
Gabriele Nascimento (acadêmica do 1º semestre de RI da UNAMA)
Keity Oliveira e Lara Lima (acadêmicas do 7º semestre de RI da UNAMA)
Ao se discutir a proteção da Amazônia, muitas vezes se enfatiza o papel do governo brasileiro. No entanto, a Amazônia abrange 9 países – Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela, Suriname e partes do território da Guiana Francesa – os quais têm importantes papéis no que tange a proteção desse bioma. Consequentemente, a cooperação entre os países sul americanos, através do trabalho político-diplomático, é de suma importância, visto que a preservação da Amazônia envolve diretamente esferas ambientais, sociais e econômicas pois atividades ilegais são prejudiciais às comunidades tradicionais, causam degradação e contribuem na geração de conflitos.
Brasil e Colômbia são dois dos países com a maior diversidade do mundo, com parte de seu território cobertos pela Floresta Amazônica, a qual garante chuva para boa parte da América do Sul, abriga diversas espécies de plantas e animais, abriga vários povos embrionários e é o berço da maior bacia hidrográfica do planeta. Porém, o aumento das ações antrópicas como, por exemplo, desmatamento, queimadas e garimpo, agravam as alterações climáticas e ameaçam a vida.
Em primeiro plano, o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015), inicia a sua mais famosa obra, “As Veias Abertas da América Latina” (1971) com uma frase que resume a essência do que se trata a Teoria da Dependência: “a divisão internacional do trabalho consiste em que alguns países se especializam em ganhar e outros em perder. Nossa comarca no mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os tempos remotos” (GALEANO, 1971, p. 15). Esta breve introdução ilustra de forma concentrada e ilustrativa a dinâmica da dependência na região latino-americana.
Nesse sentido, a obra de Galeano é um texto chave para a compreensão do pensamento social latino-americano que se enraíza na formação da Teoria da Dependência, desenvolvida por Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos e Vania Bambirra através da vertente marxista. Sendo assim, este arcabouço teórico nasce nas instituições acadêmicas dos países em desenvolvimento no geral e na América Latina em particular (Katz, 2021).
Em suma, é compreendido como uma explicação para se entender as razões sociais, econômicas e históricas que se debruçam para manter a situação de pobreza de uma grande parcela das sociedades, sobretudo no continente latino-americano (Hage, 2013). Além disso, essa teorização também é usada no plano externo para se analisar as desigualdades políticas e econômicas existentes entre os Estados industrializados, ou seja, localizados no Hemisfério Norte, e os dependentes do Hemisfério Sul. Sintetizando, é a apresentação da dicotomia centro e a periferia (Hage, 2013).
Em segundo plano, durante várias décadas, Brasil e Colômbia, apesar de seus laços fronteiriços, se mantiveram como vizinhos distantes e desconhecidos. Foi apenas na primeira década do novo século que os dois Estados começaram a se aproximar motivados, do lado colombiano, pela urgência dos problemas de segurança e do lado brasileiro, pelo interesse geopolítico global e de ambos os lados, pelo interesse no comércio e no investimento recíproco (Ramírez, 2009). Na fronteira brasileira-colombiana, existem três áreas com uma ampla articulação populacional, ambiental e até mesmo internacional.
A primeira área inclui territórios de Guainía, na Colômbia, e dos estados de Amazonas, no Brasil e na Venezuela, em torno do marco da Pedra do Cucuí e os rios Guainía ou Negro, que desemboca no Amazonas e o Casiquiare, que oferece possibilidades para o comércio trinacional. A segunda área se articula na parte leste do Vaupés e do Amazonas, na Colômbia, e o oeste do estado do Amazonas, no Brasil, unindo a Orinoquia com a Amazônia. Na terceira e última área, onde insere-se o trapézio amazônico colombiano limitado com o estado do Amazonas no Brasil e com Loreto no Peru, inclui-se reservas ambientais que articulam o Putumayo e o Amazonas (Ramírez, 2009).
As três áreas compartilham uma característica em comum: são ou foram habitadas por populações indígenas. Além disso, as áreas fronteiriças também apresentam a localização em regiões marginalizadas de seus países que abrigam uma densa riqueza ambiental e cultural e são sobrepostos por índices desiguais de direitos básicos das populações sem a presença significativa de seus respectivos Estados.
