
Gabriele Nascimento (acadêmica do 2º semestre de RI da UNAMA)
Keity Oliveira e Lara Lima (acadêmicas do 8º semestre de RI da UNAMA)
A região amazônica é marcada por abrigar um considerável número de atividades ilegais, incluindo o trabalho análogo à escravidão. Em busca de melhores condições de vida e trabalho, diversos trabalhadores, manipulados com falsas promessas de salários e boas condições de serviço, se submetem a trabalhos exploratórios com jornadas exaustivas, péssimas condições de serviço e falta de direitos trabalhistas que asseguram sua estabilidade.
Inicialmente, cabe ressaltar que a Amazônia não é um espaço de fácil delimitação e essa configuração pode influenciar na perspectiva que ela pode assumir, tendo seu território ampliado ou reduzido, variando de acordo com o objeto de estudo, interesse ou consideração. No entanto, essa configuração também transforma a região em um alvo estratégico que, desde os tempos coloniais, foi alvo de diversas políticas referentes a sua manutenção e integração ao restante do território brasileiro. Nele houve, ao longo da história, diversas fases de ocupação “em surtos ligados a demandas externas seguidos de grandes períodos de estagnação e de decadência” (Becker, 2005, p. 71), que se utilizavam do trabalho compulsório, seja de forma legalizada, seja de forma ilegal ou velada (Mendes e Pereira, 2018).
A porção da floresta amazônica que atualmente é delimitada pela Amazônia brasileira não pertencia, inicialmente, a Portugal. Entretanto, a promessa de prosperidade advinda da região possibilitou que o país tratasse de garantir sua hegemonia sobre esse espaço, por meio do estabelecimento de fortificações militares, assim como também contava com o auxílio de organizações religiosas que garantiriam a dominação das populações locais da região.
Nesse sentido, com o foco em expandir as colônias em busca do lucro imediato, através da exploração de metais preciosos ou de produtos de alto valor comercial, como a cana-de-açúcar, os colonizadores portugueses tiveram que contar com a exploração da mão de obra indígena disponível para a manutenção ou expansão do domínio territorial sobre a Amazônia (Mendes e Pereira, 2018).
Durante o século XVI, a economia regional era voltada, sobretudo, para as chamadas “drogas do sertão” (guaraná, anil, cacau, canela, cravo, sementes oleaginosas, madeiras, salsaparrilha etc), produtos destinados ao mercado europeu que se utilizavam da exploração servil da mão de obra local. Mais tarde, em meados do século XVIII, houve a entrada de um grande contingente de escravos negros nos atuais estados do Pará e do Maranhão após um longo período de estagnação na economia.
O período introduziu a mão de obra escrava africana na economia agrícola da região amazônica, promovendo políticas da Coroa Portuguesa, através de Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal, para o aumento exponencial desses trabalhadores (Costa, 2016).
Na segunda metade do século XIX, a alta do preço da borracha no mercado internacional e a associação com a abundância de árvores gomíferas nativas na região (Figueira, 2011), provocaram o aumento do extrativismo que combinado com a abolição da escravatura em 1888, geraram alterações significativas no panorama socioeconômico da região. Essa nova realidade levou milhares de nordestinos, prejudicados por uma grande seca, a partirem em direção ao norte em busca de melhores condições de vida e trabalho, perspectiva que foi aliciada pelas propagandas e incentivos do governo (Tavares, 2011). No entanto, além de não alcançarem o sonhado acesso à propriedade, estabeleceu-se o chamado sistema de aviamento, principal sustentáculo da economia gomífera.
A partir da década de 1960, com o fortalecimento do regime agroexportador e do desenvolvimento da industrialização, o governo brasileiro passou a investir em políticas de integração para a região, buscando incorporar as áreas consideradas periféricas ao crescimento econômico do país. Essa integração se voltou principalmente para a Amazônia, considerada, até então, despovoada, ou seja, como um espaço vazio, e se deu a partir do estímulo ao desenvolvimento agropecuário, bem como com a construção de rodovias, hidrelétricas, dentre outros empreendimentos. Tal dinâmica ficou marcada pelo mote “terra sem homens para homens sem terra”.
Nesse sentido, as políticas de integração e desenvolvimento, assim como uma boa parte dos projetos de planejamento brasileiros, se baseou na implementação de políticas de ocupação do espaço territorial (Freitas, 1991), entretanto, diferentemente de outros projetos, esses visavam tornar a região atrativa para o capital internacional. Novamente, houve mudanças significativas nos aspectos socioeconômicos da região, o que trouxe dentro dessa nova dinâmica, a alteração da própria forma de organização territorial que agora abraçava atividades exploratórias, tais como a mineração e a pecuária que levaram a um amplo desmatamento, ampliação dos latifúndios, desterritorialização e o empobrecimento das populações tradicionais locais (Mendes e Pereira, 2018).
