
Heitor Sena Passos – acadêmico do 7º semestre de Relações Internacionais da Unama
Segundo Foucault (2021), o poder não é exercido unicamente através de instituições políticas ou coercitivas, mas também é disseminado através do conhecimento e das práticas discursivas que moldam as percepções, valores e comportamentos das pessoas. Nesse sentido, o saber não se trata de uma verdade objetiva, mas sim de algo socialmente construído e utilizado para legitimar certas formas de autoridade e dominação.
O saber em uma sociedade é hierarquizado e controlado por instituições e indivíduos possuem autoridade epistêmica o que pode resultar em relações de poder assimétricas, nas quais aqueles que possuem o conhecimento têm mais capacidade de influenciar e controlar os outros (FOUCAULT, 2021).
Ademais, é importante destacar que, para Foucault (2021) o Estado moderno possui uma racionalidade política voltada para a arte de governar. O Estado governamentalizado possui a população como principal objeto, utilizando técnicas de governo para influenciar o comportamento dos indivíduos e das populações, moldando suas condutas, crenças e identidades, incluindo uma variedade de táticas, como a vigilância, a disciplina, a normalização, a gestão de riscos e a produção de conhecimento especializado de modo a alcançar determinados objetivos (Foucault, 2021).
O gerenciamento costeiro é uma política de gestão que consiste na coordenação de diversas atividades e projetos para realizar a proteção do meio ambiente marinho, amenizar os impactos das atividades humanas nas zonas costeiras e para a promoção do desenvolvimento econômico sustentável. As zonas costeiras desempenham uma importante função biológica ao mesmo passo em que representam áreas abundantes em recursos naturais e de grande valor econômico onde dois terços da população mundial se encontra (SILVA, 2011).
No contexto da Amazônia, a gestão de zonas costeiras é um tema extremamente complexo, uma vez que estas encontram-se intrinsecamente ligadas ao modo de vida de diversos povos e comunidades tradicionais. Além disso, a região tem se tornado cada vez mais relevante no cenário internacional em decorrência das mudanças climáticas e a crescente inserção da Amazônia na economia internacional. Nesse âmbito, é importante discorrer sobre o gerenciamento costeiro na Amazônia e suas implicações sobre o desenvolvimento regional e sobre a população local.
Primeiramente, é de nota a influência profunda que a progressiva inserção da região amazônica na economia internacional exerce sobre a dinâmica ambiental e social das zonas costeiras. Segundo Silva (2011), o que se projeta é um cenário de deterioração desse espaço, provocado pelo aumento sistemático da exploração pesqueira industrial, a alta probabilidade de degradação da qualidade da água e seu impacto nos recursos vivos e pesqueiros da área, além do maior aproveitamento de áreas profundas do oceano para a construção terminais portuários para facilitar o escoamento de produtos.
Nesse sentido, percebe-se que a Amazônia segue sendo compreendida a partir da visão geopolítica onde as vastas áreas com baixa densidade demográficas são concebidas como espaço de manobra livre, do capital e do Estado brasileiro (Silva, 2011). Sendo assim, as políticas públicas para a Amazônia a utilizam como território estratégico para os interesses do Estado e do mercado, sem se atentar para os problemas internos da população amazônida (MOURA; GUSTAVO, 2017).
A manutenção dessa conjuntura é realizada através das ações de atores do Estado brasileiro e do grande capital que colocam as populações locais à margem do processo decisório, através de diversas formas de discriminação (Silva, 2011). A superação dessa dinâmica em direção a um modelo de organização e autonomia da gestão sobre os territórios é atualmente visto como uma ação que contribui para o enfrentamento dos problemas ambientais globais (Pimentel, 2019). Esse modelo, segundo a autora, “questiona a eficácia das técnicas padronizadoras, com a intenção de valorizar o conhecimento sustentado pelo saber-fazer e pela cosmogonia desses povos e comunidades” (PIMENTEL, 2019 p.214).
Sendo assim, percebe-se a importância dos saberes para a dinâmica de desenvolvimento econômico e proteção do meio ambiente na Amazônia. Priorizando a inserção no mercado internacional, o governo brasileiro historicamente faz uso da racionalidade econômica para legitimar as políticas voltadas para possibilitar a exploração do potencial econômico da região em detrimento do meio ambiente e das comunidades tradicionais que dependem deste para sua sobrevivência.
Em contrapartida, as políticas ligadas ao gerenciamento costeiro se apresentam como uma forma alternativa, mais conectado à valorização dos saberes dos povos locais e a promoção do desenvolvimento sustentável do território. Não obstante, o modelo encontra dificuldades em realizar suas funções, uma vez que segue sujeito à influência de atores governamentais e do capital, bem como pode ser negativamente impactado pelo impacto da exploração proveniente de atividades econômicas em outras áreas.
Referências:
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz &Terra, 2021.
MOURA, G. G.; GUSTAVO, M. Manejo de mundos e gerenciamento costeiro na Amazônia: reflexões a partir de um diálogo entre etnooceanografia e etnodesenvolvimento. Amazônia: olhares sobre o território e a região., 2017.
PIMENTEL, M. A. S. Comunidades tradicionais em Reservas Extrativistas marinhas no Estado do Pará: conflitos e resistências. Ambientes, v. 1, n. 1, p. 191-218, 2019.
SILVA, Raimundo Reinaldo Carvalho da. Gerenciamento costeiro integrado: proposta de inserção de concepções subsidiárias ao plano diretor municipal de Curuçá – Pará. 2011. 118 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de Meio Ambiente, Belém, 2011. Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia. Disponível em: <http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/9889>. Acesso em: 12 mai 2024.
