Por Caira Queiroz, acadêmica do 4º semestre de Relações Internacionais na UNAMA.

Ator, cineasta, produtor, escritor, ativista, dublador, embaixador da Organização das Nações Unidas para a Infância, capoeirista, influencer e entre muitas outras versões destacam Lázaro Ramos como uma das personalidades negras mais influentes e versáteis do Brasil, que ao assumir seu próprio protagonismo como uma das figuras mais relevantes para a história do audiovisual, interpreta personagens ousados e sensíveis que instigam mudanças na sociedade sobre questões que precisam superar barreiras e inspira gerações de jovens artistas negros de todo o país.

Nascido em Salvador, Bahia (1978), Luís Lázaro Sacramento de Araújo Ramos iniciou precocemente sua trajetória na dramaturgia. Enquanto seus pais, Célia Maria do Sacramento, que era empregada doméstica, e Ivan Francisco Ramos, operador de máquinas, trabalhavam, Lázaro viveu sua infância sob os cuidados de sua tia-avó Elenita, dona de um quintal amplo que marcou sua formação artística. Nesse espaço, as brincadeiras com seus seis primos foram cruciais na construção de sua personalidade, pois estas memórias dizem muito sobre quem ele se tornou. (MEMÓRIA GLOBO, s.d.)

Mas foi na escola onde realmente Lázaro começou a ter seus primeiros contatos com o meio artístico, pois aos 10 anos passou a integrar em elencos de montagens teatrais. Já aos 15 anos, em 1994, entrou para a companhia do Bando de Teatro Olodum, coletivo teatral que se tornou um dos símbolos de resistência das artes brasileiras, composto por atores de grupos da periferia, da igreja e atores sem experiência que na cia tinham um lugar para se expressar. Lá Lázaro também estudou patologia no colegial técnico e atuou em 14 peças, desenvolvendo, nos ensaios e no palco, sua formação dramatúrgica.  (CATRACA LIVRE, 2019)

Durante os anos que integrava a companhia, o ator interpretou papéis importantes em montagens como Sonho de Uma Noite de Verão, Ópera dos Três Vinténs, Dom Quixote, Cabaré da Raça e Zumbi. Com tal portfólio de atuações, e com certa resistência em deixar o Bando, Lázaro acabou aceitando o convite do ator Wagner Moura para participar de montagens de ‘A Máquina’ (2000), de João Falcão (1958) que estourou no Brasil, revelando o artista para outros paradigmas do eixo artístico Rio-São Paulo. (ITAÚ CULTURAL, s.d.)

Sua trajetória no cinema também foi gloriosa, pois só a sua estreia como protagonista em Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz (1966), no papel do negro e homossexual marginalizado João Francisco dos Santos, o artista foi cultuado pelo sucesso devido a sua marcante entrega dramática ao personagem, o que posteriormente colaborou para que estivesse numa lista de melhores atores pelo jornal The New York Times.

Outros títulos também se destacam, como Carandiru (2003), O Homem Que Copiava (2003), Meu Tio Matou um Cara (2004), Cidade Baixa (2006), Saneamento Básico (2007), Tudo que Aprendemos Juntos (2015) e Mundo Cão (2016). Em tais e outras obras, Lázaro adquiriu experiência como um dos atores mais consagrados do cinema nacional, sendo um dos mais reconhecidos e próximos do crítico popular brasileiro.

Na TV interpretou diversos personagens memoráveis que, desde sua estreia notória em Sexo Frágil (2003), se tornaram populares nacionalmente. Um dos que mais se destacou nas telinhas brasileiras foi Foguinho de ‘Cobras & Lagartos’ (2006), uma atuação que proporcionou a Lázaro a indicação do Emmy de melhor ator no mesmo ano. Entre os personagens que viveu em obras como Duas Caras (2007), Insensato Coração (2011) e Lado a Lado (2012), o ator também protagonizou  na série Mr. Brau (2015 a 2018), papel que o firmou como um dos marcos do empoderamento negro no Brasil, com menção em jornais em todo o mundo, caso do britânico The Guardian. (LÁZARO RAMOS, s.d.)

Em “Ó paí ó”, peça criada em 1992 e que depois desmembrou-se ao longo dos anos em filmes e série de TV, o reencontro do artista baiano com o Bando de Teatro Olodum carregaram, tanto no texto quanto na teatralidade, toda a preocupação em retratar assuntos que atravessassem a população negra como a cultura, o racismo, saúde mental, tecnologia e ancestralidade para um público ainda maior, salientando temas pertinentes relacionadas à realidade da população negra brasileira. Entre as cenas mais marcantes desta obra, destaca-se o diálogo de Roque (Lázaro Ramos) e Boca (Wagner Moura), ao reafirmar questões ligadas a igualdade racial em:

“Eu sou negro… eu sou negro sim, mas por um acaso negros não tem olhos, Boca? Hein?

Negro não tem mão, não tem sentido, Boca? Hein?

Não come da mesma comida? Não sofre das mesmas doenças, Boca? Hein? […]

Quando a gente sua, não sua o corpo tal qual o branco, Boca?

Quando vocês dão porrada na gente, a gente não sangra igual, meu irmão? […] Quando vocês dão tiro na gente, a gente não morre, Boca?

Pois a gente é igual em tudo!”