É nesse contexto de fragilidade institucional e intensa desigualdade que se desenvolvem as atuais relações de trabalho na Amazônia brasileira, relações essas com raízes dos tempos coloniais escravocratas. O trabalho escravo contemporâneo diz respeito a um indivíduo que é explorado de diversas formas, sendo submetido a esta situação em razão de sua hipossuficiência, sobretudo pela financeira. As vítimas são cidadãos desprovidos de recursos, com pouco ou nenhum grau de escolaridade, em situação de vulnerabilidade social (Mendes e Pereira, p. 07) e este conjunto de fatores acarreta a indivíduos se sujeitarem a um sistema de exploração e violação da dignidade humana.
Indo além dessa primeira perspectiva, cabe sublinhar que a exploração dos recursos naturais atinge diretamente a esfera das relações de trabalho, tendo em vista que o governo compreende que o desenvolvimento econômico é uma tarefa exclusiva do grande capital que tem capacidade plena de desenvolver a região, que conforme destaca Loureiro (2002), é feito com base na exploração e consequentemente, na instalação do trabalho escravo, ocasionando em um ciclo repetitivo de vulnerabilidade e violência.
A primeira denúncia de trabalho escravo na Amazônia, ocorre em 1971, por Dom Pedro Casaldáliga, Bispo defensor dos direitos humanos, porém, foi somente em 1995, que Fernando Henrique Cardoso, presidente da época, admitiu perante a comunidade internacional a existência do trabalho análogo a escravidão no país por meio do caso de José Pereira, jovem de 17 anos que trabalhava em condições análogas à escravidão na fazenda Espírito Santo, no estado do Pará.
A região também foi pioneira em relação à apuração de trabalho escravo contemporâneo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos com o caso “Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil”, no qual o país foi condenado por tolerar, em seu âmbito territorial, a existência do trabalho forçado e servidão por dívida (Caso 12066. Sentença 318 da CORTEIDH, 2016). Nesse mesmo caso, foi atestado pela Corte que a questão do trabalho escravo contemporâneo no Brasil tem raízes históricas na discriminação estrutural das classes sociais, no qual há a concentração de terras nas mãos de minorias hegemônicas, enquanto que a maioria sofre pela situação de pobreza.
Por conta disso, indivíduos ainda se submetem até os dias atuais à exploração laboral, conforme destacado por Bales (2012, p. 41), “não se trata de possuir pessoas no sentido tradicional da escravidão antiga, mas sobre ter o controle deles completamente. As pessoas se tornam ferramentas completamente descartáveis para fazer dinheiro”.
Os crimes ambientais que se impulsionam cada vez mais na Amazônia se tornam negócios milionários, atrelados a crimes violentos, fraudes, corrupção, trabalho escravo e trabalho de drogas. Esse mapeamento foi levantado pelo Instituto Igarapé que analisou 369 operações na Amazônia Legal entre 2016 e 2021, em atividades como a extração ilegal de madeira, o garimpo ilegal, a grilagem das terras públicas e a agropecuária (Pajolla, 2022). Segundo a pesquisa, metade das operações que foram analisadas está ligada a associações ou organizações criminosas que se ligam a crimes como o trabalho escravo.
A exploração de trabalho na região ocorre principalmente por parte de latifundiários através do garimpo ilegal, exploração e desmatamento de madeiras na região. Segundo dados do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, o Pará é o estado que mais apresenta casos de trabalho escravo no país, desde 1995, no qual cerca de 13.259 pessoas foram encontradas em situação de trabalho análogo a escravidão na região, o que representa uma parcela significativa das 56 mil pessoas encontradas na situação em todo o território Brasileiro (NARCISA; CARNEIRO; SÓTER, 2023). Desse modo, esses dados demonstram a necessidade de urgência de combate à essa prática.
Apesar do reconhecimento do Estado Brasileiro da existência do trabalho escravo no país, a realidade na Amazônia é de que a população local, em razão das políticas públicas de integração, desenvolvimento e urbanização executadas ao longo da história, não são detentoras de terras e dependem do extrativismo para sobreviver por meio de relações de trabalho que se desenvolvem em uma grande cadeia movida pelo regime análogo à escravidão.
Em síntese, essas problemáticas estão interligadas e exigem uma abordagem multifacetada para mitigar essas situações. É necessário implementar uma reforma agrária, adotar políticas públicas eficazes de combate à pobreza, fortalecer as instituições de fiscalização e justiça, além de promover ações internacionais para preservar a Amazônia e proteger os direitos dos trabalhadores.
