
Sara Tavares – Acadêmica do 1º semestre de Relações Internacionais da Unama
A maternidade transcende fronteiras e culturas, moldando sociedades de maneiras profundas e complexas. As mães ao redor do mundo desempenham papéis-chave na construção e sustentação das comunidades locais, nacionais e globais e sua influência se manifesta em questões de justiça social, economia e política internacional. Em tempos de guerra, a maternidade assume um papel extraordinário. As mães lutam para salvar suas famílias em um ambiente de violência e incerteza enquanto o mundo vê os conflitos se desdobrarem. Elas enfrentam desafios impossíveis e desempenham funções que ultrapassam os limites do cuidado e da sobrevivência. A maternidade se torna não apenas um ato de resistência, mas também uma expressão poderosa de esperança e humanidade.
No livro “Bananas, Beaches and Bases: Making Feminist Sense of International Politics” (2014), Cynthia Enloe destaca como a militarização é profundamente enraizada em construções de gênero, refletindo e reforçando normas tradicionais de masculinidade. Enloe argumenta que as atividades militares e estratégias de segurança têm impactos específicos nas mulheres e nas relações de gênero em contextos globais, onde as mulheres frequentemente são relegadas a papéis secundários e estigmatizadas como dependentes, mesmo em situações de guerra, quando muitas vezes são responsáveis por sustentar suas famílias e comunidades, enfrentando desafios econômicos e sociais únicos em meio à instabilidade (ENLOE, 2014).
Em muitos contextos de conflito armado, as mães se tornam agentes de resistência, lutando por justiça, igualdade e direitos humanos. Como as Abuelas de Plaza de Mayo, um grupo de avós que se organizaram em torno da maternidade e da avosidade para protestar contra uma ditadura brutal e os desaparecimentos forçados na Argentina, vestidas de lenços brancos. E que com esforços incansáveis e apoio estatal, judicial e da sociedade, conseguiram recuperar a identidade de mais de 130 desses netos (FOLHA DE S. PAULO, 2023). Suas experiências como cuidadoras e protetoras de suas famílias as motivam a se envolver ativamente na luta por um futuro mais seguro e justo para seus filhos e comunidades. Em Israel, o The Four Mothers é um dos movimentos de protesto anti-guerra mais bem-sucedidos da história tendo como um dos seus slogans “Nossos maridos estavam lutando nessa guerra enquanto nossos filhos ainda eram bebês. Não queremos que nossos netos ainda estejam lutando” (GODVIN, 2022), um posicionamento de grande impacto, principalmente “em uma sociedade como Israel, que glorifica a maternidade como um “papel público” para servir aos objetivos nacionais” (LEMISH; BARZEL, 2000, p.02).
Diante dos desafios trazidos pela militarização em suas comunidades, as mães são motivadas a levantarem-se contra as formas de estruturas militares, assumindo um papel ativo na resistência. Elas desafiam as normas estabelecidas, liderando movimentos locais para protestar contra estruturas opressivas, cientes dos impactos negativos que estas podem ter na segurança, economia e coesão social de seus entornos. Essas mães muitas vezes enfrentam impactos específicos dos conflitos armados, incluindo violência sexual, deslocamento forçado, perda de entes queridos e acesso limitado a serviços básicos, como saúde e educação, também enfrentando desafios únicos ao cuidar de crianças traumatizadas pelo conflito e ainda assim contribuindo para mudanças culturais e institucionais dentro desses cenários. O amor materno e o desejo instintivo de proteger os filhos são considerados na nossa sociedade como características essenciais da feminilidade e consequentemente de fraqueza. Porém, a força atribuída ao amor materno parece legitimar quase qualquer forma de ação, incluindo protestos e até mesmo rebelião.
REFERÊNCIAS
ENLOE, Cynthia, Bananas, Beaches and Bases: Making Feminist Sense of International Politics, Berkeley: University of California Press, 2014.
FOLHA DE S.PAULO, Avós da Praça de Maio encontram 133º neto sequestrado pela ditadura, Folha de S.Paulo, disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/07/avos-da-praca-de-maio-encontram-133o-neto-sequestrado-pela-ditadura.shtml>.
GODVIN, Morgan, Mothers and War, JSTOR Daily, 2022, disponível em: <https://daily.jstor.org/mothers-and-war/>.
LEMISH, Dafna; BARZEL, Inbal, “Four Mothers” The Womb in the Public Sphere, 2000.