Ramírez (2009) discorre que a extensa fronteira Brasil-Colômbia, afastada e marginalizada em relação às capitais, foi ocupada primeiramente por grupos indígenas e por ecossistemas transfronteiriços. No entanto, também foi espaço da colonização, sem a regulação estatal, que gerou problemas articulados ou alimentados por fenômenos criminais de ambos os países que se desenvolverem em diferentes tipos contrabandos e atividades ligadas a biopirataria, narcotráfico e as redes globais de crime organizado que utilizam as fronteiras como locais estratégicos.
Mesmo com os desafios que possuem em comum com relação as suas fronteiras, as relações entre Brasil e Colômbia vêm se fortalecendo nas últimas décadas, sobretudo com os governos atuais de Lula da Silva no Brasil e o de Gustavo Petro na Colômbia. Dentre suas principais parcerias, eles compartilham agendas econômicas, sociais, culturais e ambientais. Os dois Estados também atuam de forma conjunta no âmbito regional, no qual são membros fundadores do PROSUL – Foro para o Progresso da América do Sul – e do Grupo de Lima, assim como são parceiros nos esforços de aproximação entre a Aliança do Pacífico e o MERCOSUL.
Nesse viés, Brasil e Colômbia também compartilham uma característica única em relação ao meio ambiente: os dois possuem extensões da floresta amazônica. Apesar do Brasil reter a maioria das florestas, abrangendo 59% do seu território, na Colômbia, a área compreende 42% do território nacional, colocando-o como um dos países com maior biodiversidade do mundo, atrás do território brasileiro. Esse traço em comum é refletido na importância em conservar e proteger as florestas que possuem um papel vital em diminuir os efeitos das mudanças climáticas que exercem impactos diretos nas populações que habitam as regiões.
Na pauta ambiental, o Brasil sempre foi considerado um importante ator, tendo em vista sua biodiversidade e reservas energéticas. Durante sua campanha para a reeleição, Lula sinalizou a importância de uma agenda com um caráter integrador e protetor do meio ambiente com a fortificação dos órgãos que sofreram sucateamento ao longo do governo de Bolsonaro (2019-2022), a retomada do Fundo Amazônia e a criação de um ministério dedicado aos povos indígenas, pontos estes que após sua vitória, colocaram o país de volta ao cenário internacional para participar dos grandes debates globais.
No ano passado, os presidentes dos dois países se reuniram na cidade colombiana de Leticia, ao final de encontro com ministros, autoridades locais e lideranças de comunidades indígenas da América do Sul com vistas à Cúpula da Amazônia, ocorrida em agosto do ano passado no Brasil. Durante a reunião, ambos os presidentes lançaram apelos para coordenar os esforços da região para proteger a floresta amazônica e impedir o avanço do desmatamento. Além disso, também foi defendido o aprofundamento das relações com a Colômbia como um passo importante para recuperar os espaços de cooperação e integração regional latino-americano, inviabilizados na última década.
A aproximação dos dois países quanto a agenda ambiental, renderam reduções significativas no desmatamento nas duas regiões no ano passado. Em apenas 16 meses do governo Lula, o país perdeu um terço a menos de florestas primárias do que em 2022 (36%), sendo este o valor mais baixo desde 2015 (McGrath, 2023). Algo semelhante também aconteceu na Colômbia que no ano passado, conseguiu reter metade das florestas que havia perdido no ano anterior, segundo dados realizados pela Universidade de Maryland e pelo World Resources Institute (WRI) (Sanchéz, 2023).
Ainda que haja resultados positivos quanto os índices de desmatamento na Amazônia, os desafios ainda são muitos e o avanço de alguns não vence a luta dos demais países que compõem o território amazônico como a Bolívia, que continua exercendo papel significativo na pecuária e na monocultura, atividades que possibilitam o crescimento exponencial do desmatamento (Noblat, 2024). É necessário ressaltar que a Amazônia está presente em nove países e essa característica está intrinsicamente ligada a sobrevivência da América Latina que depende da Amazônia. Conforme dados realizados pela Rede de Informação Socioambiental Georreferenciada, a floresta ocupa mais de 40% dentro dos territórios dos 9 países em que está contida, chegando a mais de 90% dos territórios de países como a Guiana e o Suriname (Cabral, 2022).
Nesse sentido, analisando-se sob a perspectiva da obra de Galeano (1971), a construção de relações de troca entre vizinhos latino-americanos é essencial para que juntos, possam construir estratégias para que a floresta amazônica não seja o único ponto de intersecção dos países e para que o Norte Global, cumpra o papel de apoiar o desenvolvimento sustentável de uma região que há décadas vive em uma situação de subdesenvolvimento em comparação aos outros países do globo.