Diante do tema exposto, recomenda-se o filme “Servidão” (2024), dirigido por Neto Borges e Renato Barbieri. O documentário destaca a urgência de combater o trabalho escravo contemporâneo, enfatizando que essa é uma responsabilidade da geração atual. Por meio de diversos depoimentos, o filme traça paralelos entre as condições atuais e a escravidão dos séculos XVI, XVII e XVIII. O longa está disponível para aluguel ou compra no Youtube Filmes, através do link a seguir:
< https://youtu.be/q7OgwPIVSrA?si=88s8x5euFd6Sa2c8 >
Recomendamos também a leitura do livro “Trabalho Escravo na Amazônia” (2022), de Laís Castro, que aborda como a escravidão, embora formalmente abolida, ainda persiste sob novas formas de exploração da mão de obra. A autora destaca que essas formas modernas de escravidão continuam a perpetuar a exploração e a violação dos direitos humanos fundamentais. O livro está disponível para ser adquirido na Lumen Jures, através do link a seguir:
https://lumenjuris.com.br/direito-material-e-processual-do-trabalho/trabalho-escravo-na-amazonia
Por fim, destacamos o Instituto Trabalho Decente, uma organização da sociedade civil, localizada em Brasília, que atua em todo território nacional. Seu principal objetivo é promover os direitos humanos no ambiente de trabalho, assim, proporcionando melhores condições para o trabalho digno e sustentável.
Site: https://www.institutotrabalhodecente.org/pt#:~:text=O%20Instituto%20Tr
Instagram: https://www.instagram.com/instituto_trabalho_decente?igsh=MWpnOXBubHB1eGxyMw
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YouTube: https://youtube.com/@institutotrabalhodecente3315?si=FZ_8Ef7IrVXMkBB_
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REFERÊNCIAS
BALES, Kevin. Disposable People: new slavery in global economy. 3. ed. Berkley: University of California Press, 2012.
BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, v. 19, n. 53, p. 71-86, 2005. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10047 > Acesso em: 24 de junho de 2024.
NARCISA, Tayana; CARNEIRO, Taymã; SÓTER, Gil. Pará lidera ranking nacional de pessoas resgatadas em situação análoga à escravidão. G1 Pará. Publicado em: 28 de janeiro de 2023. Disponível em: < https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2023/01/28/com-mais-de-13-mil-vitimas-para-lidera-ranking-nacional-de-pessoas-resgatadas-em-situacao-analoga-a-escravidao.ghtml > Acesso em: 26 de junho de 2024.
COSTA, Diego Menezes. Arqueologia dos africanos escravos e livres na Amazônia. Vestígios, v. 10, n. 1, p. 71-91, jan./jun. 2016. Disponível em: < https://seer.ufmg.br/index.php/vestigios/article/view/10568/8109 > Acesso em: 24 de junho de 2024.
FIGUEIRA, Ricardo Resende. A persistência da escravidão ilegal no Brasil. Lugar Comum, Rio de Janeiro, n. 33-34, p. 105-121, jan./ago. 2011. Disponível em: < http://www.gptec.cfch.ufrj.br/pdfs/A_persistencia_da_Escravidao_ilegal_no_Brasil.pdf > Acesso em: 24 de junho de 2024.
FREITAS, Aimberê. Políticas públicas e administrativas de Territórios Federais do Brasil. Boa Vista: Editora Boa Vista, 1991.
LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia: uma história de perdas e danos, um futuro a (re)construir. In: Estud. av. São Paulo, v. 16, n. 45, 2002, p. 107-121. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142002000200008&lng=en&nrm=iso > Acesso em: 24 de junho de 2024.
MENDES, Gabriela Ariane Ribeiro; PEREIRA, Camilla de Freitas. Do trabalho escravo contemporâneo na Amazônia brasileira: um reflexo das políticas de urbanização. Anais do “V Congresso Internacional de Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável: Pan-Amazônia – Integrar e Proteger” e do “I Congresso da Rede Pan-Amazônia”. Belo Horizonte: Editora Dom Helder, 2018.
PAJOLLA, Murilo. Do tráfico ao trabalho escravo: redes de atividades ilegais impulsiona devastação da Amazônia. Brasil de Fato. Publicado em: 06 de abril de 2022. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2022/04/06/do-trafico-ao-trabalho-escravo-rede-de-atividades-ilegais-impulsiona-devastacao-da-amazonia > Acesso em: 24 de junho de 2024.
TAVARES, Maria Goretti da Costa. A Amazônia brasileira: formação histórico-territorial e perspectivas para o século XXI. GEOUSP – Espaço e Tempo, São Paulo, n. 29 – Especial, p. 107-121, 2011. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/74209/77852 > Acesso em: 24 de junho de 2024.
