
Julia Castro, acadêmica do 5º semestre de Relações Internacionais
Ficha Técnica:
Ano: 1993 – 2018
Criador: Chris Carter
Distribuição: 20th Century Fox Television
Gênero: Ficção científica, Terror, Drama
País de Origem: Estados Unidos
Arquivo X (The X Files) é uma série de televisão norte-americana de ficção científica criada por Chris Carter, exibida originalmente entre 1993 e 2002, no canal Fox, tendo um revival de duas temporadas exibidas entre 2016 e 2018. Além da série de TV, foram lançados dois filmes: The X-Files: Fight The Future, lançado em 1998 e The X-Files: I Want To Believe, lançado em 2008. A série foi um imenso sucesso de público e crítica, popularizando temas como o questionamento as autoridades governamentais e teorias da conspiração.
A trama inicia com a médica e agente especial do FBI, Dana Scully, sendo designada para trabalhar em uma unidade pouco conhecida da agência, onde ficam “escondidos” casos paranormais e não solucionados, chamada de Arquivo X. A unidade é comandada por Fox Mulder, um agente da organização e talentoso analista criminal, conhecido por estudar fenômenos ocultos. Grande defensor do inexplicável, ele acredita em seres extraterrestres e outros fenômenos paranormais, tendo certeza de que sua irmã, Samantha, foi abduzida por ETs quando era criança. As crenças de Mulder incomodam o FBI, a ponto dele se tornar uma piada na organização e estar sempre em desacordo com o diretor assistente, Walter Skinner. Scully, uma cientista que possui um racional forte, é encarregada de escrever relatórios desmentindo e confrontando as teorias de Mulder. No entanto, conforme o trabalho da dupla avança, a médica se depara com casos inexplicáveis que abalam a sua racionalidade e Mulder é alvo de uma perseguição conspiratória do governo. Apesar das diferenças em suas crenças, Scully e Mulder desenvolvem uma relação profunda e passam a confiar apenas um no outro, na busca pela verdade.
O arco principal da narrativa, conhecido como a “mitologia” do cânone, envolve os esforços das autoridades para descobrir uma conspiração governamental que encobre a existência de extraterrestres e a sua ligação com o governo. Dentro do FBI, um grupo conhecido como “O Sindicato” é composto por altos funcionários do governo e são representados pelo “Cigarette Smoking Man” (canceroso). O objetivo principal do Sindicato é gerenciar e encobrir a presença de vida extraterrestre na Terra, bem como coordenar experimentos e acordos com os alienígenas. A principal atividade do Sindicato foi a criação do “Projeto”, que consistia na entrega de seus familiares aos aliens para abdução em troca de um feto alienígena, para que o Sindicato pudesse realizar experimentos em busca de criar híbridos humanos-alienígenas que serviriam como raça escrava para os extraterrestres. A Terra seria colonizada por meio do óleo negro, uma substância capaz de infectar e controlar seres humanos, transformando-os em hospedeiros para entidades alienígenas. Quando os aliens tivessem o híbrido, iriam espalhar o óleo negro entre os humanos por meio de abelhas infectadas por lavouras de milho geneticamente modificado. (BIANCHI, 2016).
“Arquivo X” foi lançada na década de 1990, durante o período pós-Guerra Fria, quando as tensões entre os Estados Unidos e a União Soviética estavam diminuindo e a preocupação do povo americano deixou de ser uma ameaça externa para uma ameaça mais interna. A série frequentemente aborda temas de conspirações governamentais e encobrimentos de informações, que eram comuns durante a Guerra Fria, refletindo o clima de desconfiança que permeava as relações entre os EUA e a União Soviética na época. Durante esse período, havia muito interesse em explorar o desconhecido, incluindo o espaço sideral e possíveis ameaças alienígenas. “Arquivo X” mostra essa fascinação, explorando o paranormal, os OVNIs e os segredos do governo relacionados a esses temas. Embora a série não se concentre diretamente na rivalidade entre os EUA e a União Soviética, o contexto da Guerra Fria permeia a série, influenciando o ambiente político e social em que as histórias se desenvolvem.
