ORGANIZAÇÃO INOCENTA ISRAEL POR ATENTADO EM HOSPITAL EM GAZA QUE DEIXA 471 MORTOS. O Globo, Rio de Janeiro, 28 de novembro de 2023. Disponível em: <Organização inocenta Israel por atentado em hospital em Gaza que teria deixado 471 mortos (globo.com)>. Acesso em: 24 de abril de 2024. 

RAMOS, Jovana; Relendo Rosenau: governança global e people count! na atualidade. Internacional da Amazônia, 2020. Disponível em: < Relendo Rosenau: governança global e people count! na atualidade – Internacional da Amazônia (internacionaldaamazonia.com) > Acesso em: 24 de abril de 2024.

ROSENAU, James. Governing the ungovernable: The challenge of a global disaggregation of authority. 2007.

SIDDIQUI, Usaid; in numbers: 200 days of israel’s war on gaza. Al Jazeera, 23 de abril de 2024. Disponível em: <In numbers: 200 days of Israel’s war on Gaza | Israel War on Gaza News | Al Jazeera>. Acesso em: 24 de abril de 2024.