Ó paí ó, 2007

Tamanho talento lhe rendeu muitas premiações nacionais e internacionais, sendo mais de 70 prêmios que contemplam todas as áreas da sua carreira. Entre as principais honrarias estão: O Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (2005); duas premiações da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) – um, por seu trabalho na televisão; outro, por sua atuação no cinema; premiado com o Troféu Oscarito (2019); prêmios como o Melhor Roteiro pelo Indie Memphis Film Festival , Manuel Barba no 47º Festival de Cinema de Huelva (2020), Crystal Lens, no Miami Brazilian Film Festival e Indie Memphis Film Festival (2022) contemplam o primeiro filme de Lázaro “A Medida Provisória”, que também ganhou o prêmio de melhor filme e roteiro no Inffinito Film Festival (2022).

Além da sua ascensão e prestígio quase simultânea no cinema, no teatro e na TV e de suas contribuições como diretor de peças teatrais, documentários, clipes e longa-metragens, como Medida Provisória em que foi premiado em diversos festivais internacionais de cinema, e como escritor com obras infantis e outras obras como “Na Minha Pele” (2017), resultado de dez anos de reflexão e maturação sobre racismo, cotas, família, afeto e empoderamento, Lázaro também é nomeado embaixador do Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância, em 2009. (PRIMEIROS NEGROS, 2022)

Lázaro foi um dos contemplados para tal cargo devido à sua credibilidade com o seu público e seu compromisso tanto com sua agenda profissional quanto social, dedicada aos direitos de crianças e adolescentes brasileiros, principalmente aqueles imersos em situações de maior vulnerabilidade. Desde então, o ator cumpre várias agendas sociais em nome da organização, atuando ativando inclusive em redes sociais, nas quais compartilha as campanhas e ações do UNICEF em prol dos direitos de crianças e adolescentes, por uma infância sem racismo. (UNICEF BRASIL, s.d.)

Portanto, é possível analisar a incrível trajetória de Lázaro Ramos como porta voz pela igualdade racial no país através da dramaturgia sob a perspectiva da Teoria Pós-positivista de Edward Said, que revisa criticamente o passado contado por regimes eurocentristas para agir ativamente na desconstrução dos discursos hegemônicos coloniais/ocidentais.

Said discute os estereótipos impostos pelo Ocidente sobre o Oriente para justificar o colonialismo e suas práticas imperialistas para propor uma “o ‘verdadeiro’ conhecimento é fundamentalmente apolítico”, pois, já que os discursos coloniais construíram todas as formas de racismo, a proposta é justamente incluir todas as identidades, mesmo que elas sejam complexas e multifacetadas, mas serão mais coerentes com a realidade política dentro das R.I. e da sociedade com um todo.

Nota-se que Lázaro Ramos, através de seus trabalhos na televisão, cinema e literatura, frequentemente aborda e desconstrói estes estereótipos ocidentais impostos sobre a cultura afro-brasileira, desafiando narrativas dominantes que muitas vezes representam os negros de forma estereotipada e superficial. Dentre seus diversos papéis e produções, o artista trabalha para dar voz a personagens e histórias que são frequentemente marginalizadas na mídia. É nesse sentido que é importante reconhecer que seu trabalho contribui para aumentar a visibilidade das questões afro-brasileiras e para promover uma representação mais justa e diversificada. Para tanto, assim como Said argumenta que a produção cultural é uma forma de resistência contra o colonialismo, Lázaro faz da arte sua principal ferramenta de resistência e promoção da diversidade. Sua atuação pode é exemplo de um esforço contínuo para desafiar e redefinir as narrativas construídas sobre os negros periféricos do Brasil.

REFERÊNCIAS

A TRAJETÓRIA de Lázaro Ramos. [Entrevista concedida a] Catraca Livre, 2019. (10 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=It2eEp5fIsk. Acesso em: 22 set. 2021.

ADOROCINEMA. Biografia: Lázaro Ramos. Disponível em: https://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-75459/biografia/. Acesso em: 6 jul. 2024.

ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. Lázaro Ramos. Disponível em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa399667/lazaro-ramos. Acesso em: 6 jul. 2024.

GELEDES. Lázaro Ramos: “Os não-negros precisam entender o lugar de escuta”. Disponível em: https://www.geledes.org.br/lazaro-ramos-os-nao-negros-precisam-entender-o-lugar-de-escuta/. Acesso em: 6 jul. 2024.

Kadu Silva. «Ó PAI Ó (Crítica)». CCine10. Consultado em 15 de novembro de 2016. Arquivado do original em 11 de janeiro de 2019. Disponível em: https://web.archive.org/web/20190111035124/http://www.ccine10.com.br/o-pai-o-critica/. Acesso em 06 de julho de 2024.

LÁZARO RAMOS. Disponível em: https://lazaroramos.com.br/. Acesso em: 6 jul. 2024

PRIMEIROS NEGROS. Lázaro Ramos. Disponível em: https://primeirosnegros.com/lazaro-ramos/. Acesso em: 6 jul. 2024.

LÁZARO Ramos. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa399667/lazaro-ramos. Acesso em: 07 de julho de 2024. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7

MEMÓRIA GLOBO. Lázaro Ramos. Disponível em: https://memoriaglobo.globo.com/perfil/lazaro-ramos/noticia/lazaro-ramos.ghtml. Acesso em: 6 jul. 2024.

SAID, E. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo, Companhia de Bolso, 2007

SANTOS, B. de S. Do Pós-Moderno ao Pós-Colonial. E para além de um e outro. Centro de Estudos Sociais, Universidade do Minho, 2004.