Analisando a série sob um viés internacionalista, o governo e outras agências lidam com fenômenos paranormais e abduções alienígenas, como potenciais ameaças à segurança nacional. Isso remete a idéia da securitização, presente na Escola de Copenhagen onde questões que não são tradicionalmente consideradas de segurança são elevadas a um status de segurança para justificar ações extremas. Se um objeto é visto como um tema de segurança, significa que houve uma argumentação nesse sentido, demonstrada por meio da análise do discurso (SILVA & PEREIRA, 2019). O agente securitizador é o ator político capaz de demonstrar que determinado tema precisa ser reconhecido pelo público como uma ameaça existencial. O objeto referente pode ser o Estado, mas, também, organizações, indivíduos, grupos transnacionais e grupos sociais (VILLA & SANTOS 2011). Os agentes Mulder e Scully, frequentemente se encontram desafiando as percepções convencionais de segurança ao investigar ameaças incomuns que são desconsideradas ou negadas pelo FBI.
Há também uma clara manipulação da informação por parte do governo e de outras autoridades para controlar a narrativa em torno dos fenômenos paranormais, minimizando a verdade sobre a presença de extraterrestres na Terra, alegando que divulgar informações causaria pânico generalizado. Isso se alinha com a idéia de securitização, onde a manipulação da informação é uma ferramenta usada para construir e justificar ameaças à segurança. A série também promove uma atitude de desconfiança em relação às instituições governamentais e às autoridades, destacando como elas muitas vezes agem em seus próprios interesses em vez de proteger o público, refletindo um dos pontos centrais da Escola de Copenhague, que enfatiza a necessidade de questionar as agendas ocultas por trás das políticas de segurança.
Podemos também analisar a série sobre uma perspectiva pós-positivista através do relacionamento entre Mulder e Scully. Nas últimas décadas, o campo se abriu a discussões de teor epistemológico, em especial entre positivistas e pós-positivistas. Enquanto o positivismo destaca e defende a investigação científica baseada em fatos observáveis e mensuráveis, o pós-positivismo questionou esse cientificismo e apresentou novas abordagens sobre antigos objetos de estudo, além daquelas estabelecidas pelo mainstream (IBIAPINA, 2022). No início, Scully foi levada para a unidade de Arquivos X para oferecer um respaldo científico e baseado em evidências às investigações bizarras de Mulder, mas à medida que a série continuava e acontecimentos inexplicáveis ocorriam, sua visão foi mudando. De acordo as palavras do próprio Mulder: “Quando a convenção e a ciência não nos oferecem respostas, não poderíamos finalmente recorrer ao fantástico como uma plausibilidade?”
Em síntese, “Arquivo X” ofereceu aos telespectadores uma mensagem alternativa ao otimismo prevalente no período pós-guerra fria, questionando todas as formas de autoridade, seja essa autoridade a ciência, Deus ou o Estado. A partir das temáticas abordadas, podemos compreender melhor sobre a segurança internacional e como as autoridades governamentais funcionam.
REFERÊNCIAS:
BIANCHI, Victor. Entenda a conspiração alienígena de Arquivo X. Superinteressante. 2016. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/infopop-entenda-a-conspiracao-alienigena-de-arquivo-x/mobile
IBIAPINA, Kalwene. Aspectos relevantes da evolução teórica em Relações Internacionais. Internacional da Amazônia. 2022. Disponível em: https://internacionaldaamazonia.com/2022/01/04/aspectos-relevantes-da-evolucao-teorica-em-relacoes-internacionais/
SILVA, Caroline e PEREIRA, Alexsandro. A Teoria de Securitização e a sua aplicação em artigos publicados em periódicos científicos. Revista de Sociologia e Política [online]. 2019, vol.27, n.69. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsocp/a/ygPZ8HJLnHCLWj4W5ZjxZKB/#:~:text=Securitiza%C3%A7%C3%A3o%20pode%20ser%20entendida%20como,comum%20e%20quotidiana%20de%20governo.
VILLA, R.D. & SANTOS, N.B., 2011. Buzan, Wæver e a Escola de Copenhague: tensões entre o realismo e a abordagem sociológica nos estudos de segurança internacional. In M.C. Lima; M.A. Medeiros; R.R. Reis & Villa, R.D., eds. Clássicos das Relações Internacionais São Paulo: Hucitec.
