Antônio Vieira, acadêmico do 1° semestre de Relações Internacionais

Ficha Técnica

Gênero: Comedia, Drama

Duração: 1h 57min

Ano: 2023

Diretor (a): Cord Jefferson

Distribuição: Amazon MGM Studios Distribution

País de origem: EUA

Baseado no livro “Erasure” de Percival Everett, ficção americana é uma sátira sobre o mercado editorial norte-americano que usa, com frequência, estereótipos disfarçados de protestos para vender livros. Para contar essa problemática, o filme apresenta Thelonious Ellison, um professor de literatura e escritor universitário negro que busca combater essa realidade alimentada por raízes históricas.

A obra inicia mostrando o caráter crítico do protagonista apelidado de “Monk”, que escreve no quadro o nome do conto: “The artificial nigger”, em sua aula de literatura. Em seguida, uma aluna branca diz que o que estava escrito era ofensivo e sai do local. Consequentemente, Monk é afastado de seu trabalho, assim sendo motivado a visitar sua família. Esse contexto inicial do filme expõe o pensamento de Monk sobre parte da sociedade branca do País, que busca, por meio do julgamento de atitudes cometidas por seus antepassados, apenas um alto perdão ao invés de uma real consciência histórica. Inclusive, no exemplo da cena, a garota exclui o lugar de fala do professor. Após isso, quando Thelonious chega à casa de sua mãe em Boston, ele é apresentado a uma realidade reconfortante, mas ao mesmo tempo desafiadora. A medida em que ele se reúne e passa a conviver com os demais familiares, ele descobre que a sua mãe está com um sério problema de saúde, e em seguida tem uma perda de um parente muito próximo.

Além desse foco familiar, o filme naturalmente mostra o descontentamento de Monk em relação a forma como os livros escritos por pessoas negras são tratados pelas editoras. Ele mesmo busca escrever histórias em que não haja a estereotipação de pessoas negras, isso é, segundo ele: Tramas sobre crimes, ausência paterna, e violência policial. Nesse sentido, há uma cena em que o escritor visita uma livraria, onde o seu livro de ficção estava em uma estante intitulada “Estudos Afro-Americanos”, ou seja, se observa que há uma dificuldade estrutural de desassociar gêneros literários de questões raciais. Consoante a essa realidade, como forma de satirizar essa indústria hipócrita e de ajudar financeiramente o tratamento de sua mãe, Monk escreve um livro completamente adepto aos padrões que ele critica. Sendo o resultado desse feito o ápice da trama. No mais, vale ressaltar que o problema não é escrever esse tipo de história, mas sim focar apenas neste.

Uma das características fortes do filme é a abordagem sobre a indústria editorial e até a do cinema que estão repletas de ideais padronizadas sobre a população negra, o que promove preconceitos na sociedade quando estes veem uma pessoa negra que foge dessa representação. Paralelamente, é interessante que o roteiro do filme utiliza a metalinguagem como uma forma de protesto, pois tanto Monk quanto a sua família são personagens que fogem desse padrão, exemplificando-se em suas roupas e profissões, onde a maioria é médico.

Sob essa ótica, a teoria pós colonial das Relações Internacionais se demonstra como uma base forte para analisar a obra. Isso porque, essa teoria busca estudar a influência eurocêntrica, colonial e imperialista do ocidente moderno para a manutenção de formas de poder e racismo sobre povos descolonizados (no filme, os negros), e como estes podem fazer para descontruir essa ferida histórica (é o que Monk tenta fazer) (NOGUEIRA; MESSARI, 2021).  Há exemplo, essa visão eurocêntrica se expõe no trecho do filme em que Monk está reunido com demais escritores para julgar um livro que ganharia um prêmio. Para ele, o enredo estereotipava os negros e por isso não deveria ser aceito, no entanto, para os demais jurados, era um ótimo livro porque representava essa parcela social. Ironicamente, todos que determinaram a vitória eram brancos, também, como maneira de argumentar a decisão, um deles diz: “Vozes negras precisam ser ouvidas!”. 

Desse modo, é possível identificar uma dificuldade de aceitar uma perspectiva diferente pelos demais escritores em relação a histórias de cunho racial. Para eles, o ideal são tramas que se prendam a causas sociais dessa parcela populacional. Também, há uma cena em que Monk conversa com um diretor de cinema que estava interessado em adaptar o seu mais recente livro, conforme ela avança, o diretor diz que planeja fazer um filme cujo enredo se baseia em um casal branco que se casa em uma antiga fazenda na Louisiana, lá, eles são assassinados por fantasmas de escravos.

Nesse contexto, segundo o conceito de “momento etnológico” dos teóricos pós-modernos Sohail Inayatullah e David Blaney, que propõem a ideia da apropriação do outro como recurso de autoavaliação – ou seja, enxergar o diferente como meio para a reflexão de suas convicções, não como uma possível ameaça a sua identidade – ( INAYATULLAH; BLANEY, 1997), esse comportamento eurocêntrico poderia ser combatido através da autorreflexão desses indivíduos sobre a presença de um racismo velado nas instituições, dessa maneira, o próximo passo seria  naturalizar historias em que pessoas negras estão imersas em contextos além da pauta racial.

Em síntese, Ficção americana é um filme que debate sobre um tema que está presente não apenas na indústria literária, mas também em industrias como a do cinema e música. Dessa forma, a película é recheada de críticas que podem ser uteis a pessoas que ainda tenham um pensamento diferente ou escasso sobre o tema relatado. De resto, é um filme tragicômico que possui diálogos profundos, os quais são sustentados pelas ótimas interpretações.

REFERÊNCIAS

NOGUEIRA, J.Pontes.; MESSARI, Nizar. Teoria de Relações Internacionais: Correntes e Debates. Rio de Janeiro, GEN. Editora Atlas, pp. 01-55, 2021.

INAYATULLAH, Naeem & BLANEY, David L. Knowing Encounters: Beyond Parochialism in International Relations Theory. In: LAPID, Yosef & KRATOCHWIL, Friedrich (eds). The return f culture and identity in IR theory. Londres: Lynne  Rienner Publishers, 1997.