Em síntese, é de grande relevância que todos os países que compõem a maior reserva de biodiversidade do mundo se unam para combater o desmatamento, proteger a soberania da floresta e as comunidades tradicionais. O aquecimento global tem causado graves consequências, tornando necessárias ações governamentais urgentes em prol de uma governança global no combate às mudanças climáticas.
Diante do tema exposto, recomenda-se a leitura do livro “Pan Amazônia: visão histórica, perspectivas de integração e desenvolvimento”, (2015), escrito por Osíris M. Araújo da Silva e Alfredo Kingo Oyama Homma, aborda sobre a perspectiva estratégica da região amazônica que abrange não só o Brasil, mas todos os países da pan-amazônia. O livro está disponível para ser adquirido na books.google, através do link a seguir:
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Também se ressalta o trabalho da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que tem como objetivo de promover o desenvolvimento harmônico dos territórios amazônicos. A intenção é que as ações conjuntas gerem resultados equitativos e mutuamente benéficos, visando alcançar o desenvolvimento sustentável da região amazônica.
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Por fim, se indica o Festival Pan-amazônico de Cinema, este evento tem como foco específico a produção audiovisual de cinema, documentário de ficção sobre os países que compõem a Pan-amazônia. O festival visa discutir e aprofundar questões sociais, ambientais e culturais que são relevantes para esses países.
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REFERÊNCIAS
CABRAL, Sabrina. A sobrevivência da América Latina depende da Amazônia; entenda. UOL. Coluna de Opinião ECOA. Publicado em: 13 de novembro de 2022. Disponível em: < https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/opiniao/2022/11/13/a-sobrevivencia-da-america-latina-depende-da-amazonia-entenda.htm > Acesso em: 27 de maio de 2024.
FILIÚ, Fernanda; MARTIN, Júlia Saint; LUIZA, Liara; OLIVEIRA, Vanessa Braga C. de. Cooperação Latina-América pela Amazônia. Unicef. Publicado em 23 fevereiro de 2023. Disponível em : < https://www.unicef.org/brazil/blog/cooperacao-latino-americana-pela-amazonia > Acesso em: 26 de maio de 2024.
GALEANO, Eduardo. Las venas abiertas de América Latina. México D.F.: Siglo XXI, 1971. [Ed. Bras.: As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2021].
HAGE, José Alexandre Altahyde. A teoria da dependência: uma contribuição aos estudos de Relações Internacionais. Revista Política Hoje, v. 22, n. 1, p. 106-136, 2013. Acesso em: 23 de maio de 2024.
KATZ, Claudio. As veias abertas da América Latina: considerações a partir do livro clássico de Eduardo Galeano. A Terra É Redonda. Publicado em: 13 de novembro de 2021. Disponível em: < https://aterraeredonda.com.br/as-veias-abertas-da-america-latina/#_edn1 > Acesso em: 23 de maio de 2024.
MCGRATH, MATT. Por que Brasil e Colômbia lideraram ‘redução drástica’ em desmatamento em 2023. BBC News. Publicado em: 04 de abril de 2024. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/articles/crgrywl9ypxo > Acesso em: 23 de maio de 2024.
NOBLAT, Ricardo. Brasil e Colômbia lideram a luta contra o desmatamento. Metrópoles. Publicado em: 04 de abril de 2024. Disponível em: < https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/brasil-e-colombia-lideram-a-luta-contra-o-desmatamento > Acesso em: 23 de maio de 2024.
RAMÍREZ, Socorro. A Colômbia e o Brasil, separados (e unidos) pelo comércio e pela segurança. Nueva Sociedad, v. dezembro 2009, p. 90-107, 2009. Tradução por Karina Rodríguez. Disponível em: < https://www.nuso.org/articulo/a-colombia-e-o-brasil-separados-e-unidos-pelo-comercio-e-pela-seguranca/ > Acesso em: 23 de maio de 2024.
SANCHÉZ, María Mónica Monsalve. Colombia logra la deforestación más baja desde 2013, según el Gobierno. El País. Publicado em: 12 de julho de 2023. Disponível em: < https://elpais.com/america-futura/2023-07-12/colombia-logra-la-deforestacion-mas-baja-desde-2013-segun-el-gobierno.html > Acesso em: 23 de maio de 2024.
